20-12-2000

 

FERNANDO ASSIS PACHECO

(de CATALABANZA QUILOLO E VOLTA)

 

 

  MONÓLOGO E EXPLICAÇÃO

Mas não puxei atrás a culatra,

não limpei o óleo do cano,

dizem que a guerra mata: a minha

desfez-me logo à chegada.

 

Não houve pois cercos, balas

que demovessem este forçado.

Viram-no à mesa com grandes livros,

com grandes copos, grandes mãos aterradas.

 

Viram-no mijar à noite nas tábuas

ou nas poucas ervas meio rapadas.

Olhar os morros, como se entendesse

o seu torpor de terra plácida.

 

Folheando uns papeis que sobraram

lembra-se agora de haver muito frio.

Dizem que a guerra passa: esta minha

passou-me para os ossos e não sai.

 

 

 

A MISSÃO DOS SETENTA E DOIS

 

   (1)

E depois disto designou o comandante

ainda outros setenta e dois e mandou-os

em fila adiante de si

por todos os matos e morros

aonde ele devera ter ido.

E dizia-lhes: grande é na verdade

a guerra, poucos os homens.

Rogai pois ao dono da guerra

que mande homens

para a sua (dele dono) guerra.

Ide, e olhai, que eu vos mando

como lobos entre cordeiros.

 

Levai bornal, cantil, calçado

de lona e a ninguém saudeis

senão com fogo pelo caminho.

Na cabana aonde entrardes

dizei primeiro do que tudo:

guerra seja nesta casa;

e se ali houver algum

filho da guerra descerá

sobre ele a vossa guerra;

porque senão a guerra, a guerra, a guerra

vos enganará.

 

(2)  

 

Voltaram mais tarde os setenta e dois

muito alegres

dizendo: senhor, até mesmo

os demónios se nos submetem

em virtude do teu nome.

E o comandante lhes volveu:

eu via cair do céu

a Satanás, como um relâmpago.

Dei-vos então o poder

de pisardes serpentes, e escorpiões,

e toda a força do inimigo;

e nada vos fará dano.

 

(3)

 

Digo-vos que naquele dia

haverá menos rigor para Sodoma

do que para tal povo.

E tu, Quinguengo, que te elevaste

até ao alto da mata

 - serás submergida até ao inferno.

Pois eu vos afirmo que foram

muitos os profetas e reis

que desejaram ver o que vós vedes, e não o viram;

e que desejaram ouvir o que vós ouvis

e não o ouviram.

Os PV-2 acertam sempre.

 

 

 

 

 

CAMIONETA VERMELHA

 

Se há lugar na vossa geografia

para um friável coração de adobe

digo-vos que não trouxe muito mais

dos tiros da Camioneta Vermelha.

 

A coluna de Zala vinha vindo

tarda como sempre e não se ouviram

durante muitas horas os motores

nesse alto da Camioneta Vermelha.

 

A gente deitava-se nos abrigos,

deitava-se no silêncio e respondia

somente alguma grita de macacos

ali perto da Camioneta Vermelha.

 

Por ironia, eu estava lendo

um romance de Cardoso Pires

ou talvez poemas de Ruy Belo

sobre a cidade na Camioneta Vermelha.

 

Digo-vos que não trouxe muito mais

dos tiros cruzados de arma fina

quando o adobe começou a estalar

no meu peito na Camioneta Vermelha.

 

Queria contar tanta coisa veloz

então acontecida mas não posso

recordar senão esse estampido

caindo súbito na Camioneta Vermelha.

 

Sou um desgraçado poeta da província

com um rio que no Verão é areia,

algumas casas, algumas flores belíssimas

despropositadas na Camioneta Vermelha.

 

O meu modo é cantar e eu canto

mesmo que apeteça mandar um balázio

no peito de adobe, o mesmo peito

que estremecia na Camioneta Vermelha.

 

Por isso aqui estou eu para nuns versos

dizer que o mundo acaba e não acaba

quando a massa de um coração frágil

lembra a cidade entrevista ao longe

 

longe do alto da Camioneta Vermelha.

 

 

 

 

 

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