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JUDITH TEIXEIRA
(1880 - 1959)
POEMAS:
Podes Ter os Amores que Quiseres…
Nos olhos de seda
traçados em viés,
tem um ar tão sensual
o meu Chinês…
Vive sobre uma almofada
de cetim bordada,
pintado a cores.
Às vezes
numa ânsia inquieta
que eu não mitigo,
e que me domina,
num sonho de poeta
ou de heroína,
fujo levando
o meu Chinês comigo!
E lá vamos!
Nem eu sei
para que alcovas orientais,
em que países distantes,
realizar
as horas sensuais,
as horas delirantes
com que eu sonhei…
……………………………………………..
Eu e o meu Chinês
temos fugido tanta, tanta vez!
Inverno – Noite – Hora Inquieta
1922
Onde vou eu, onde vou?
Já nem sei donde parti…
Se eu mesma não sei quem sou!
Achei-me dentro de ti.
Eu fui ninguém que passou,
eu não fui, nunca me vi…
Fui asa que palpitou –
Eu só agora existi.
Negra dor espavorida
ou saudade dolorida
eu fui talvez no passado…
Sou triste por atavismo…
Não há ontem no cuidado
em que em cuidados me abismo.
Inverno – Hora Ignorada
1922
Ninguém
Embriaguei-me num doido desejo
E adoeci de saudade.
Caí no vago ... no indeciso
Não me encontro, não me vejo -
Perscruto a imensidade
E fico a tactear na escuridão
Ninguém. Ninguém
Nem eu, tão pouco!
Encontro apenas
o tumultuar dum coração
aprisionado dentro do meu peito
aos saltos como um louco.
Hora sombria
1923
Através dos vitrais
ia a luz a espreguiçar-se
em listas faiscantes,
sob as sedas orientais
de cores luxuriantes!
Sons ritmados dolentes,
num sensualismo intenso,
vibram misticismos decadentes
por entre nuvens de incenso.
Longos, esguios, estáticos,
entre as ondas vermelhas do cetim,
dois corpos esculpidos em marfim
soergueram-se nostálgicos,
sonâmbulos e enigmáticos...
Os seus perfis esfingicos,
e cálidos
estremeceram
na ânsia duma beleza pressentida,
dolorosamente pálidos!
Fitaram-se as bocas sensuais!
Os corpos subtilizados,
femininos,
entre mil cintilações
irreais,
enlaçaram-se
nos braços longos e finos!
..............................................
E morderam-se as bocas abrasadas,
em contorções de fúria, ensanguentadas!
..............................................
Foi um beijo doloroso,
a estrebuchar agonias,
nevrótico ansioso,
em estranhas epilepsias!
..............................................
Sedas esgarçadas,
dispersão de sons,
arco-iris de rendas
irisando tons...
..............................................
E ficou no ar
a vibrar
a estertorar,
encandescido,
um grito dolorido.
Novembro - Hora das Visões
1922
O palhaço
Anda-se a rir, a rir dentro de mim,
com as lívidas faces desbotadas
um estranho palhaço de cetim,
rasgando em dor meu peito às gargalhadas!
Sobe aos meus olhos sempre a rir assim... -
espreitando as figuras malsinadas
que não vestem nunca de arlequim,
mas que andam pela vida disfarçadas.
Na sombra dos meus cilios, emboscado,
ri, no meu olhar frio e desolado,
escondendo-se atónito e surpreso...
E quando desce à triste moradia,
vem mais louco e soberbo de ironia
na irrisão dum sarcástico desprezo!
Março
1923
Minha ânsia ardente traz-me alucinada...
Ando a cantar para embalar a dor...
Trago nos braços a Asa desolada
dum prisioneiro raro, dum Condor!
Num sonho de beleza, sobe e brada,
a minha alma tão cheia de amargor
ao faiscante sol da madrugada,
na conquista dum rútilo fulgor!
Desdobro as asas como ave êxul,..
e no silencio do céu calmo e azul,
mal oiço ao longe a ventania agreste!...
E nos meus olhos roxos e profundos
andam a desenhar-se novos mundos!
Rasgando a sombra negra que me veste...
Abril
l923
Podes Ter os Amores que Quiseres…
Podes dizer que me não amas,
sim, podes dizê-lo,
e o mundo acreditar,
porque só eu saberei
que mentes!
Eu estou na tua alma
como a flama
que devora sob a cinza
as brasas dormentes...
Não creias no remorso
- o remorso não existe!
O que tu sentes
e o que em ti subsiste,
são o rubor da minha ternura
e a chama do meu amor
que em ti
nunca foram ausentes!...
Não julgues, não, que me esqueceste,
porque mentes a ti mesmo
se o disseres…
Podes ter os amores que quiseres,
que o teu amor por mim,
como uma dor latente e compungida,
há-de acompanhar sempre
a tua e a minha vida!
Fevereiro – Sol Posto
1924
Vão para ti, amor de algum dia,
os gritos rubros da minha alma em sangue;
vives cm mim, corres-me nas veias,
andas a vibrar
na minha carne exangue!
Mas, quando nos teus olhos poisa o meu olhar
enoitado e triste,
vejo-te diferente…
Aquele que tu eras, e que eu amo ainda,
perdeu-se de ti
…e só em mim existe!
Agosto
1924
A bailarina vermelha
Ela passa,
a papoila rubra,
esvoaçando graça,
a sorrir...
Original tentação
de estranho sabor:
a sua boca - romã luzente,
a refulgir!...
As mãos pálidas, esguias,
dolorosas soluçando,
vão recortando
em ritmos de beleza
gestos de ave endoidecida...
Preces, blasfémias,
cálidas estesias
passam delirando!...
Mordendo-lhe o seio
túrgido e perfurante,
delira a flama sangrenta
dos rubis...
E a cinta verga, flexuosa,
na luxuria dominante
dos quadris...
Um jeito mais quebrado no andar...
Um pouco mais de sombra no olhar
bistrado de lilás...
E ela passa
entornando dor,
a agonizar beleza!...
Um sonho de volúpia
que logo se desfaz,
em ruivas gargalhadas
dispersas... desgrenhadas!...
Magoam-se os meus sentidos
num cálido rubor...
E nos seus braços endoidecem
as anilhs d'oiro refulgindo
num feérico clamor!...
E ela passa...
Fulva, esguia, incoerente...
Flor de vicio
esvoaçando graça
na noite tempestuosa
do meu olhar!...
Como uma brasa ardente,
einfernal e dolorosa,
... a bailar...
a bailar!...
Noite
1925
A minha inteligência absolveu já
a minha culpa, numa lucidez
que me faz medo: Sim, sim, e oxalá
que ela acabe na dor que se desfez!
E uma análise fria é que me dá
a certeza da minha pequenez
ante a enormidade onde vergará
a linha nobre e vã desta altivez.
Sim, eu sei que se tu hoje pensares
volver-me esse amor rubro e sem beleza,
serei vulgar e igual às mais vulgares...
E quanto mais me quero condenar
mais luz se faz, e sinto esta tristeza:
- ser um mísero barro de quebrar!
Janeiro
1925
No meu peito alvo, de neve,
as claras pétalas dos teus dedos,
finas e alongadas,
tombaram como rosas desfolhadas
à luz espásmica e fria
deste entardecer...
E o meu corpo sofre,
ébrio de luxúria, um mórbido prazer!
A cor viva dos teus beijos,
meu amor,
prolonga ainda mais o meu tormento,
na trágica dor
deste desvestir loiro e desolado
do Outono...
Repara agora, como o sol morre
num agónico sorrir
doloroso e lento!...
……………………………………………..
Noite... um abismo...
sombras de medo!
Tumultuam mais alto os teus desejos!
Sobe o clamor do meu delírio
e a brasa viva dos teus beijos,
num rúbido segredo,
vai-me abrindo a carne em sulcos de martírio!
Entardecer – Janeiro
1925
Era já tarde e tu continuavas
entre os meus braços trémulos, cansados...
E eu, sonolenta, já de olhos fechados,
bebia ainda os beijos que me davas!
Passaram horas!… Nossas bocas flavas,
Muito unidas, em haustos repousados,
Queimavam os meus sonhos macerados,
Como rescaldos de candentes lavas.
Veio a manhã e o sol, feroz, risonho,
entrou na minha alcova adormecida,
quebrando o lírio roxo do meu sonho...
Mas deslumbrou-se... e em rúbidos adejos
Ajoelhou-se... e numa luz vencida,
Sorveu…sorveu o mel dos nossos beijos!
Abril - Madrugada
1925
Devagar...
outro beijo... ou ainda...
O teu olhar, misterioso e lento,
veio desgrenhar
a cálida tempestade
que me desvaira o pensamento!
Mais beijos!...
Deixa que eu, endoidecida,
incendeie a tua boca
e domine a tua vida!
Sim, amor..
deixa que se alongue mais
este momento breve!...
— que o meu desejo subindo
solte a rubra asa
e nos leve!
Maio
1925
Pétalas de rosas
tombam lentamente, silenciosas...
E de vagar
vem entrando
a farândola rítmica
e silente
dos góticos bailados do luar!...
Sobre as dobras macias
e assediantes
da seda do meu leito desmanchado,
esguias sombras
adelgaçando afagos,
poisam no meu peito desvestido...
E a boca hipnótica e algente
do meu luarento amante,
vai esculpindo o meu corpo
pálido e vencido!...
No espaço azul e vago,
esvoaça subtiltmente
a cálida lembrança
da tua voz!
Busco a verdade viva do teu beijo
e encontro apenas
esta estranha heresia,
crispando o alvo recorte
do meu corpo magoado!...
Estilhaçam-se, vibrando
numa ânsia doentia,
os meus nervos nostálgicos,
irreverentes
empalidecendo
em dolências inocentes
o rubor do meu desejo
insaciado...
As rosas vão tombando lentamente,
devagar,
sobre a carícia dormente
e embruxada…
dos espásmicos beijos do luar…
Oiço a tua voz
em toda a parte!
E perco-me dentro dos meus próprios braços,
tumultuosos e exigentes,
a procurar-te!
Agosto - Noite. Luar
1925
Vens todas as madrugadas
prender-te nos meus sonhos,
—estátua de Bizâncio
esculpida em neve!
e poisas a tua mâo
mavia e leve
nas minhas pálpebras magoadas...
Vens toda nua, recortada em
graça
rebrilhante, iluminada!
Vejo-te cegar
como uma alvorada
de sol!...
E o meu corpo freme,
e a minha alma canta,
como um enamorado rouxinol!
Sobre a nudez moça do teu
corpo,
dois cisnes erectos
quedam-se cismando em brancas estesias
e na seda roxa
do meu leito,
em rúbidos clarões,
nascem, maceradas,
as orquídeas vermelhas
das minhas sensações!...
És linda assim; toda nua,
no minuto doce
em que me trazes
a clara oferta do teu corpo
e reclamas firmemente
a minha posse!...
Quero prender-me á mentira
loira
do teu grácil recorte...
E os teus beijos perfumados,
nenúfares desfolhados
pela rajada dominante e forte
das minhas crispações,
tombam sobre eu meus nervos
partidos... estilhaçados!
……………………………...........……
Acordo. E os teus braços,
muito ao longe,
desfiam ainda
a cabeleira fulva
do sol
por sobre os oiros adormecidos
da minha alcova…
Visão bendita! Repetida e nova!
Loira Salomé
de ritmos esculturais!
Vens mais nua
esta madrugada!
Vem esconder-te na sombra dos meus olhos
e não queiras deixar-me…
ai nunca. nunca mais!
Agosto Madrugada
1925
Rosas pálidas
Ó anémicas! ó pálidas!
Ausentou-se o sangue
Das vossas veias delicadas...
Ó sombras vagas
Duma vida exangue!
Ó virgens aladas!...
Nunca pode encantar-me essa candura
da vossa serena
brancura.
E jamais eu tive
um amplexo de amor
em que no meu peito
se esmagasse
a vossa carne de chorosa Madalena
sem gritos e sem cor...
Ó flébeis, doentias!
- o meu olhar procura a ardência
forte e colorida
das vossas irmãs
rubras e sadias!...
A vida é beijada pelo sol
e ungida pela dor!
Deixai que o sol fecunde o vosso seio...
E que o vento vos beije
em convulsões brutais,
em convulsões pagãs!
A luxúria, ó pálidas irmãs,
é a maior força da vida!
Sensualisai pois! A vossa carne
Arrefecida...
Ó brancas, imaculadas!
Ó virgens inúteis
e decepadas...
Agosto. Sol. Meio Dia.
1925
Tu estás doente meu amor, porquê?
Falta-te o sol, a luz, o meu sabor?
Ou queres tu, que ainda eu te dê,
nos meus braços, mais ânsia, mais calor?
Se és tu o sol, a graça, essa mercê
divina que Deus trouxe à minha dor,
exige tudo, a minha vida e crê
que ta darei com alegria, amor!
Se perdes a alegria, minha vida,
perco-me eu a procurar a causa:
minha alegria é também perdida!
Beijemo-nos, meu bem, ardentemente…
que venha a morte numa doce pausa
e que nos leve se não és contente!
Manhã de Outono nublada e fria
1925
O Sol morre lá fora
num deslumbramento,
feérico e bizarro…
e o meu olhar vai seguindo
as espirais caprichosas,
e ondulantes,
do fumo do meu cigarro.
Aconchego mais
a seda esmaecida
que me envolve e não me aquece...
E penso em ti,
e na minha vida
tão partida
e tão diversa!...
Enquanto a fita, cinzenta e leve,
volteia,
se enlaça
e se dispersa!...
E o meu pensamento
vagueia
numa angústia que eu não venço,
oscilando-me
sobre um abismo de incertezas!. .
A noite desce,
desdobrando o seu véu pesado e denso...
E à minha boca cruel
e desdenhosa,
sobe, numa ironia estilizada,
o sabor amargo
e doloroso
duma longínqua posse realizada...
…………………………………………
Que tédio, Senhor, enrola a minha lembrança!
— Nada vem sobressaltar
os meus nervos quietos
e vencidos!
E o meu pensamento
vai seguindo,
obstinadamente,
a vida singular dos meus sentidos!
………………………………………….
Rondas de treva volteiam em redor.
Farta—me aquele ardor
moço e alucinado
que a minha lembrança acordou agora,
nesta sombra esguia
do passado...
Afoga-me a estranha insânia
dum louco desígnio - raro e torturante,..
E fico-me a cismar
na volúpia enfastiada
e nos tédios ruivos
desta hora desolada
e impenitente,
e ante o meu olhar
ensombrado e consciente,
ergueu-se, rácica e impiedosa,
a nostálgica, amorosa
Duquesa de Brabante!...
— essa orquídea altiva e rara
que, numa rebeldia
fidalga e sem remédio,
arrefecia
em horas de extermínio
as horas criminosas do seu tédio!
Outono – Hora cinzenta,
1925
Vence-me sempre a mesma dor latente.
Na curva dos meus cílios ensombrados,
bailam, num ritmo fúlgido e incoerente,
agónicos desejos desgrenhados!
Se procuro prender-me firmemente
ao mistério duns braços alongados,
que acordam meus sentidos febrilmente
tristes, meus olhos fecham-se, enoitados...
O tédio sobe... e eu vergo, saciada,
daquela ânsia que busco e que não quero,
e afasto a tua posse desejada...
Quebro lucidamente o coração.
E rubra, a minha boca, em desespero,
morde os cetins da raiva e da paixão!
Outono
1925
Sinfonia hibernal
Adoro o inverno.
Envolvo-me assim mais no teu carinho,
friorenta e louca...
Nascem-me na alma os beijos
que se vão aninhar na tua boca!...
Gosto da neve
a diluir-se ao sol
em risos de cristal!
Vem-me turbar a ânsia do teu rogo...
E a neve fulgente
dos meus dentes trémulos,
vai fundir-se na taça ardente,
rubra e original,
na qual eu bebo os teus beijos em fogo!
Tu adormentas a minha dor
na doce sombra dos teus cabelos,
e eu envolvo-me toda nos teus braços
para dormir e sonhar!...
- lá fora que não deixe de chover,
e o vento que não deixe de clamar!
Deixá-lo gritar!
Que importa o seu clamor,
se me abrasa o teu olhar
vivíssimo?!...
Atei, meu amor, o fogo em que me exalto...
- Enrola-me mais...
ainda mais... no teu afago;
que esta alegria do nosso amor
suavíssimo,
será mais forte e gritará mais alto!
Inverno - Sol Posto
1925
Meu amor, como eu sofro este tormento
da tua ausência!... Ando magoada
como a folha arrancada pelo vento
ao carinhoso anseio da ramada...
Procuro desviar o pensamento...
mas oiço ao longe a tua voz molhada
em lágrimas, vibrando o sofrimento
da nossa vida assim, tão separada!
Os meus beijos escutam os teus beijos
exigentes — perdidos de saudade...
crispando amargamente os meus desejos!
E dia a dia essa canção de dor,
ritornelo sombrio de ansiedade,
exalta ainda mais o meu amor!
Dezembro
1925
Já não me importo com o teu amor.
Podes levá-lo a quem melhor te queira.
Que eu sinto apenas a magoada dor,
de te ter dado a mocidade inteira!...
Como eu fui tua! Hoje é sem sabor
a vida... Tudo passa à minha beira
sem que eu fixe ou distinga a sua cor...
- Nada ilumina esta letal cegueira!
E não estranhes que em todos os meus versos
eu cante sempre os meus amor’s perversos...
- Amor’s que eu nunca tive e não terei:
— Sou eu a endoidecer nesse exotismo
esta dor em que tanta vez me abismo
a relembrar a vida que te dei!...
Dezembro
1925
Há-de chegar o dia
em que a minha tristeza há-de acabar...
Tudo finda,.. renasce e recomeça...
E esta tristeza há-de ter fim!
E então minha alegria
há—de voltar!...
Só tenho medo
que, quando ela regressar
eu esteja tão cansada de viver,
que não chegue a festejar
esta ânsia enorme de vencer!,..
Sim, porque da tristeza sempre fica
um jeito desolado...
Mas não! Eu hei-de ser alegre,
e endoidecer cá dentro
toda a amargura do passado!
Mas não tardes
a realidade
do meu sonho!...
Porque há quem morra de saudade
e dor!
E eu não sei se terei vida
que chegue
se a tua demora
for mais longa, meu amor!
Dezembro
1925
Que ninguém fale... nem ao meu ouvido
chega a mais leve sombra de rumor...
- Que noites longas! ... e eu sem ter dormido,
ouvindo ao longe soluçar a Dor!...
Dorme, meu pobre cérebro dorido...
perde-te da razão desse clamor!...
Não tens noite nem dia, revolvido
num trágico tropel devastador!
Mas que não sonhe!... Tenho tanto medo
que a sombra negra venha alucinar-me,
e a minha alma desvende o seu degredo!...
Façam trevas à volta do meu leito...
Que os fantasmas não possam encontrar-me
e não venham dançar sobre o meu peito!
Dezembro — Meia Noite
1925
Dizes agora que eu quis acabar;
que sou culpada dos teus tristes dias;
que não te amei ou não te soube amar;
porém é falsa a teima em que porfias.
Deixavas-me sozinha, a delirar
ciúmes, em loucuras e bravias
crispações; começava a agonizar
o meu amor, e tu... nada fazias!
Não qu’rias acabar mas insististe
nesta separação tão longa e triste
e escrevias-me cartas tão banais!...
Porque quiseste ser o meu ausente?
…se o meu amor já era tão doente
e eu não podia acreditar-te mais!
Inverno
1925
Pálido, extático,
olhavas para mim.
E as tuas mãos raras,
de linhas estilizadas,
poisavam abandonadas
sobre os tons liriais do meu coxim…
Os meus olhos de sonho
ficaram presos tristemente
às tuas mãos!...
- Mãos de doente,
mãos de asceta…
E eu que amo e quero a rubra cor dos sãos,
tombei-me a contemplá-las
numa atitude cismadora e quieta…
Depois aqueles beijos que lhe dei,
unindo-as, ansiosa, à minha boca
torturada e aflita,
tiveram a amargura
suavemente doce
duma dor bendita!
Mãos de renúncia! Mãos de amargor!
… E as tuas lindas mãos, nostálgicas e frias,
tristes cadáveres
de ilusão e dor,
não puderam entender
a febre exaltada
e torturante
que abrasava
as minhas mãos
delicadas,
- as minhas mãos de mulher!
Janeiro – Madrugada
1926
Adeus
Sim, vou partir.
E não levo saudade
De ninguém
Nem em ti penso agora!
Julgavas que a tristeza desta hora
Fosse maior que a firme vontade
Que eu pus em destruir
O luminoso fio de ternura
Que me prendia ao teu olhar?
Julgaste mal:
Eu sei amar,
Mas meu amor
O que eu não sei
É ser banal!
Mas por que vim eu escrever-te ainda?
Nem eu sei!
Talvez somente
O hábito cortês da despedida
- e o hábito faz lei!
Choro?! Oh, sim , perdidamente!
Mas sabes tu, por que este pranto
Assim amargo e soluçado vem?
É que na hora da partida
Eu nunca pude sem chorar
Dizer adeus a ninguém!
Janeiro
1926
Abram-se as portas do inferno
para o meu amor!
Rasgue-se a terra num rugido eterno
para solver a minha dor!...
Trágica cavalgada
do meu pensamento!
Tu andas batalhando o meu tormento
Num rumor de maldição!
Oh rajada infernal!
leva-me o coração,
onde vibra a agonia do meu mal...
E se amarrada à minha cruz de fogo,
nesta ânsia rubra, eu não vencer a Dor,
dispersa seja a queixa do meu rogo!
- E que o vento e as ondas,
a fiquem gritando
num eterno clamor!...
Janeiro
1926
Segue-me noite e dia o teu desejo!...
Oiço a tua voz rúbida e cantante
Suplicar-me a carícia do meu beijo,
numa teima exigente e perturbante!
E o meu corpo vencido, dominado,
vai tombar doloroso, inconsciente,
sobre a lembrança morna do passado
- e fica-se a sonhar... perdidamente!
1926
Ri, ri, meu doido Arlequim!
Não andes assim
lívido a desmaiar,
nesse teu ar
tão quebrado e indeciso...
Escuta, eu quero a tua boca a arder
para os meus beijos
se queimarem no teu riso!
Dá-me as tuas mãos esguias!...
Devem ser pálidas!
Eu adivinho-as sob as luvas brancas,
brancas, e frias..,
Ri, ri, meu doido Arlequim!
Façamos desta hora um turbilhão...
E que a alegria seja tanta, tanta!
que me afogue o coração.
E não queiras saber de onde vim!...
Não queiras entrar
neste bárbaro império
onde um punhal de raras pedrarias
esculpiu a fogo
as sombras de mistério
de onde saem, estridulando,
as minhas bizarrias!
Ri, ri, meu doido Arlequim!
Continuemos a ilusão...
Deixa-me envolver-te
nas minhas mãos nuas e abrasadas...
Quero esquecer-me de outros beijos,
nos teus beijos,
e endoidecer nas tuas gargalhadas!
Carnaval – Madrugada
1926
Hás-de beber as lágrimas sombrias
que nesta hora eu bebo soluçando!,
e o veneno das minhas ironias
há-de rasgar-te os tímpanos cantando!
Hás-de esgotar a taça de agonias
neste sabor a ódio... e, estertorando
hás-de crispar as tuas mãos vazias
de amor, como eu agora estou crispando!
E hás-de encontrar-me em teu surpreso olhar
com o mesmo sorriso singular
que a minha boca em certas horas tem.
E eu hei-de ver o teu olhar incerto
vagueando no intérmino deserto
dos teus braços tombados sem ninguém!
1926
Ruge lá fora a ventania
e as árvores vergando, desfolhadas,
vão gemendo, como almas na agonia,
contorcidas, desvairadas.
À meia-noite,
a voz do sino, pesada e densa,
passa estridulando,
como se uma boca cavernosa, imensa,
nos predissesse negramente, malsinando!...
Há lares em festa –
e fome pelos caminhos
da desgraça.
E a minha amargura
vai subindo
na voragem funesta
de clamor que passa!
Meu Deus!
Por que é que os inocentes, pobrezinhos,
não têm pão?
Por que é que nesta noite em que nasceu Jesus
o Céu, não se sorri, cheio de luz?
Quebram-se soluços na rajada...
Exalo-me em tédio! vibra o meu tormento -
eu trago revestida a alma de saudades
nem eu já sei há quanto tempo!...
Sobre a seda vermelha que me envolve.
a luz vai entornando
vagas tonalidades - violetas...
e lá fora batalham peito a peito,
revolvendo as trevas ululando,
longos fantasmas
de negras silhuetas!
1928
Judith Teixeira, artigo de António Manuel Couto Viana, in Coração Arquivista, Lisboa, Verbo, 197?, pág. 198-208, aqui.