30-11-2014
O serviço dos Arquivos da Torre do Tombo
Lisboa, 19 de Setembro de 2014
Ex.mo Sr.
Director-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas
Edifício da Torre do
Tombo, Alameda da Universidade
1649-010 LISBOA
Ex.mo Senhor Director-Geral,
Peço desculpa por vir tomar um pouco do seu tempo para dar a minha opinião sobre o serviço prestado pelo Arquivo da Torre do Tombo.
Estando aposentado da função pública, decidi dedicar-me um pouco ao estudo da Inquisição. A vida foi-me muito facilitada pelo facto de estarem agora online todos os processos da Inquisição de Lisboa: é só abrir a Internet. Infelizmente, à facilidade de consulta dos processos de Lisboa, opõe-se a impossibilidade prática de consultar os processos das Inquisições de Coimbra e de Évora. Ora, eu acho que não é apenas dificuldade. O que acho mesmo é que a filosofia do serviço está errada. De facto, recusar a consulta a fim de preservar os documentos para as gerações futuras, não tem qualquer sentido. “É um património!”, dizem. Não é verdade. É material para ser estudado.
Praticamente, já desisti de pedir a consulta dos processos de Coimbra e de Évora. Tenho de estar sentado ali na sala, uma hora à espera e, no final, lá vem o veredicto: estão em mau estado. Agora descobriram um “engodo”, que consiste em dizer nalguns casos que o processo estará consultável ao fim de 24 horas. De facto, é pura ilusão. Esses são processos muito pequenos, de interesse reduzido, os que interessam são mesmo negados. Também me não satisfaz o pedido para consultar esporadicamente um processo que está em “mau estado”. É que eu acho que um processo deve ser estudado do princípio ao fim. Dias e dias, não apenas algumas horas.
Aliás, noto que muita gente cita erradamente os processos, porque os deve ter visto à pressa. Lendo-os eu de fio a pavio, vejo que erraram.
Voltarei a este assunto no final desta carta.
O Arquivo da Inquisição, precisa, na minha opinião, de muito mais atenção do que aquela que tem tido. A base de dados Digitarq, que foi feita a partir da base TTonline, tem muitas inexactidões e também falta de critérios de uniformidade. Por exemplo, pareceria que todas as fichas de processos deveriam ter (como têm algumas):
- a idade do arguido
- a filiação
- a profissão
- o número de fólios do processo
- a indicação de ter sido relaxado
- no caso de ter falecido no decorrer do processo, a data da morte.
Para além disso, algumas referências não têm razão de ser. Por exemplo “o relaxam à justiça secular, a que pedem com muita instância e eficácia que haja com ele benigna e piedosamente e não proceda a pena de morte nem efusão de sangue.” Este aditamento nas fichas dos relaxados não tem razão de ser. Já sabemos que a Inquisição era ridícula, mas não é preciso repeti-lo em todas as fichas.
Seria preferível também não usar nas fichas a palavra “Sentença”. Chamar “Sentença” ou “Acórdão” àquela peça do processo é uma fraude da Inquisição. Não é sentença nenhuma, porque a peça que decidia a sorte do Réu era o Assento da Mesa ou, quando subia ao Conselho, o Assento da Mesa do Conselho Geral. A “sentença” era um texto de propaganda para ler no Auto da Fé. Por isso, deveria referir-se apenas o “Auto da Fé” e a respectiva data.
Também de nada serve indicar a nomeação do curador dos menores (de 25 anos), que a Inquisição vergonhosamente fazia no próprio pessoal, no alcaide e nos guardas.
Também não acho correcta a epígrafe “UNIDADES DE DESCRIÇÃO RELACIONADAS”. Em vez disso, deveria dizer-se qual a relação. Há inúmeros processos relacionados, mas há que assinalar relações especiais, nomeadamente quando o arguido tem outro processo na mesma ou noutra Inquisição. Aí a indicação tal como está fica demasiado vaga.
Por outro lado, é preciso ter cuidado para não pôr nas fichas dados que podem prejudicar a pesquisa. Por exemplo, a indicação de Bispado de ou Diocese de só servem para confundir, porque, ao pesquisar o nome da cidade, vêm atrás os processos respeitantes ao universo do Bispado.
Há também pequenas coisas que até nem custam muito e fazem muita falta. A principal Lista de Autos da Fé de Lisboa (Liv. n.º 435) está online, mas não o estão as de Coimbra (Liv. 433 do CG – MF 7460) nem as de Évora (Liv. 434, do CG – MF 302), apesar da facilidade que há em digitalizar a partir dos microfilmes.
De passagem, direi também que não é admissível a falta de uma máquina que permita tirar cópias a partir dos microfilmes, a preços módicos.
Há uns meses atrás, dei conta que, em Coimbra, na base TTonline, havia muitos processos com duas fichas e que os dados de uma delas não tinham transitado para a base Digitarq e faziam falta. Escrevi ao Serviço pedindo para isso ser remediado e fui surpreendido uns dias depois com o desaparecimento da base TTonline. Nunca pensei que esta base fosse destinada a ser suprimida. É (ou era) muito mais rápida e mais funcional na pesquisa. Eu estava habituado a pesquisar o n.º do processo na TTonline e depois é que procurava o processo digitalizado na Digitarq. Outra vantagem que não é de somenos era ter onde pesquisar quando a Digitarq estava em baixo, o que acontece de frequente, sobretudo nos fins de semana.
O argumento de que estava desactualizada não vale. Afinal a Inquisição acabou em 1821. Bastaria fazer um aviso ao leitor, dizendo que a base tinha deixado de ser actualizada a partir do ano X.
O Arquivo da Inquisição precisa de um trabalho profundo e sério. Na minha opinião é preciso colocar em bases de dados todos os nomes dos autos da fé, onde será acrescentado o n.º do respectivo processo. Deste modo, será possível extrair listas de processos em falta no Arquivo e ao mesmo tempo, completar as listas dos autos de fé a partir dos processos que ali não tinham correspondência (por haver listas desaparecidas ou deficientes). E, acho eu, este não pode ser um trabalho de investigadores, é um trabalho que deve ser feito mesmo pelos próprios Arquivos.
O estudo de algumas centenas de processos de Lisboa permitiu-me formar uma ideia bem documentada do funcionamento da Inquisição. Infelizmente, por vezes, torna-se necessária a consulta de processos de Coimbra ou de Évora. Por exemplo, a certa altura, quis estudar todos os processos de freiras mortas pela Inquisição, que são cinco. De duas irmãs de Évora, relaxadas em 1673, estavam os processos microfilmados e por isso pedi uma cópia digital. Os outros 3 processos da Inquisição de Coimbra estavam em mau estado e (segundo me responderam) não eram digitalizados sem um restauro prévio por firma exterior aos Arquivos. Sujeitei-me a isso quanto ao processo de Leonor da Silva (Pr. n.º 1880-152 f.), relaxada em 4-5-1625 e paguei… 638,63 €! Não o fiz quanto aos outros dois, das irmãs Maria da Encarnação (Pr. n.º 40-261 f.) e Francisca da Encarnação (Pr. n.º 5236-192 f.), relaxadas em 6-5-1629 – seria uma despesa incomportável.
Ora eu acho que deveria ser possível digitalizar os processos (somam 910 imagens) mesmo sem os restaurar e essa despesa estaria disposto a suportá-la, mas isso foi-me negado.
Estudei agora o processo de Lisboa de Diogo Rebelo (n.º 3389), mas não pude consultar o primeiro processo que ele teve em Coimbra (n.º 967-67 f.), por estar em mau estado.
Mas analisemos as razões do serviço: não fazem a cópia digital porque não é possível fazê-la sem restaurar o processo. Ora isso é não é verdade. Os processos de Lisboa foram digitalizados sem serem restaurados. Quando pedi a cópia digital do proc. n.º 1880, de Coimbra, o serviço do restauro não foi para mim, foi para o Aquivo. Então, por que tive eu de o pagar? Aliás os Serviços não permitem aos leitores ver os originais dos processos que estão digitalizados.
Eu acho que a única preparação necessária para digitalizar um processo é numerar os fólios. Para isso, não é preciso recorrer a uma firma do exterior.
Para mim a situação, tal como está, é insustentável. A digitalização dos processos de Lisboa foi um bom começo, mas muitas vezes é preciso também estudar processos de Coimbra e de Évora.
Assim, por esta carta solicito a V. Ex.ª que me seja autorizada a digitalização nos Serviços dos processos n.ºs 40, 967 e 5236, da Inquisição de Coimbra para que os possa estudar devidamente.
Os meus cumprimentos.
Arlindo N M Correia
Rua Prof. Hernâni Cidade, 5, 8-E
1600-630 Lisboa
E-mail: arl.correia@gmail.com
Lisboa. 20 de Outubro de 2014
Ex.mo Senhor
Secretário de Estado da Cultura
Palácio Nacional da Ajuda
Largo da Ajuda
1349-021 Lisboa
Senhor Secretário de Estado,
Excelência:
Porque a exposição junta que há pouco mais de um mês fiz ao Sr. Director-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, não teve resposta, venho dirigir-me a V. Ex.ª, focando particularmente o assunto que mais me interessa.
Desde há uns anos, tenho vindo a estudar processos da Inquisição, aproveitando do facto de estarem digitalizados todos os da Inquisição de Lisboa. De vez em quando, porém, há necessidade de consultar processos da Coimbra e de Évora e aí surgem problemas, pois quase sempre a consulta é recusada por os documentos se encontrarem em mau estado. Pode fazer-se um pedido especial, que às vezes é deferido, mas sempre para uma consulta rápida. Ora, os processos precisam de ser vistos com algum vagar e do princípio ao fim. O ideal será sempre ter uma cópia integral do processo em formato digital. Se o processo já foi microfilmado, obtém-se uma cópia digital sem problemas. Se não está, pede-se a digitalização do processo.
Ora, desde há uns anos, estabeleceu-se uma prática na Torre do Tombo que eu acho não ter razão de ser. Ao pedido de digitalização do processo, responde-se quase sempre assim:
“(…) temos a informar que devido ao estado de conservação e ao nº de imagens a realizar verificamos que este trabalho é considerado um Pedido especial de reprodução, o qual terá que ser realizado através de uma aquisição externa de serviços, que será realizada de acordo com as especificações técnicas em vigor na DGLAB.
Este pedido especial de reprodução significa que o utilizador, antes de obter a cópia digitalizada, tem de pagar o restauro do documento. Utilizam a falácia de que, para digitalizar, é preciso primeiro restaurar. Ora isso não é verdade, porque os processos da Inquisição de Lisboa foram digitalizados sem restauro prévio. A única preparação exigida será a numeração dos fólios do processo a lápis.
Quis uma cópia do processo n.º 1880 de Coimbra, da freira Leonor da Silva, com 182 fólios e 304 imagens. Paguei à firma Beltrão Coelho, L.da 548,89 € pelo restauro e 89,74 € pela cópia digital. Isto é: os Serviços aproveitaram-se de mim como utilizador para me obrigar pagar uma despesa que não é da minha responsabilidade. Esta não é uma atitude honesta, é chantagem: “queres uma cópia? então tens de pagar antes o restauro”. O utilizador tem de ser benemérito à força. Mais: o Serviço até aproveitou o meu pedido para depois pôr o processo online na base de dados, de tal modo, que, a partir de agora, não deixa ir o processo à consulta.
Esta prática, segundo julgo, já dura há vários anos, mas isso não a torna correcta; assim, peço a intervenção de V. Ex.ª para que termine.
Os meus cumprimentos.
Arlindo N M Correia
Rua Prof. Hernâni Cidade, 5, 8-E
1600-630 - Lisboa
Lisboa, 10 de Abril de 2015
Ao
Director-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas
Ref.ª Ofício SC_15_S/004739, de 8-4-2015
Ex.mo Senhor Director-Geral,
Como salta à vista, o ofício em referências que mandou enviar-me por e-mail de 8 do corrente, não responde a nenhuma das questões que expus nas cartas que lhe enderecei em 19-9-2014 e a Sua Ex.ª o Secretário de Estado em 20-10-2014.
Quereria sobretudo que reconhecessem a desonestidade desse serviço ao exigir o pagamento do restauro dos processos da Inquisição, quando se pede a sua digitalização. A digitalização total dos processos de Lisboa prova que não é preciso restaurá-los para os digitalizar.
Se a menção no final do ofício ao “mecenato” se refere a esse procedimento, está totalmente fora do contexto. Não existe mecenato obrigatório. E eu não tenho nem posses nem vontade de ser mecenas dos Arquivos. Quereria apenas poder ter a digitalização de alguns processos (que aliás me não deixam consultar na sala) para os poder estudar à vontade. E não é admissível que me peçam uma fortuna por isso.
Reconheço que a digitalização dos processos de Lisboa foi uma excelente iniciativa e faço votos de que se sigam agora os de Coimbra e Évora. Mas, como já disse a vários funcionários desse Serviço, acho que a Inquisição não tem tido dos Arquivos a atenção que merece. Por exemplo, as fichas dos processos estão cheias de deficiências e haveria necessidade de harmonizar e estabelecer a ligação das listas dos autos da fé com o acervo dos processos, tal como sugeri em
http://arlindo-correia.com/100215.html
Os meus cumprimentos.
Arlindo N M Correia