20-9-2015

 

Simão Lopes Samuda (1681-1729)

 

 

Tenho já escrito bastantes vezes sobre  o médico Simão Lopes Samuda (1681-1729), seja referindo-o a ele, seja aos seus parentes que também passaram pelos calabouços da Inquisição. Estão neste caso as páginas seguintes, onde há várias genealogias:

020209.html - Jacob de Castro Sarmento (1691 - 1762)

100312.html - Duas jovens assassinadas pela Inquisição no início do Séc. XVIII

                 23-8-1703 – Maria de Melo Rosa

                 4-10-1704 – Maria Lopes de Sequeira

120412.html – 23-8-1703 - Dr. Diogo (Samuel) Nunes Ribeiro (1668 – 1741)

050512.html – 4-9-1703 - Isabel Henriques (1644-1706) na Inquisição

100114.html - Uma família perseguida pela Inquisição durante mais de 100 anos

180815.html – As Viríadas do Doutor Samuda (Simão Lopes Samuda)

Tenho, porém, alguns pontos a acrescentar e coisas a esclarecer, pelo que me parece boa ideia, fazer um estudo mais pormenorizado do processo n.º 2784, contra o médico.

No início do séc. XVIII, a Inquisição decidiu cair em cima dos médicos cristãos novos. Estes levavam até ali uma vida sossegada, trabalhando na sua profissão. Tinham bastante clientela, sobretudo porque seriam certamente mais baratos que os médicos cristãos velhos, mas também tinham bastantes disputas entre eles.

A Inquisição, em especial a de Lisboa, procurou sempre na sua perseguição os cristãos novos que estavam bem na vida. No séc. XVII, tinha já praticamente liquidado todas as grandes fortunas e os cristãos novos ricos estavam já todos no estrangeiro. Os médicos esses não eram ricos mas não viviam mal. O avô de Simão Lopes Samuda escapou por muito pouco à sanha da Inquisição por ter falecido.

Depois de preso o primeiro médico, seguiram todos os outros, até porque era preciso fazer denúncias para serem libertados. Para além disso, tinham ainda de denunciar a família toda, pais, filhos e irmãos. Foi ainda a época dos processos duplos, os segundos numerados com -1, ou seja, o réu era preso de novo, quando aparecia um a nova denúncia contra ele, depois de ser reconciliado. Um verdadeiro inferno, que obrigou à fuga para o estrangeiro de muitas famílias (um milhar e meio para Inglaterra nos primeiros 30 anos do séc. XVIII). 

 

Sucessão de médicos da zona de Lisboa presos pela Inquisição no início do séc. XVIII

Diogo Nunes (Pr. n.º 2361) – Preso em 3-8-1702

Gaspar de Sousa (Pr. n.º 4555) – Preso em 2-9-1702

Manuel Soares Brandão (Pr. n.º 2110) – Preso em 9-11-1702

António de Mesquita (Pr. n.º 153) – Preso em 15-3-1703

Manuel Samuda de Leão (Pr. n.º 7178) – Preso em 16-3-1703

Diogo Nunes Ribeiro (Pr. n.º 2367) – Preso em 23-8-1703

Simão Lopes Samuda (Pr. n.º 2384) – Preso em 23-8-1703

Gaspar Lopes Henriques (Pr. n.º 5379-1 - Preso em 8-9-1703

Diogo Henriques Ferreira (Pr. n.º 3689) – Preso em 2-10-1703

Francisco de Sá e Mesquita (Pr. n.º 11300) -  Apresentação em 12-11-1703

 

O Dr. Simão Lopes Samuda foi denunciado na Inquisição por seu tio afim, António de Mesquita, que também acusou a mãe dele, Violante Nunes Rosa e a irmã, Maria de Melo Rosa.

Estou convencido que ele terá impressionado no bom sentido alguns dos inquisidores. Era um rapaz novo que fora bom estudante, culto, poeta, fora do vulgar.

Foi assim que tiveram a ideia de o pôr a tormento, não propriamente para o fazerem sofrer, mas para “purgar” as suas faltas. Esta função do tormento não está muito clara no Regimento, mas encontra-se tratada e estudada em inúmeros documentos e mesmo em tratados em língua espanhola.

No Regimento de 1640, diz –se em II, XIII, XIII, sobre o assento de tormento:

não se votará então sobre a resolução que se há-de tomar, depois de executado o tormento, nem se votará em tal tormento que por ele se purgue toda a suspeita, que houver contra o réu, antes se terá sempre respeito a que fique lugar para a abjuração que deve fazer”.

 

Diziam depois os tratados que quem suportasse os tormentos sem confessar, purgaria a pena ordinária, ficando no entanto sujeito à abjuração, tal como refere a norma supra.

É pois perfeitamente errado dizer que os réus da Inquisição eram absolvidos se suportassem os tormentos sem confessar, apenas escapavam à pena de morte.

Note-se no entanto, que houve muitos casos em que os réus que sofreram um e mais tormentos sem confessar, foram apesar disso, impiedosamente relaxados.

O Assento da Mesa de 24 de Setembro de 1704 sobre Simão Lopes Samuda diz claramente que o réu será posto a tormento, sofrerá um trato esperto e depois disso se decidirá da sua sorte num outro assento.

O trato esperto era na polé: o réu era puxado por uma corda que prendia as mãos unidas atrás das costas até uma determinada altura (do libelo, ou, mais alto, da roldana) e deixado cair, ou devagar (trato corrido) ou de repente (trato esperto). Havia depois correspondências para aplicar o mesmo tormento no potro. O relato do tormento no processo n.º 2784 refere que o trato esperto da polé corresponde a uma volta inteira no potro. Note-se que a volta é depois de todas as cordas estarem bem apertadas nas oito partes do corpo, duas nos braços e duas nas pernas de cada lado. A volta inteira obriga o aparelho a perfurar a pele e eventualmente partir braços e partir dedos.

O tormento durou meia hora que não é nada pouco; o tormento vulgar durava um quarto de hora.

Após o tormento no potro, nenhum réu conseguia assinar fosse o que fosse. As mãos ficavam inutilizadas durante vários meses. Por isso diz o processo que ele pediu que assinassem por ele. Possivelmente não é verdade, escreveram o que quiseram sem lho dizer, não havia necessidade de o fazer e seriedade é coisa que não havia na Inquisição.

 

Contra o que estava previsto e desrespeitando o Regulamento, não houve um segundo Assento da Mesa para condenar o Réu. Que terá acontecido?

A sentença do processo é muito interessante. Antes de mais, deve dizer-se que geralmente a sentença do processo da Inquisição não é sentença nenhuma, porque não decide a sorte do Réu. Esta é decidida por Assento da Mesa ou Assento do Conselho Geral quando deve subir à apreciação deste. A sentença que figura nos processos da Inquisição é um manifesto que se destinava a ser lido no Auto da Fé. Contem sobretudo propaganda e falta quase sempre à verdade. Aliás, estas sentenças não eram secretas, ao contrário do que acontecia com o resto do processo.

Neste processo n.º 2784 a sentença divide-se em duas partes totalmente diferentes: a segunda começa com as palavras “Havendo porém respeito(…)”. A primeira é uma sentença típica que efabula as “culpas” do Réu, sem nenhuma correspondência com o conteúdo do processo. A segunda é de facto a decisão sobre a sorte dele.

É assinada por quatro Inquisidores, mas nenhum deputado.

 

Que terá acontecido? Sem fantasiar muito, eu entendo que não terá havido acordo para redigir o segundo Assento. Alguns dos “juízes” (de entre os deputados) quereriam uma pena mais severa, sem dúvida o relaxe. Então, os Inquisidores mandaram a correcção jurídica às malvas e decidiram indicar a sorte do réu na própria sentença. Isto não admira, porque a lógica normal da Inquisição levaria a condenar Simão Lopes Samuda ao relaxe. O processo teve assim um desenlace muito inabitual na Inquisição, com um processo incorrecto.

O processo era secreto e ninguém iria levantar o problema.

 

Re-perguntadas as testemunhas

 

Depois de restabelecida a acção da Inquisição pelo Papa Inocêncio XI, com o Breve de 22 de Agosto de 1681, começaram a ser reperguntadas as testemunhas, como mandava a instrução do Breve “Porro repetitio testium…”.:

XXIV. Que a reperguntação das testemunhas seja indispensavelmente necessária depois de se contestar o processo com citação,  quer dizer, que seja com conhecimento do acusado, e por artigos que sejam apresentados pelo procurador do mesmo acusado, ou que se supram ex officio, sem o que os ditos testemunhos serão de nenhum valor.

Sendo 99 % das denúncias falsas, parecia que a Inquisição teria dificuldade em conseguir que os deponentes dissessem da segunda vez uma versão igual à de algumas semanas ou meses atrás.

Depressa, porém, encontraram soluções. A que começaram a usar, primeiro, bastante bacoca, foi a de ler o primeiro depoimento à testemunha e perguntar-lhe se confirmava o que tinha ouvido. Claro que a resposta era positiva.

Depois, deram liberdade aos procuradores de indicarem as perguntas a fazer às testemunhas no segundo interrogatório, que eles começaram a escrever para o processo.  Mas tudo isto era totalmente inutilizado pelo absoluto segredo do processo. Os procuradores indicavam as perguntas, mas nunca vinham a saber as respostas.

Ora, entendo eu, que quando o breve exigia o “conhecimento do acusado”, não significava apenas que as testemunhas fossem reperguntadas, mas que teria o direito de conhecer as respostas, coisa que a Inquisição nunca reconheceu.

Constata-se nos segundos interrogatórios que respostas diferentes não tinham qualquer consequência.

É evidente aliás, que muitas das diligências processuais na inquisição, eram “para inglês ver”, não tinham qualquer fundamento sólido ou função para descobrir a verdade ou fazer justiça, coisas que no processo inquisitorial não têm qualquer sentido.

 

Procurou saber-se quando é que Simão Samuda abandonou o País e também quando é que foi para Inglaterra.

No processo n.º 8144, de Isabel Henriques, filha do médico António de Mesquita, diz ela na Genealogia em 1712 que Violante Nunes Rosa e seu filho Simão Lopes Samuda, médico, se ausentaram para fora do Reino, mas não sabe para onde.

O mais provável é que depois de libertos pela Inquisição, tenham seguido para Inglaterra logo que arranjaram transporte.

Acontece, porém, que Violante Nunes Rosa tinha sido condenada no degredo de sete anos para São Tomé. Tudo indica, porém, que o degredo não foi cumprido. É, aliás, o que sugere a caução de 20-2-1706 que se encontra no final do seu processo. Esta caução não tem nada a ver com as despesas do processo, ao contrário do que já se escreveu.

O procedimento habitual nos degredos era a entrega dos réus à Cadeia do Limoeiro, onde ficavam a aguardar transporte. Nenhum dos condenados a degredo e galés no Auto da Fé de 6 de Setembro de 1705 foi entregue na cadeia. Têm quase todos uma caução igual ou semelhante à que foi prestada em 20-2-1706 para Violante Nunes Rosa e sua prima afim Catarina Henriques Samuda (pr. n.º 8793)  no pr. n.º 7733 (fls. 206 img. 415). Esta caução não é monetária, o fiador garante em geral com a sua pessoa e bens, compromete-se a dar conta das duas rés em qualquer altura dentro de um mês, não as deixando sair fora de suas casas, sem licença da Mesa da Inquisição (dentro do mesmo prazo, entenda-se). Pressupõe-se assim, que elas ficarão totalmente livres ao fim de um mês.

No Auto da Fé do médico, a mesma fiança com o mesmo prazo foi feita na mesma data para Clara Rodrigues (Pr. n.º 335) e sua filha Brites Rodrigues (Pr. n.º 8773), e figura a fls. 323 img. 645 do processo da primeira.

Na fiança para Luis de Matos Lopes (pr. n.º 3579), do mesmo Auto, o prazo foi de três meses, em idênticas condições.

Já no caso de Pedro Furtado (Pr. n.º 2006, fls 291, img. 591), condenado no mesmo auto ao degredo de 5 anos para o Brasil, a fiança não tem prazo: o fiador promete sob juramento dar conta do Réu “todas as vezes que por parte deste Santo Ofício, lhe fosse procurado, o que tudo prometeu cumprir).

No caso de Violante Nunes Rosa, ela terá ficado livre da condenação passado um mês, em face do termo de fiança. Já estava bem marcada com a filha presa nos Estaus e a iminente condenação à morte de sua madrasta, morta no patíbulo em 12 de Setembro de 1706.

 

 

 

Processo n.º 2784, de Simão Lopes Samuda

 

fls. 4 img.13 – Mandado de prisão de 22-8-1703, com sequestro de bens

fls. 5 v img. 15 – 23-8-1703 – Prisão

CULPAS

fls 6 img.  15 – Depoimento em 15-5-1703, de António de Mesquita (Pr. n.º 153 ), tio por afinidade

fls. 8 img. 17 – Dep. em  24-7-1703,  de José Nunes Chaves. (Pr. N.º 138)

fls. 10 img. 19 – Dep. em 25-8-1703, de Jorge Mendes Nobre – (Pr. N.º 8279)

fls. 12 img. 22 – Dep. em 12-11-1703 e em  de Francisco de Sá e Mesquita (Pr. n.º 11300), estudante em Coimbra

fls. 14 img. 25 – 25-9-1703 -  Inventário

Não tem quaisquer bens. Vive com sua mãe Violante Nunes Rosa (Pr. n.º 7733) que é viúva.

fls. 16 img. 28 – 20-10-1703 – Genealogia

Tem 22 anos, é solteiro e médico, filho de Rodrigo de Sequeira, já falecido e de Violante Nunes Rosa, esta natural de Beja e moradora em Lisboa. Seus avós paternos são já falecidos e chamavam-se Gaspar Vaz de Sequeira e Maria Soares de Melo. Também seus avós maternos são falecidos e chamavam-se Simão Lopes Samuda, médico e Leonor da Silva.  

Seu pai deveria ter falecido em 1702 ou pouco antes. Por isso não tem qualquer sentido a ficha dos Arquivos que indica sua mulher Isabel Henriques como viúva no pr. n.º 1830, quando ela tinha… 23 anos e teve filhos durante mais 18 anos - 30-09-2015: Os Arquivos emendaram o erro.

Por parte de seu pai tem dois tios, chamados André de Sequeira e Maria Soares de Sequeira. Seu tio André de Sequeira é casado com Isabel Maria da Veiga, de quem tem quatro filhas a saber Grácia Caetana, casada com Diogo Nunes, médico; Teresa Eugénia, solteira, Branca que é aleijada, e Francisca, ambas solteiras.  Sua tia Maria Soares de Sequeira é viúva de  Álvaro Machado e não tiveram filhos.

Por parte de sua mãe, tem três tios e cinco tias, chamados João Esteves Henriques, Pedro Lopes Henriques, Manuel Samuda de Leão, Catarina Henriques Samuda, Guiomar Maria Henriques, Branca Lopes Henriques, Clara Henriques e Custódia Henriques. Os primeiros três são solteiros; Pedro Lopes Henriques tem um benefício em Coruche que lhe dá uma pensão de 50 000 réis. Sua tia Catarina Henriques Samuda é casada com Manuel Mendes Henriques, e não têm filhos. Sua tia Guiomar Maria Henriques é casada com o médico António de Mesquita, der que tem 6 filhos: Rafael, Isabel, Luisa Antónia, Violante, Grácia e Joana.

Sua tia Branca Lopes Henriques é casada com Manuel de Mesas de quem tem três filhos: Simão, Isabel e Maria.

Suas tias Clara e Custódia são solteiras e vivem com sua mãe.

Ele declarante tem dois irmãos: Gaspar de Almeida (meio irmão, filho de seu pai, mas não de sua mãe) que vive em Londres e Maria de Melo.

Seu pai Rodrigo de Sequeira foi reconciliado pela Inquisição (Pr. n.º 637). Nesta altura, estão presas sua mãe e sua irmã; e ainda seus tios João Esteves Henriques, Pedro Lopes Henriques e Manuel Samuda de Leão.

fls. 21 img. 34 – 30-10-1703 -  Foi nomeado seu curador o Licenciado P.e João de Morais e Castro, capelão do Inquisidor Geral.

fls. 22 img. 35– 30-10-1703– Sessão in genere

Respondeu negativamente a todas as perguntas

fls. 26 img. 39 – 4-2-1704 - Sessão in specie

A todas as perguntas respondeu que tal não passara.

fls. 29 img. 45 – 13-2-1704 - Admoestação antes do libelo. Leitura do libelo. Ouvida a leitura, disse que queria defesa e queria estar com procurador

fls. 33 img. 49 – 14-2-1704 - Juramento do procurador, Licenciado Francisco de Quintanilha

fls. 34 img. 50 – Traslado do libelo devolvido pelo procurador.

fls. 35 img. 52—Defesa. Diz o Réu que sempre foi bom cristão e que sempre cumpriu as suas obrigações de católico. Indica testemunhas.

fls. 36 img. 55 – 27-2-1704 – Despacho recebendo a defesa e mandando ouvir a testemunhas.

fls. 37 img. 56 – 29-3-1704 - Audição das testemunhas de defesa

- Padre António Álvares de Faria, Cura de S. Nicolau, de 30 anos– Disse ter boa opinião do réu. Sobre el praticar actos de cristão, nada sabe.

- Padre Fr. Pedro da Trindade, de 53 anos – Via o Réu fazer actos de católico. Mas depois que soube que ele era cristão novo, pela má opinião que tem de todos os cristãos novos, não deu crédito algum às acções que o réu como católico fazia.

- Padre Fr. Tomás da Natividade, Religioso leigo de S. Domingos, de 38 anos – Disse que exteriormente via o réu fazer actos de católico e por isso tinha boa opinião dele.

fls. 40 img. 62 –

- Luís Álvares, solteiro, cirurgião, de 23 anos – Disse que via o réu fazer actos de católico e que o tem como tal.

fls. 42 – img. 65 – 27-2-1704 - Termo de citação para formar interrogatórios (perguntas a fazer aos denunciantes).

fls. 43 img. 67 – 27-2-1704 – Estância com o procurador

fls. 44 img. 69 – Cópia da prova da justiça que há contra o réu Simão Lopes Samuda

fls. 44 v img. 70 – Perguntas a fazer às testemunhas ao serem reperguntadas

fls. 46 img. 72 – Audição de José Nunes Chaves

fls. 49 img. 78 – Audição de Jorge Mendes Nobre

fls. 52 img. 84 – Audição de António de Mesquita

fls. 55 img 91 – 8-4-1704 – Citação para mais prova – é a denúncia de Francisco de Sá e Mesquita

fls. 55 v img. 92 – 14-5-1704 – Estância com o procurador

fls. 56 img. 92 – Traslado da denúncia de Francisco de Sá e Mesquita. O procurador indica as mesmas perguntas.

fls. 57 img. 94 – Audição de Francisco de Sá e Mesquita

fls. 60 img. 98 – 19-5-1704 – Requerimento do promotor antes da publicação da prova da justiça. Publicação. Ouvida a leitura, o réu disse que era tudo falso e queria formar contraditas.

fls. 63 img. 105 – 20-5-1704 – Estância com o Procurador

fls. 64 img. 106 – Traslado da prova da justiça.

fls. 66 img. 110 – Contraditas redigidas pelo procurador –

O principal inimigo do Réu é o Dr. António de Mesquita, médico, casado com sua tia Guiomar Maria Henriques. Entrava ele em sua casa à vontade e a certa altura embeiçou-se de uma escrava chamada Sebastiana, que violou e engravidou. Tentou fazê-la abortar, mas como não conseguiu, levou-a escondeu-a até ela dar à luz. Nestas manobras, foi ajudado por sua mãe, Luísa de Mesquita, as filhas desta, suas irmãs, e por seus tios.

Uma escrava de João Esteves Henriques, chamada Maricota, foi quem disse e descobriu o procedimento de António de Mesquita e por isso o seu dono deu-lhe “muitas pancadas”.

Pedro Lopes Henriques era um perdulário, sempre a pedir dinheiro a toda a gente.

Toda a família se virou contra o réu por ele ter reprovado com vigor o procedimento de António de Mesquita.

Indica depois outros seus inimigos, incluindo Pedro de Vilhena Vilhegas (Pr. n.º 11110), que pedia ao réu a mão da irmã e lhe foi negada por duas vezes.

fls. 70 img. 118 – 14-6-1704 – Nomeação de testemunhas

fls. 73 v img. 122 – 14-6-1704 – Despacho de recebimento das contraditas. Foram recebidas apenas as respeitantes a António de Mesquita, Francisco de Sá e José Nunes Chaves.

fls. 74 img. 122 - 19-6-1704 - Citação para mais prova –

fls. 74 v img. 123 - 19-9-1704 – Estância com procurador

fls. 75 img. 123 – Cópia das denúncias de seu tio Pedro Lopes Henriques (Pr. n.º 2792)

fls. 76 img. 124 - 19-9-1704 – Reperguntado seu tio Pedro Lopes Henriques

fls. 79 img. 127 – 19-9-1704 - Requerimento do procurador e publicação de mais prova (ainda a denúncia de Pedro Lopes Henriques). Admoestação antes da publicação. Publicação da prova da justiça.

fls. 83 img. 135 – O procurador alega coarctadas em relação a algumas denúncias e alega ainda mais contraditas.

fls. 86 img. 138 – 20-9-1704 – Nomeação de testemunhas.

fls. 88 img. 142 – 23-8-1704 – (é engano, tem de ser Setembro) –  Despacho não recebendo as contraditas e coarctadas.

fls. 89 img. 144 – 22-9-1704 – Audição das testemunhas às contraditas

- António Correia da Silva, de 32 anos, oficial maior da Junta de Comércio – Ouviu dizer a Gaspar de Almeida, meio irmão do réu, que António de Mesquita desencaminhara e emprenhara uma escrava mulata de casa deles, do que ficaram muito sentidos.

- Manuel Machado Borges, de 49 anos, alfaiate – Sabe que um parente do réu desencaminhou e emprenhou uma escrava mulata dele, mas não sabe quem.

- Clemente de Oliveira, de 35 anos, cirurgião – Disse ser do conhecimento público que António de Mesquita emprenhara a escrava mulata do réu e que por isso ficaram de relações cortadas.

- Maria Henriques, de 50 anos, mulher parda, solteira, cristã velha -  como o testemunha anterior.

- Joana da Fonseca, de 50 anos, mulher parda – Depôs como as anteriores testemunhas. Acrescentou saber que o réu não gostava de Pedro Henriques, por ser perdulário.

fls. 95 img. 150 – 24-9-1704 – Assento da Mesa

“(…) E pareceu a todos os votos que, visto deporem contra o réu cinco testemunhas de culpas de declaração de judaísmo em forma, todas reperguntadas pelos interrogatórios do Réu, resultavam contra o mesmo urgentes indícios  de viver apartado da nossa santa fé católica e ter crença na Lei de Moisés e atendo ao que o Réu alegou e provou em suas contraditas, com que diminuiu o crédito de António de Mesquita, 1.ª testemunha da Justiça, ele antes de outro despacho fosse posto a tormento e que nele tivesse um trato esperto, podendo-o sofrer a juízo do médico e Cirurgião e arbítrio dos Inquisidores e que, satisfeito este assento, se torne o processo a ver em Mesa para se despachar a final (…)

 

fls. 96 img 151 – 27-9-1704 – Admoestação antes da sentença do tormento

fls. 97. img. 153 – Assento determinando a ida a tormento

fls. 97 v img. 154 – 27-9-1704 – Na sala do tormento

E sendo logo o réu despojado das suas vestes que lhe podiam impedir a execução do tormento, foi lançado no potro e começado a atar com os cordéis e protestado por mim em nome dos Senhores Inquisidores e mais Ministros que foram no despacho do seu processo, que, se ele no tormento morresse, quebrasse algum membro ou perdesse algum sentido, a culpa seria sua, pois voluntariamente se expunha àquele perigo, podendo-o escusar, descarregando sua consciência e confessando suas culpas e não será dos Ministros do Santo Ofício, que, fazendo justiça, segundo mereceu da sua causa, o julgavam a tormento; e atado perfeitamente com os cordéis nas oito partes das pernas, coxas e braços, lhe foi dada uma volta inteira em cada uma das ditas partes, que é um trato experto, o que foi julgado conforme o assento que se tomou em seu processo e por estar satisfeito o mandaram os ditos senhores desatar e levar a seu cárcere. Na execução do dito tormento se gastara meia hora.”

 

fls. 99 img. 155 – Sentença

Acórdão os Inquisidores, Ordinário e Deputados da Santa Inquisição que, vistos estes autos e os urgentes indícios que deles e da prova da justiça Autor resultam contra Simão Lopes Samuda, cristão-novo, médico, solteiro, filho de Rodrigo de Siqueira, mercador, já defunto, natural e morador nesta cidade de Lisboa, Réu preso que presente está, de ele sendo cristão baptizado, viver apartado da nossa santa fé católica e ter crença na Lei de Moisés para salvação de sua alma, por cuja observância guardava a Páscoa do pão ázimo que vem no Mês de Março e dura oito dias, não comendo em todos eles pão fermentado, mas bolos ázimos; fazia o jejum do Dia Grande que vem no Mês de Setembro, e o da Rainha Ester que vem no de Fevereiro, e dura três dias, ceando na última ceia coisas que não fossem de carne; guardava também os sábados de trabalho como se fossem dias santos, começando a guarda deles da sexta-feira à tarde, vestindo neles camisa lavadas os melhores vestidos; e outrossim fazia os jejuns das três semanas que vem no mês de Junho, um no primeiro dia das três semanas e outro no fim, estando neles sem comer nem beber, senão à noite, em que ceava peixe coisas que não eram de carne e deixava de comer a de porco, lebre, coelho e peixe de pele; comunicando estas coisas com pessoas de sua nação, também apartadas da Fé, com as quais se declarava por Judeu.

Havendo porém respeito ao que o Réu alegou em sua defesa e contraditas, e a prova da justiça não ser bastante para pena ordinária:

Mandam que o Réu Simão Lopes Samuda em pena e penitência das ditas culpas vá ao Auto publico da Fé com vela acesa na mão, e nele ouça sua sentença e faça abjuração de vehementi, suspeito na Fé, e por tal o declaram. Terá cárcere a arbítrio dos Inquisidores, onde será instruído nos Mistérios da Fé necessários para salvação da sua alma e cumprirá as mais penas e penitências espirituais que lhe forem impostas; e pague as custas:”

Assinam apenas quatro Inquisidores, nenhum Deputado.

O réu foi reconciliado no Auto da Fé de 19 de Outubro de 1704.

fls. 101 img. 157 – (sem data) - Abjuração de vehementi  -

No final:  “E requeiro aos Notários do Santo Ofício que disto passem instrumentos e aos que estão presentes sejam testemunhas e assinem aqui comigo, João Nunes Xavier, que o subscrevi e assinei pelo Réu de seu consentimento por não poder assinar. a) João Nunes Xavier”, mais três assinaturas.

fls. 102 img. 158 – 21-10-1704 - Termo de segredo

No final: “(…) de que se fez este termo de mandado dos ditos senhores, que com os mesmos assinei de consentimento do Réu, por não poder assinar. a) João Nunes Xavier”, mais duas assinaturas.

O impresso do Termo de Segredo tem a indicação de “mil & seiscentos”, porque vem do século XVII, findo nessa altura há pouco tempo; esqueceram-se de emendar para “setecentos”.

fls. 103 img. 159 – (data em branco)  Termo de ida a penitências

“(…) com quem assinei de consentimento do réu, por não poder assinar.”

fls. 105 img. 160 - Conta de custas --- 5427 reis  (ao procurador  Francisco de Quintanilha –

– 1200 reis)

fls. 104 img. 163 – No cárcere – ouvido em confissão e instruído na doutrina católica em 26 de Outubro de 1704.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

 

Carla Costa Vieira, Observing the skies of Lisbon, Isaac de Sequeira Samuda, an Estrangeirado in the Royal Society, in Notes & Records of the Royal Society Journal of the History of Science - online

Online: http://rsnr.royalsocietypublishing.org/content/early/2014/03/28/rsnr.2013.0049.full.pdf+html 

 

Carla Costa Vieira, Os doutores do Convento da Rosa, in Telheiras – Cadernos Culturais – Lumiar- Olivais-Telheiras – 2.ª série n.º 6 – Novembro 2013, pags. 224-228

 

Augusto de Esaguy, Breve notícia sobre o médico português Isaac de Sequeira Samuda, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1934, Separata de O Instituto, vol. 87, n.º 3, pgs. 262-269.

Online: http://www.catedra-alberto-benveniste.org/_fich/15/Esaguy_-_Isaac_Samuda.pdf

Online: http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por?/tinstituto/tinstituto/1,291,309,E/l856~b1594067&FF=tinstituto&1,1,,1,0

 

Giuseppe Carlo Rossi, Un poema portoghese inedito in manoscritto romano del secolo XVIII, in Sep. Miscelânea de Estudos em honra do prof. Hernâni Cidade, Lisboa 1957.

 

Prof. Doutor Manuel Curado, As Viríadas do Doutor Samuda, Imprensa da Universidade, Coimbra, 2014