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JUDITH TEIXEIRA

(1880 - 1959)

 

POEMAS:

A Bailarina Vermelha

Adeus

Arlequim

As tuas mãos

Ausência

Bailados do Luar

Confissão

Contrição

Ilusão

Incoerência

Mais Beijos

Minha Vida!

Ninguém

Onde vou?
Perfis Decadentes

O Fumo do meu Cigarro

O meu chinês

O Outro

O Palhaço

O Poemeto das Sombras

Outonais

Podes Ter os Amores que Quiseres…

Quando, Não Sei…

Rajada

Remorso

Rosas pálidas

Saudade

Sem Culpa…

Sinfonia Hibernal

Sonhando

Vaticínio

Volúpia

 

O meu chinês

 

Nos olhos de seda

traçados em viés,

tem um ar tão sensual

o meu Chinês…

 

Vive sobre uma almofada

de cetim bordada,

pintado a cores.

 

Às vezes

numa ânsia inquieta

que eu não mitigo,

e que me domina,

num sonho de poeta

ou de heroína,

fujo levando

o meu Chinês comigo!

 

E lá vamos!

Nem eu sei

para que alcovas orientais,

em que países distantes,

realizar

as horas sensuais,

as horas delirantes

com que eu sonhei…

……………………………………………..

 

Eu e o meu Chinês

temos fugido tanta, tanta vez!

 

Inverno – Noite – Hora Inquieta

1922

 

Onde vou?

 

Onde vou eu, onde vou?

Já nem sei donde parti…

Se eu mesma não sei quem sou!

Achei-me dentro de ti.

 

Eu fui ninguém que passou,

eu não fui, nunca me vi…

Fui asa que palpitou –

Eu só agora existi.

 

Negra dor espavorida

ou saudade dolorida

eu fui talvez no passado…

 

Sou triste por atavismo…

Não há ontem no cuidado

em que em cuidados me abismo.

 

Inverno – Hora Ignorada

1922

 

 

Ninguém


Embriaguei-me num doido desejo
E adoeci de saudade.
Caí no vago ... no indeciso
Não me encontro, não me vejo -
Perscruto a imensidade

E fico a tactear na escuridão
Ninguém. Ninguém
Nem eu, tão pouco!

Encontro apenas
o tumultuar dum coração
aprisionado dentro do meu peito
aos saltos como um louco.

Hora sombria

1923

 

 

Perfis decadentes


Através dos vitrais
ia a luz a espreguiçar-se
em listas faiscantes,
sob as sedas orientais
de cores luxuriantes!

Sons ritmados dolentes,
num sensualismo intenso,
vibram misticismos decadentes
por entre nuvens de incenso.

Longos, esguios, estáticos,
entre as ondas vermelhas do cetim,
dois corpos esculpidos em marfim
soergueram-se nostálgicos,
sonâmbulos e enigmáticos...

Os seus perfis esfingicos,
e cálidos
estremeceram
na ânsia duma beleza pressentida,
dolorosamente pálidos!

Fitaram-se as bocas sensuais!
Os corpos subtilizados,
femininos,
entre mil cintilações
irreais,
enlaçaram-se
nos braços longos e finos!

..............................................


E morderam-se as bocas abrasadas,
em contorções de fúria, ensanguentadas!

..............................................

 

Foi um beijo doloroso,
a estrebuchar agonias,
nevrótico ansioso,
em estranhas epilepsias!
..............................................


Sedas esgarçadas,
dispersão de sons,
arco-iris de rendas
irisando tons...
..............................................

 

E ficou no ar
a vibrar
a estertorar,
encandescido,
um grito dolorido.

Novembro - Hora das Visões

1922

 

 

O palhaço


Anda-se a rir, a rir dentro de mim,
com as lívidas faces desbotadas
um estranho palhaço de cetim,
rasgando em dor meu peito às gargalhadas!

Sobe aos meus olhos sempre a rir assim... -
espreitando as figuras malsinadas
que não vestem nunca de arlequim,
mas que andam pela vida disfarçadas.

Na sombra dos meus cilios, emboscado,
ri, no meu olhar frio e desolado,
escondendo-se atónito e surpreso...

E quando desce à triste moradia,
vem mais louco e soberbo de ironia
na irrisão dum sarcástico desprezo!

 

Março

1923

 

 

 

Sonhando

 

Minha ânsia ardente traz-me alucinada...

Ando a cantar para embalar a dor...

Trago nos braços a Asa desolada

dum prisioneiro raro, dum Condor!

 

Num sonho de beleza, sobe e brada,

a minha alma tão cheia de amargor

ao faiscante sol da madrugada,

na conquista dum rútilo fulgor!

 

Desdobro as asas como ave êxul,..

e no silencio do céu calmo e azul,

mal oiço ao longe a ventania agreste!...

 

E nos meus olhos roxos e profundos

andam a desenhar-se novos mundos!

Rasgando a sombra negra que me veste...

 

Abril

l923

 

 

 

Podes Ter os Amores que Quiseres…

 

Podes dizer que me não amas,

sim, podes dizê-lo,

e o mundo acreditar,

porque só eu saberei

que mentes!

 

Eu estou na tua alma

como a flama

que devora sob a cinza

as brasas dormentes...

 

Não creias no remorso

- o remorso não existe!

O que tu sentes

e o que em ti subsiste,

são o rubor da minha ternura

e a chama do meu amor

que em ti

nunca foram ausentes!...

 

Não julgues, não, que me esqueceste,

porque mentes a ti mesmo

se o disseres…

Podes ter os amores que quiseres,

que o teu amor por mim,

como uma dor latente e compungida,

há-de acompanhar sempre

a tua e a minha vida!

 

Fevereiro – Sol Posto

1924

 

 

 

O Outro

 

Vão para ti, amor de algum dia,

os gritos rubros da minha alma em sangue;

vives cm mim, corres-me nas veias,

andas a vibrar

na minha carne exangue!

 

Mas, quando nos teus olhos poisa o meu olhar

enoitado e triste,

vejo-te diferente…

Aquele que tu eras, e que eu amo ainda,

perdeu-se de ti

…e só em mim existe!

 

Agosto

1924

 

 

A bailarina vermelha


Ela passa,
a papoila rubra,
esvoaçando graça,
a sorrir...
Original tentação
de estranho sabor:
a sua boca - romã luzente,
a refulgir!...

As mãos pálidas, esguias,
dolorosas soluçando,
vão recortando
em ritmos de beleza
gestos de ave endoidecida...
Preces, blasfémias,
cálidas estesias
passam delirando!...

Mordendo-lhe o seio
túrgido e perfurante,
delira a flama sangrenta
dos rubis...
E a cinta verga, flexuosa,
na luxuria dominante
dos quadris...

Um jeito mais quebrado no andar...

Um pouco mais de sombra no olhar
bistrado de lilás...

E ela passa
entornando dor,
a agonizar beleza!...
Um sonho de volúpia
que logo se desfaz,
em ruivas gargalhadas
dispersas... desgrenhadas!...

Magoam-se os meus sentidos
num cálido rubor...

E nos seus braços endoidecem
as anilhs d'oiro refulgindo
num feérico clamor!...

E ela passa...

Fulva, esguia, incoerente...
Flor de vicio
esvoaçando graça
na noite tempestuosa
do meu olhar!...
Como uma brasa ardente,
einfernal e dolorosa,
... a bailar...

a bailar!...
 

Noite

1925

 

 

Contrição

 

A minha inteligência absolveu já

a minha culpa, numa lucidez

que me faz medo: Sim, sim, e oxalá

que ela acabe na dor que se desfez!

 

E uma análise fria é que me dá

a certeza  da minha pequenez

ante a enormidade onde vergará

a linha nobre e vã desta altivez.

 

Sim, eu sei que se tu hoje pensares

volver-me esse amor rubro e sem beleza,

serei vulgar e igual às mais vulgares...

 

E quanto mais me quero condenar

mais luz se faz, e sinto esta tristeza:

   - ser um mísero barro de quebrar!

 

Janeiro

1925

 

Outonais

 

No meu peito alvo, de neve,

as claras pétalas dos teus dedos,

finas e alongadas,

tombaram como rosas desfolhadas

à luz espásmica e fria

deste entardecer...

E o meu corpo sofre,

ébrio de luxúria,  um mórbido prazer!

 

A cor viva dos teus beijos,

meu amor,

prolonga ainda mais o meu tormento,

na trágica dor

deste desvestir loiro e desolado

do Outono...

Repara agora, como o sol morre

num agónico sorrir

doloroso e lento!...

……………………………………………..

 

Noite... um abismo...

sombras de medo!

Tumultuam mais alto os teus desejos!

Sobe o clamor do meu delírio

e a brasa viva dos teus beijos,

num rúbido segredo,

vai-me abrindo a carne em sulcos de martírio!

 

Entardecer – Janeiro

1925

 

 

Volúpia

 

Era já tarde e tu continuavas

entre os meus braços trémulos, cansados...

E eu, sonolenta, já de olhos fechados,

bebia ainda os beijos que me davas!

 

Passaram horas!… Nossas bocas flavas,

Muito unidas, em haustos repousados,

Queimavam os  meus sonhos macerados,

Como rescaldos de candentes lavas.

 

Veio a manhã e o sol, feroz, risonho,

entrou na minha alcova adormecida,

quebrando o lírio roxo do meu sonho...

 

Mas deslumbrou-se... e em rúbidos adejos

Ajoelhou-se... e numa luz vencida,

Sorveu…sorveu o mel dos nossos beijos!

 

Abril - Madrugada

1925

 

 

Mais Beijos

 

 

Devagar...

outro beijo... ou ainda...

O teu olhar, misterioso e lento,

veio desgrenhar

a cálida tempestade

que me desvaira o pensamento!

 

Mais beijos!...

Deixa que eu, endoidecida,

incendeie a tua boca

e domine a tua vida!

 

Sim, amor..

deixa que se alongue mais

este momento breve!...

— que o meu desejo subindo

solte a rubra asa

e nos leve!

 

Maio

1925

 

 

Bailados do Luar

 

 

Pétalas de rosas

tombam lentamente, silenciosas...

E de vagar

vem entrando

a farândola rítmica

e silente

dos góticos bailados do luar!...

  

Sobre as dobras macias

e assediantes

da seda do meu leito desmanchado,

esguias sombras

adelgaçando afagos,

poisam no meu peito desvestido...

E a boca hipnótica e algente

do meu luarento amante,

vai esculpindo o meu corpo

pálido e vencido!...

 

No espaço azul e vago,

esvoaça subtiltmente

a cálida lembrança

da tua voz!

 

Busco a verdade viva do teu beijo

e encontro apenas

esta estranha heresia,

crispando o alvo recorte

do meu corpo magoado!...

 

Estilhaçam-se, vibrando

numa ânsia doentia,

os meus nervos nostálgicos,

irreverentes

empalidecendo

em dolências inocentes

o rubor do meu desejo

insaciado...

 

As rosas vão tombando lentamente,

devagar,

sobre a carícia dormente

e embruxada…

dos espásmicos beijos do luar…

Oiço a tua voz

em toda a parte!

 

E perco-me dentro dos meus próprios braços,

tumultuosos e exigentes,

 

                                        a procurar-te!

 

Agosto - Noite. Luar

1925

 

 

 

Ilusão

Vens todas as madrugadas
prender-te nos meus sonhos,
—estátua de Bizâncio
esculpida em neve!
e poisas a tua mâo
mavia e leve
nas minhas pálpebras magoadas...

Vens toda nua, recortada em graça
rebrilhante, iluminada!
Vejo-te cegar
como uma alvorada
de sol!...
E o meu corpo freme,
e a minha alma canta,
como um enamorado rouxinol!

Sobre a nudez moça do teu corpo,
dois cisnes erectos
quedam-se cismando em brancas estesias
e na seda roxa
do meu leito,
em rúbidos clarões,
nascem, maceradas,
as orquídeas vermelhas
das minhas sensações!...

És linda assim; toda nua,
no minuto doce
em que me trazes
a clara oferta do teu corpo
e reclamas firmemente
a minha posse!...

Quero prender-me á mentira loira
do teu grácil recorte...
E os teus beijos perfumados,
nenúfares desfolhados
pela rajada dominante e forte
das minhas crispações,
tombam sobre eu meus nervos
partidos... estilhaçados!

……………………………...........……

Acordo. E os teus braços,

muito ao longe,

desfiam ainda

a cabeleira fulva

do sol

por sobre os oiros adormecidos

da minha alcova…

 

Visão bendita! Repetida e nova!

 

Loira Salomé

de ritmos esculturais!

Vens mais nua

esta madrugada!

Vem esconder-te na sombra dos meus olhos

e não queiras deixar-me…

                                           ai nunca. nunca mais!

 

                    Agosto Madrugada

                    1925

 

 

 

Rosas pálidas


Ó anémicas! ó pálidas!
Ausentou-se o sangue
Das vossas veias delicadas...
Ó sombras vagas
Duma vida exangue!
Ó virgens aladas!...


Nunca pode encantar-me essa candura
da vossa serena
brancura.
E jamais eu tive
um amplexo de amor
em que no meu peito
se esmagasse
a vossa carne de chorosa Madalena
sem gritos e sem cor...


Ó flébeis, doentias!
- o meu olhar procura a ardência
forte e colorida
das vossas irmãs
rubras e sadias!...
A vida é beijada pelo sol
e ungida pela dor!


Deixai que o sol fecunde o vosso seio...
E que o vento vos beije
em convulsões brutais,
em convulsões pagãs!
A luxúria, ó pálidas irmãs,
é a maior força da vida!
Sensualisai pois! A vossa carne
Arrefecida...
Ó brancas, imaculadas!
Ó virgens inúteis
e decepadas...
 

Agosto. Sol. Meio Dia.

1925

 

 

            Minha Vida!

 

Tu estás doente meu amor, porquê?

Falta-te o sol, a luz, o meu sabor?

Ou queres tu, que ainda eu te dê,

nos meus braços, mais ânsia, mais calor?

 

Se és tu o sol, a graça, essa mercê

divina que Deus trouxe à minha dor,

exige tudo, a minha vida e crê

que ta darei com alegria, amor!

 

Se perdes a alegria, minha vida,

perco-me eu a procurar a causa:

minha alegria é também perdida!

 

Beijemo-nos, meu bem, ardentemente…

que venha a morte numa doce pausa

e que nos leve se não és contente!

 

Manhã de Outono nublada e fria

1925

 

 

O Fumo do Meu Cigarro

 

 

O Sol morre lá fora

num deslumbramento,

feérico e bizarro…

e o meu olhar vai seguindo

as espirais caprichosas,

e ondulantes,

do fumo do meu cigarro.

 

Aconchego mais

a seda esmaecida

que me envolve e não me aquece...

E penso em ti,

e na minha vida

tão  partida

e tão diversa!...

Enquanto a fita, cinzenta e leve,

volteia,

se enlaça

e se dispersa!...

 

E o meu pensamento

vagueia

numa angústia que eu não venço,

oscilando-me

sobre um abismo de incertezas!. .

A noite desce,

desdobrando o seu véu pesado e denso...

E à minha boca cruel

e desdenhosa,

sobe, numa ironia estilizada,

o sabor amargo

e doloroso

duma longínqua posse realizada...

…………………………………………

 

Que tédio, Senhor, enrola a minha lembrança!

— Nada vem sobressaltar

os meus nervos quietos

e vencidos!

E o meu pensamento

vai seguindo,

obstinadamente,

a vida singular dos meus sentidos!

………………………………………….

 

Rondas de treva volteiam em redor.

Farta—me aquele ardor

moço e alucinado

que a minha lembrança acordou agora,

nesta sombra esguia

do passado...

 

Afoga-me a estranha insânia

dum louco desígnio - raro e torturante,..

E fico-me a cismar

na volúpia enfastiada

e nos tédios ruivos

desta hora desolada

e impenitente,

e ante o meu olhar

ensombrado e consciente,

ergueu-se, rácica e impiedosa,

a nostálgica, amorosa

Duquesa de Brabante!...

— essa orquídea altiva e rara

que, numa rebeldia

fidalga e sem remédio,

arrefecia

em horas de extermínio

as horas criminosas do seu tédio!

 

Outono – Hora cinzenta,

1925

 

 

          Incoerência

 

Vence-me sempre a mesma dor latente.

Na curva dos meus cílios ensombrados,

bailam, num ritmo fúlgido e incoerente,

agónicos desejos desgrenhados!

 

Se procuro prender-me firmemente

ao mistério duns braços alongados,

que acordam meus sentidos febrilmente

tristes, meus olhos fecham-se, enoitados...

 

O tédio sobe... e eu vergo, saciada,

daquela ânsia que busco e que não quero,

e afasto a tua posse desejada...

 

Quebro lucidamente o coração.

E rubra, a minha boca, em desespero,

morde os cetins da raiva e da paixão!

 

Outono

1925

 

 

Sinfonia hibernal


Adoro o inverno.
Envolvo-me assim mais no teu carinho,
friorenta e louca...
Nascem-me na alma os beijos
que se vão aninhar na tua boca!...
Gosto da neve
a diluir-se ao sol
em risos de cristal!
Vem-me turbar a ânsia do teu rogo...
E a neve fulgente
dos meus dentes trémulos,
vai fundir-se na taça ardente,
rubra e original,
na qual eu bebo os teus beijos em fogo!
Tu adormentas a minha dor
na doce sombra dos teus cabelos,
e eu envolvo-me toda nos teus braços
para dormir e sonhar!...
- lá fora que não deixe de chover,
e o vento que não deixe de clamar!
Deixá-lo gritar!
Que importa o seu clamor,
se me abrasa o teu olhar
vivíssimo?!...
Atei, meu amor, o fogo em que me exalto...
- Enrola-me mais...
ainda mais... no teu afago;
que esta alegria do nosso amor
suavíssimo,
será mais forte e gritará mais alto!

Inverno - Sol Posto

1925


 

 

Ausência

 

 

Meu amor, como eu sofro este tormento

da tua ausência!... Ando magoada

como a folha arrancada pelo vento

ao carinhoso anseio da ramada...

 

Procuro desviar o pensamento...

mas oiço ao longe a tua voz molhada

em lágrimas, vibrando o sofrimento

da nossa vida assim, tão separada!

 

Os meus beijos escutam os teus beijos

exigentes — perdidos de saudade...

crispando amargamente os meus desejos!

 

E dia a dia essa canção de dor,

ritornelo sombrio de ansiedade,

exalta ainda mais o meu amor!

 

  

Dezembro

1925

 

 

 

Confissão

 

Já não me importo com o teu amor.

Podes levá-lo a quem melhor te queira.

Que eu sinto apenas a magoada dor,

de te ter dado a mocidade inteira!...

 

Como eu fui tua! Hoje é sem sabor

a vida... Tudo passa à minha beira

sem que eu fixe ou distinga a sua cor...

- Nada ilumina esta letal cegueira!

 

E não estranhes que em todos os meus versos

eu cante sempre os meus amor’s perversos...

- Amor’s que eu nunca tive e não terei:

 

— Sou eu a endoidecer nesse exotismo

esta dor em que tanta vez me abismo

a relembrar a vida que te dei!...

 

Dezembro

1925

 

 

Quando, Não Sei…

 

Há-de chegar o dia

em que a minha tristeza há-de acabar...

Tudo finda,.. renasce e recomeça...

E esta tristeza há-de ter fim!

E então minha alegria

há—de voltar!...

 

Só tenho medo

que, quando ela regressar

eu esteja tão cansada de viver,

que não chegue a festejar

esta ânsia enorme de vencer!,..

 

Sim, porque da tristeza sempre fica

um jeito desolado...

Mas não! Eu hei-de ser alegre,

e endoidecer cá dentro

toda a amargura do passado!

 

Mas não tardes

a realidade

do meu sonho!...

Porque há quem morra de saudade

e dor!

E eu não sei se terei vida

que chegue

se a tua demora

for mais longa, meu amor!

 

Dezembro

1925

 

 

Remorso

 

Que ninguém fale... nem ao meu ouvido

chega a mais leve sombra de rumor...

- Que noites longas! ... e eu sem ter dormido,

ouvindo ao longe soluçar a Dor!...

 

Dorme, meu pobre cérebro dorido...

perde-te da razão desse clamor!...

Não tens noite nem dia, revolvido

num trágico tropel devastador!

 

Mas que não sonhe!... Tenho tanto medo

que a sombra negra venha alucinar-me,

e a minha alma desvende o seu degredo!...

 

Façam trevas à volta do meu leito...

Que os fantasmas não possam encontrar-me

e não venham dançar sobre o meu peito!

 

Dezembro Meia Noite

1925

 

 

 

Sem Culpa…

 

Dizes agora que eu quis acabar;

que sou culpada dos teus tristes dias;

que não te amei ou não te soube amar;

porém é falsa a teima em que porfias.

 

Deixavas-me sozinha, a delirar

ciúmes, em loucuras e bravias

crispações; começava a agonizar

o meu amor, e tu... nada fazias!

 

Não qu’rias acabar mas insististe

nesta separação tão longa e triste

e escrevias-me cartas tão banais!...

 

Porque quiseste ser o meu ausente? 

…se o meu amor já era tão doente

e eu não podia acreditar-te mais!

 

Inverno

1925

 

 

As tuas mãos

 

Pálido, extático,

olhavas para mim.

E as tuas mãos raras,

de linhas estilizadas,

poisavam abandonadas

sobre os tons liriais do meu coxim…

 

Os meus olhos de sonho

ficaram presos tristemente

às tuas mãos!...

- Mãos de doente,

mãos de asceta…

E eu que amo e quero a rubra cor dos sãos,

tombei-me a contemplá-las

numa atitude cismadora e quieta…

 

Depois aqueles beijos que lhe dei,

unindo-as, ansiosa, à minha boca

torturada e aflita,

tiveram a amargura

suavemente doce

duma dor bendita!

 

Mãos de renúncia! Mãos de amargor!

… E as tuas lindas mãos, nostálgicas e frias,

tristes cadáveres

de ilusão e dor,

não puderam entender

a febre exaltada

e torturante

que abrasava

as minhas mãos

delicadas,

- as minhas mãos de mulher!

 

Janeiro – Madrugada

1926

 

 

 

Adeus


Sim, vou partir.
E não levo saudade
De ninguém
Nem em ti penso agora!
Julgavas que a tristeza desta hora
Fosse maior que a firme vontade
Que eu pus em destruir
O luminoso fio de ternura
Que me prendia ao teu olhar?
Julgaste mal:
Eu sei amar,
Mas meu amor
O que eu não sei
É ser banal!

Mas por que vim eu escrever-te ainda?
Nem eu sei!
Talvez somente
O hábito cortês da despedida
- e o hábito faz lei!

Choro?! Oh, sim , perdidamente!
Mas sabes tu, por que este pranto
Assim amargo e soluçado vem?
É que na hora da partida
Eu nunca pude sem chorar
Dizer adeus a ninguém!

Janeiro

1926

 

Rajada

 

Abram-se as portas do inferno

para o meu amor!

Rasgue-se a terra num rugido eterno

para solver a minha dor!...

 

Trágica cavalgada

do meu pensamento!

Tu andas batalhando o meu tormento

Num rumor de maldição!

 

Oh rajada infernal!

leva-me o coração,

onde vibra a agonia do meu mal...

 

E se amarrada à minha cruz de fogo,

nesta ânsia rubra, eu não vencer a Dor,

dispersa seja a queixa do meu rogo!

- E que o vento e as ondas,

a fiquem gritando

num eterno clamor!...

 

Janeiro

1926

 

 

Saudade

 

Segue-me noite e dia o teu desejo!...

Oiço a tua voz rúbida e cantante

Suplicar-me a carícia do meu beijo,

numa teima exigente e perturbante!

 

E o meu corpo vencido, dominado,

vai tombar doloroso, inconsciente,

sobre a lembrança morna do passado

- e fica-se a sonhar... perdidamente!

 

Janeiro

1926

 

 

Arlequim

 

Ri, ri, meu doido Arlequim!

Não andes assim

lívido a desmaiar,

nesse teu ar

tão quebrado e indeciso...

Escuta, eu quero a tua boca a arder

para os meus beijos

se queimarem no teu riso!

 

Dá-me as tuas mãos esguias!...

Devem ser pálidas!

Eu adivinho-as sob as luvas brancas,

brancas, e frias..,

 

Ri, ri, meu doido Arlequim!

Façamos desta hora um turbilhão...

E que a alegria seja tanta, tanta!

que me afogue o coração.

 

E não queiras saber de onde vim!...

Não queiras entrar

neste bárbaro império

onde um punhal de raras pedrarias

esculpiu a fogo

as sombras de mistério

de onde saem, estridulando,

as minhas bizarrias!

 

Ri, ri, meu doido Arlequim!

Continuemos a ilusão...

Deixa-me envolver-te

nas minhas mãos nuas e abrasadas...

Quero esquecer-me de outros beijos,

nos teus beijos,

e endoidecer nas tuas gargalhadas!

 

Carnaval – Madrugada

1926

 

 

 

Vaticínio

 

Hás-de beber as lágrimas sombrias

que nesta hora eu bebo soluçando!,

e o veneno das minhas ironias

há-de rasgar-te os tímpanos cantando!

 

Hás-de esgotar a taça de agonias

neste sabor a ódio... e, estertorando

hás-de crispar as tuas mãos vazias

de amor, como eu agora estou crispando!

 

E hás-de encontrar-me em teu surpreso olhar

com o mesmo sorriso singular

que a minha boca em certas horas tem.

 

E eu hei-de ver o teu olhar incerto

vagueando no intérmino deserto

dos teus braços tombados sem ninguém!

 

Outono

1926

 

 

O poemeto das sombras


Ruge lá fora a ventania
e as árvores vergando, desfolhadas,
vão gemendo, como almas na agonia,
contorcidas, desvairadas.


À meia-noite,
a voz do sino, pesada e densa,
passa estridulando,
como se uma boca cavernosa, imensa,
nos predissesse negramente, malsinando!...


Há lares em festa –
e fome pelos caminhos
da desgraça.
E a minha amargura
vai subindo
na voragem funesta
de clamor que passa!


Meu Deus!
Por que é que os inocentes, pobrezinhos,
não têm pão?
Por que é que nesta noite em que nasceu Jesus
o Céu, não se sorri, cheio de luz?


Quebram-se soluços na rajada...
Exalo-me em tédio! vibra o meu tormento -
eu trago revestida a alma de saudades
nem eu já sei há quanto tempo!...


Sobre a seda vermelha que me envolve.
a luz vai entornando
vagas tonalidades - violetas...
e lá fora batalham peito a peito,
revolvendo as trevas ululando,
longos fantasmas
de negras silhuetas!

1928
 

 

Judith Teixeira, artigo de António Manuel Couto Viana, in Coração Arquivista, Lisboa, Verbo, 197?, pág. 198-208, aqui.