16-12-2011

 

António de Gouveia (1510 ? - 1566)

 

 

António de Gouveia foi um humanista português do Sec. XVI, que passou toda a sua vida como adulto em França e que, como era costume naquele tempo, se dedicou a vários ramos do saber: foi sobretudo filólogo, jurista e também poeta novilatino. Nasceu em Beja em data que não conhecemos, mas que se deve fixar por volta de 1510, mais ano menos ano. Ninguém sabe donde partiu o Padre Ong para afirmar que ele nasceu na Tunísia! Era de uma família não fidalga, mas muito prestigiada. Não era cristão-novo, como erradamente diz Aquilino Ribeiro. Se o fosse, o seu irmão mais velho teria sido acusado como tal na Inquisição.

Foi seu avô, D. Antão de Gouveia, Cavaleiro da Ordem de Cristo e escudeiro da casa de D. João II, que combateu na tomada de Arzila, em Agosto de 1471, e na batalha de Toro (1476) e se fixou depois em Beja. Entre os seus filhos, Diogo de Gouveia, o Velho (1471-1557), que dirigiu o Colégio de Santa Bárbara em Paris, e Inês de Gouveia que casou com o castelhano Afonso Lopes de Ayala e teve 4 filhos e 3 filhas:

- Marcial de Gouveia, que foi professor em Braga e Coimbra e foi depois preso pela Inquisição;

- André de Gouveia, que ficou célebre como Reitor dos Colégios de Santa Bárbara, em Paris, e do Colégio da Guyenne, destacando-se pelas suas qualidades como educador;

- Diogo Rodrigues de Ayala, frade carmelita;

- Catarina da Cruz, também carmelita em Beja;

- Francisca de Gouveia que casou com seu primo, Francisco Barradas;

- Joana de Ayala, que faleceu sem descendentes: e

- António de Gouveia.

Era pois o mais novo da família. Desconhece-se onde estudou em criança, mas sabe-se que foi levado para Paris por seu tio Diogo para o Colégio de Santa Bárbara, onde se matriculou em 1527, ficando ali a estudar durante sete anos. Segundo Luis de Matos, estudaram em Paris na primeira metade do Sec. XVI 300 estudantes, com bolsas do Rei de Portugal. O sistema não resultou completamente, porque muitos, tal como António de Gouveia, não regressaram a Portugal no fim dos seus cursos.

Na sua vida, António de Gouveia foi bastante andarilho, mudando com frequência de local e de empregador. Ainda antes de terminar o Mestrado em Artes, foi em Janeiro de 1535 para o Colégio de Guyenne, onde seu irmão André era Principal e aí ficou a ensinar durante três anos. 

No início de 1538, foi para Toulouse. Não se conhecem as razões da partida, mas é muito provável que isso se devesse à fama que tinha em Bordéus de simpatias pela reforma protestante. Assim o afirmou Diogo Mendes de Vasconcelos, na Inquisição em Lisboa. Outra prova disso foram as declarações de seu irmão Marcial na Inquisição em 8-8-1551, mesmo descontando a pressão dos inquisidores para o fazerem delator: “no tempo em que seu irmão Antonio de Gouvea em Bordeos andava rebotado e acosado por se dizer delle que era luterano, mestre André lhe esprevera a Puytes homde elle mestre marciall estudava e lya que quisesse recolher comsygo o dito mestre Antonio de Gouvea entretanto que aquillo se apagava e elle Mestre Marciall lhe respondera que nunqua Deus fizesse que recolhesse a pessoa tachada de lutherano ainda que fosse seu irmão…” (Processo n. º 2882).

Pouco tempo esteve em Toulouse, foi depois para Avignon. Trabalhou como corrector de provas tipográficas, mas logo em 1539, frequentava já a Universidade de Lyon. Dedicou-se também à poesia latina e publicou sucessivamente duas edições com Epigramas e cartas em verso. Foi em Avignon que conheceu Catherine Beauffremont, a quem ele dedica as quatro cartas em verso. Já houve quem defendesse que esta seria já a futura mulher, mas parece mais correcta a opinião contrária.

Em Lyon, conheceu e conviveu com o jurista Emilio Ferretti que o deve ter influenciado na sua decisão de abandonar a filologia latina e dedicar-se ao estudo do direito. 

No final de 1541, Gouveia deixou Lyon e foi ensinar Filosofia no Colégio de Santa Bárbara. Ao mesmo tempo, terminou em Paris o Mestrado em Artes.

 

A DISPUTA COM PETRUS RAMUS

 

Na sua estadia em Paris (1542-1544), aconteceu o episódio que tornaria célebre António de Gouveia. Foi o caso que um jovem professor, Pierre de la Ramée, em Latim, Petrus Ramus (1515-1572), após obter o Mestrado em Artes muito cedo, aos 21 anos, se lembrou de bradar aos quatro ventos e não apenas nas suas aulas no Colégio Ave Maria que “Quaecumque ab Aristotele dicta essent commentitia esse”, isto é “Tudo o que Aristóteles disse, são balelas”.  Correu a fama em Paris dos ditos do jovem professor. Contra ele ergueram-se sobretudo Joachim Perion, um frade beneditino e António de Gouveia.

As coisas até poderiam ter ficado por ali. Não era novidade apoucar-se a lógica aristoteliana. Afinal, as conclusões dos silogismos estão sempre contidas nas premissas. Mas Petrus Ramus publicou dois livrinhos com as suas ideias no Outono de 1543: Aristotelicae animadversiones e Dialecticae partitiones. Eram deficientes interpretações da doutrina aristoteliana.

Os livros de Petrus Ramus agitaram a Universidade em Paris. O Reitor, Guilherme de Montuell, escreveu ao Rei a pedir a condenação do atrevido.

Gouveia já deveria estar a trabalhar no mesmo assunto, pois, publicou um primeiro texto De conclusionibus commentarius  e depois a 28 de Novembro uma crítica mais completa, com o título Pro Aristotele Responsio adversus Petri Rami calumnias. Dizem os autores que Petrus Ramus não merecia tanta artilharia contra ele. Até o seu “hagiógrafo” Waddington, diz que para o contrariar, bastavam os próprios textos de Aristóteles.

António de Gouveia não é meigo. Usa muito argumentos ad hominem, quando não são simples insultos. Petrus Ramus não sabe Grego e o seu Latim também não é grande coisa; deve ter lido os textos de Aristóteles em más traduções para Latim, etc.:

 

Incommode, ita me Di ament, incomode inquam, ne dicam stulte, in isto tuo libro exorsus est.

 

Deus me perdoe, mas começaste este teu livro mal – repito – mal, para não dizer estultamente.

 

 

Tute enim optime scis nunc nuper ad illius te lectionem animum adiuxisse, graecae linguae ignarum prorsus ac rudem

 

Efectivamente, sabes muito bem que começaste a lê-lo (Aristóteles) há muito pouco, e sem saber absolutamente nada da língua grega.

 

 

Nullis igitur Graecarum literarum fultus praesidiis, Graecum Philosophum sine doctore attingere ausus est

Ora, desprovido do conhecimento das letras gregas, ousaste lançar-te sem um guia, à interpretação de um filósofo grego;

 

Hactenus, Petre Rame, nihil te vides animadvertisse, unde non potius tu praestigiator, impostor, archisophista, veterator,pestis nostrorum studiorum iudicari debeas, quam is, cui tu honorem hunc verborum tribuisti.

 

 

Até aqui, Pedro Ramo, vês que não fizeste qualquer observação capaz de te livrar dos apodos de prestidigitador, embusteiro, arquissofista, raposão e peste dos nossos estudos, com que brindaste Aristóteles (*). 

 

(*) No original “aquele a quem tu conferiste a honra destas palavras”.

 

Vis nobis de manibus Aristotelem excutere, vis pro illo a nobis legi, rationem afferre nullam vis, quam ob rem id facere debeamus. Cogere hoc Rame est, non persuadere; regem, non doctorem esse.

 

O que tu queres é arrancar-nos Aristóteles das mãos, para passares a ser lido em vez dele, mas não apresentas nenhuma razão válida para o efeito. Isto, Ramo, é coagir, não é convencer; é ser rei, não é ser professor.

 

 

Nihil augendi criminis dico, neque vero, si vellem, posem: verum quae maior excogitari impudentia potest, quam homenem Graecis bullis literis eruditum, Latinis male tinctum, Philosophiae, sicuti res indicay, ignarum, vele Aristotelem ea docere, quae ipse non possit dicere se didicisse?

 

 

Não pretendo avolumar o teu crime, e, mesmo que quisesse, não poderia. Mas na verdade que impudência se pode conceber maior do que a de um homem, desconhecedor do grego, com umas tintas de latim, e ignorante da filosofia, como a realidade o mostra, querer ensinar a Aristóteles coisas que ele não pode dizer que aprendeu?

 

 

 

Tradução de Miguel Pinto de Menezes, ob. citada

 

Waddington acusa Gouveia de chamar Ramus (jogando com o nome dele) “un rameau, un tronc ou une souche”. A frase como tal não existe e eu apenas consegui encontrar no fundo da  pag. 85-R  da edição inicial “Ne Truncus quidem hoc dicat”, ou “Nem mesmo um tronco o negará”. A letra maiúscula não deixa dúvidas.

O livro de Gouveia agradou aos críticos de Ramus e o Rei encarregou-o de impugnar as ideias de Ramus num debate a dois que durou três dias e decorreu à porta fechada. Havia cinco árbitros, dois escolhidos por cada um dos contendores e um, que presidia, pelo Rei. Gouveia tinha Pierre Danès, professor de Grego e Francesco Vimercato, professor de Filosofia grega e latina; Ramus, Jean Quintin, Canonista e Jean de Beaumont, médico; presidia o teólogo, Jean de Salignac. O jogo já estava feito contra Ramus. Quando os elementos da defesa dele se demitiram, ele não conseguiu encontrar substitutos. Foi considerado derrotado, e, por Decreto Real proclamada a vitória de Gouveia e proibida a venda dos livros de Petrus Ramus.

Este não sofreu muito com o incidente. Como era um tipo inteligente, tratou de emendar os livros seguindo até os conselhos de Gouveia, diz o Padre Ong. Teve uma carreira de sucesso, até que, por volta de 1560, se converteu ao protestantismo. Foi morto em 1572, dois dias depois da matança de S. Bartolomeu.

Já António de Gouveia não ficou a leccionar em Paris. As suas relações com o seu tio Diogo estavam deterioradas e ele teria dificuldade em encontrar um lugar condigno para leccionar. A. Moreira de Sá atribui a sua partida ao facto de ter fama de luterano, mas isso não tem grande razão de ser. Uma razão também determinante terá sido que Gouveia, querendo dedicar-se totalmente ao Direito, não tinha ainda acabado de fazer a sua formação nesse campo.

 

JURISTA E PROFESSOR DE DIREITO

 

No final de 1544, Gouveia abandona Paris e vai estabelecer-se em Toulouse, depois de uma breve passagem no Colégio de La Guyenne.

Estuda afincadamente, ao mesmo tempo que inicia a publicação de alguns livros jurídicos. No ano lectivo de 1545-1546, terá começado a dar aulas em regime privado, autorizado pela Universidade; chamavam-se estes regentes hallebardiers.

Manteve-se em Toulouse até finais de 1546, fazendo algumas visitas a Bordéus provavelmente para satisfazer solicitações de seu irmão André.

Terá sido em Toulouse que Gouveia concluiu o doutoramento em Direito, por volta de 1548, ou início de 1549. Em Julho de 1549 foi para Cahors, contratado como professor público de Direito, com a remuneração anual de 400 libras, o que não era muito.

Em 13 de Setembro de 1549, António de Gouveia casou com Catherine Dufour, filha do Presidente do Parlamento local de Toulouse.

Tinha ele nessa altura a intenção de regressar a Portugal, mas depressa desistiu da ideia, quando soube da prisão pela Inquisição dos três professores de Coimbra em Agosto de 1550.

Desde que foi para Cahors, Gouveia passou a escrever apenas livros de Direito. Jacques Cujas (1522-1590) escreveu que não conhecia melhor intérprete do Direito Romano do que o seu amigo e colega Gouveia. No entanto, Jacques Cujas ultrapassou-o na quantidade e qualidade de textos jurídicos produzidos.

No Verão de 1554, Gouveia foi a Paris à Corte e aí conheceu Jean de Monluc, que havia sido nomeado Bispo de Valence, no Delfinado. Este convidou-o a ir ensinar na Universidade daquela cidade. Assinou ele então um contrato vantajoso nesse sentido em 30 de Outubro de 1554.

Possivelmente desagradado dos honorários que recebia, Gouveia ficou em Valence apenas um ano. Em Setembro de 1555, estava já a ensinar em Grenoble onde foi auferir 800 libras anuais, honorários depois subidos para 920.

Por causa das guerras de religião, foram suspensos os cursos universitários em Valence em Outubro de 1560 e em Grenoble em Abril de 1562. É possível que Gouveia tenha sentido dificuldades financeiras por ficar sem trabalho e sem rendimentos. Dirigiu-se então a Michel de l’Hôpital e, por recomendação deste, conseguiu que o Duque Emanuele Filiberto o convidasse para ensinar na Universidade de Mondovì, que ele tinha criado em 1560, em substituição da de Turim. Emanuele Filiberto (1528-1580), Duque de Sabóia e Príncipe do Piemonte, era filho do Rei Carlos III de Saboia e da Infanta D. Beatriz, filha de D. Manuel I de Portugal.

Compreende-se assim que António de Gouveia fosse muito bem tratado no Piemonte. Em 1563, conseguiu cartas que lhe garantiam um salário anual de 1 800 libras. Foi nomeado Conselheiro dos Senados de Turim e de Chambéry.

Neste ano, faleceu sua esposa e, ainda no mesmo, ou no início do ano seguinte, casou ele de novo com Lucrezia Guerrilla, filha de um Senador de Turim.

Entretanto, a França restituiu Turim a Emanuele Filiberto e os habitantes da cidade reivindicaram o regresso da Universidade de Mondovì para Turim. O assunto arrastou-se, com Gouveia a fazer vai-vem entre as duas cidades, e não estava ainda resolvido quando ele faleceu em 5 de Março de 1566, segundo se diz, de uma indigestão por ter comido melão em excesso.

Gouveia teve três filhos da primeira mulher: Manfredo nasceu em 1550 e, em 1558, tinha já mais Perrot e Jantet. Da segunda mulher teve dois filhos que, segundo consta, faleceram na infância.

Quando António de Gouveia morreu, o Duque de Sabóia tomou a seu cargo a educação dos filhos, concedendo-lhes uma pensão de 100 escudos anuais. Em 1575, Manfredo laureou-se in utroque jure, tendo sido nomeado para o Senado do Piemonte. Há ainda hoje em Turim muitas pessoas com o sobrenome Goveano, todos descendentes de António de Gouveia.

 

O POETA

 

Que resta hoje da obra escrita de António de Gouveia? Não muito. Os livros de Direito desactualizaram-se. Além disso, hoje não se dá tanta atenção como no seu tempo ao Direito Romano e a maior parte dos Juristas de hoje não lê Latim. Os livros de Filologia latina estão também esquecidos. Os comentários a obras de Terêncio tiveram muitas dezenas de edições em França e Itália, mas todas no Sec. XVI. Na área da filosofia, o Pro Aristotele Responsio adversus Petri Rami calumnias mantem a sua actualidade porque tem ainda hoje um interesse histórico. Mas, apesar da solidez dos argumentos de Gouveia, o adversário não merecia tanta atenção. Veja-se o que disse pouco mais tarde Justus Lipsius: “Iuuventus nostra a me hoc audiat: Nunquam ille magnus erit, cui Ramus est magnus” ; tradução livre do Padre Ong : «Jovem, ouve-me: Tu nunca serás um grande homem, se pensas que Ramus foi um grande homem”. (Justi Lipsi Epistolarum Selectarum Centuria Prima Miscelanea, Antuerpiae, ex Officina Plantiniana, 1614, Epistola LXXXIX para Paulo Búsio). 

Resta a poesia que também não suscita muito entusiasmo. O grande latinista, A. da Costa Ramalho diz que os epigramas de Gouveia são correctos na forma, mas frios, por vezes insípidos e raramente acima da média.

Na época, todos os que sabiam bem Latim aventuravam-se a escrever poesia: estudavam a complicada métrica latina e começavam a escrever.

Os epigramas de António de Gouveia têm mais interesse quando atacam as pessoas de quem ele não gosta. Quando é acintoso, é mais interessante. Já, por exemplo, os epigramas dirigidos aos seus irmãos têm pouco interesse. Os epigramas que contam uma anedota também não são maus. Os epigramas laudatórios têm pouca chama.

Como é evidente, o lirismo e beleza aumentam muito nos poemas dedicados a Catarina.

Há duas edições de epigramas, uma de 1539 e outra de 1540. Convém fazer a ”aritmética” dos epigramas, seguindo as indicações de Luis de Matos (na obra completa de 1766, falta o epigrama Ad Susannaeum): 

A primeira edição contém (nos dois livros):

- 4 epigramas repetidos tal qual na segunde edição;

- 43 que, modificados, refundidos ou com diferentes títulos, figuram na segunda;

- 58 que foram suprimidos na segunda.

O número total de poemas é pois, 105.

A segunda edição (de 1540) contém o mesmo número de poemas, sendo os 58 suprimidos, substituídos por uma carta ao leitor em verso (no início), 53 novos epigramas e 4 cartas em verso.

O total dos poemas de Gouveia nas duas edições é pois de 163, a que podemos adicionar (ou não) os 43 que têm uma segunda versão no segunda edição.

Em 1745, os Padres António dos Reis e Manuel Monteiro inseriram os poemas da primeira edição dos Epigramas no sétimo volume do Corpus Illustrium Poetarum Lusitanorum qui Latine scripserunt, precedidos de uma breve notícia biográfica em Latim.

A primeira edição foi objecto de uma tese de mestrado em Coimbra (ver bibliografia) com a sua tradução.

As duas edições foram traduzidas e estudadas no Brasil em 2007, na meritória tese de doutoramento de Ricardo da Cunha Lima, publicada na Internet.

Sem querer fazer um comentário aos epigramas, deixo aqui apenas uma ou duas notas do que me despertou a atenção.

Assinalo o epigrama 52 do segundo livro dedicado a Martinho Ferreira, sobrinho do Embaixador Rui Fernandes de Almada, que na Bélgica fora o amigo e benfeitor de André de Resende.

Não consegui identificar o Infantio do epigrama 91 do segundo livro, mas poderá tratar-se de Giovanni Infanzio, um correspondente de Olimpia Fulvia Morato (1526-1555), humanista italiana, a qual escreveu poesia em Grego.  Este epigrama tem sido considerado anti-clerical, mas parece-me que ser contra os frades (como o era também Erasmo), não é forçosamente ser anti-clerical:

 

INFANTIO

 

Erro, loquax, vanus, mendax, effronsque petaxque,

Ingratus, nequam, dissimulator, iners,

Cur sit Joannes Michael, si forte requiris

Infanto, Monachum scito fuisse Senem.

 

A INFANZIO

 

Vagabundo, fala-barato, frívolo, aldrabão, descarado e furão,

Ingrato, libertino, dissimulado, poltrão.

Se por acaso, Infanzio, procuras saber por que é assim Joannes Michael,

Fica a saber que o Velho foi Frade.

 

 

Interessante é a imitação em Latim, no epigrama 12 do primeiro livro, do poema do francês Clément Marot (1496-1544) que foi traduzido, imitado, comentado inúmeras vezes ao longo dos séculos, como refere o artigo citado de Pierre Laurens:

 

D'Anne qui lui jecta de la neige
Clément Marot (1496-1544)

 

 

Anne par jeu me jecta de la neige
Que je cuidoys froide certainement:
Mais c'estoit feu, l'expérience en ay-je
Car embrasé je fuz soubdainement
Puisque le feu loge secrètement
Dedans la neige, où trouveray-je place
Pour n'ardre point? Anne, ta seule grâce
Estaindre peult le feu que je sens bien
Non point par eau, par neige, ne par glace,
Mais par sentir ung feu pareil au mien.

 

 

AD CATHARINAM BOFREMONTANAM

e Gallicis Marotti

 

Me niue candenti petiit Catharina: putabam
              Igne carere niuem: nix tamen ignis erat.
Non est uana fides, non experientia fallax:
              Sensi etenim subitis corda cremata rogis.
Ergo ubi tutus ero, niuibus si conditur ardor,
              Effugiamque tuas, saeue Cupido, faces?
Tu, Catharina. potes subitas extinguere flammas,
              Non glacie, aut niuibus, marmoreis uel aquis.
Sed si quae patior, poenae quoque sentiat autor:
              Et nostrum flama flagret uterque pari.

 

 

A Catarina Bofremontana, de Marot

 

 

Procurou-me Catarina de neve brilhante e eu pensava

Que a neve estivesse precisada de fogo – mas a neve era o fogo.

Não é uma crença vã ou experiência enganadora:

É que na verdade compreendi que os corações ardiam em súbita fogueira.

Onde estarei então seguro se o fogo se oculta na neve,

E, Cupido, onde cruelmente evitarei o teu fogo?

Tu, Catarina, podes extinguir este súbito ardor,

Não com gelo, nem com neve ou águas límpidas,

Mas tudo aquilo que eu sofro, que o sofra também a causa do meu sofrimento:

E cada um de nós se inflame em chama igual.

 

(1)

 

Um epigrama interessante também, o n.º 21 do primeiro livro:

 

DE CATELLO, CUI NOMEN PARIS


Qui tantae uoluit tibi urbis esse
Nomen deliciae Catelle nostrae,
Virtutem ille tuam et sagacitatem,
Tanto nomine uisus est uocasse.

 

 

ACERCA DE UM CÃOZINHO CHAMADO PARIS

 

Quem quis atribuir-te o nome de tão grande cidade

Oh cãozinho, encanto nosso!

Parece que por tão importante nome

Exaltou a tua força e sagacidade.

 

(1)

Também era típico daquele tempo usar o Latim para escrever algumas graçolas mais pesadas, atingindo por vezes o obsceno, como se vê no epigrama n.º 31 do primeiro livro:

 

DE ASELLO

 

Ad cenam sponsus ueterem inuitauit Asellum,
              Cui nullus toto corpore sanguis erat.
Hic grandem pro se natum delegat, opusque
              Quid factu et quali cum ratione docet.
Aulam ipsam quadam
cum maiestate subintra:
              Saepe recusato membra repone loco.
Si comedant, saltent, cantent, haec onmia. Nate,
              Fac, u
t honestatis non uideare rudis.
Cui Natus, futuant si forte, quid? id mihi manda.
              Atque istic subito, dixit Asellus. ero.

 

 


O ASNO

 

Um noivo convidou para o banquete um asno velho.
              Que já não tinha um pingo de vigor em todo o corpo.
Este envia em seu lugar um filho crescido, e ensina
              O que ele deve fazer e de que modo:
“Entra no palácio com certa majestade: 
              Retira as patas dos lugares proibidos.
Caso eles comam, dancem, cantem, faz tudo isso, filho,
              Para não pareceres de comportamento grosseiro.”
O filho perguntou ao velho: “Caso eles fodam, que faço?” “Avisa-me disso

              E num instante”, disse o asno, “estarei lá”.

 

(2)

 

  (1) Tradução de Maria Luisa Meireles dos Santos na tese abaixo referida.
  (2) Tradução de Ricardo da Cunha Lima na tese abaixo referida.

 

CARÁCTER DE ANTÓNIO DE GOUVEIA

 

António de Gouveia revela-se nos seus textos como um extrovertido, folgazão, amigo da boa mesa. Era sem dúvida muito inteligente. Foi acusado de não trabalhar (escrever) bastante, o que parece estranho, dado o volume da sua obra. Com muita facilidade, criava as maiores amizades, mas também grandes ódios de colegas e alunos. Entre os seus grandes admiradores da época, Pierre de Mornyeu, de Belley, Doutor em Direito e Etienne Catini, advogado de Chambéry, que foi aluno de Gouveia em Grenoble e Mondovì e que dele escreveu uma pequena biografia em Latim.

Foi muito apreciado através dos séculos, umas vezes com sinceridade, outras talvez por amabilidade. Diz-se que a perspectiva jurídica de Cujas, foi ele quem a inspirou; e Cujas tinha por ele a maior admiração.

Entre nós, os juristas admiravam-no mas não o estudaram, dizendo que ele se formara nas Universidades de França.

O grande poeta novilatino e historiador que foi George Buchanan dedicou-lhe um muito honroso poema que já transcrevi (bem como a respectiva tradução) aqui.

Pedro Sanches incluiu-o na Epístola ad Ignatium de Morales  ou Carmina de Poetis Lusitanis ad Ignatium Moralem:

 

Ad numeros facilem non te Goveane, tacebo.

Qui sic interdum laxis deccuris habenis.

Præcipue stolidi rides cum dogmata Rami

Ut Tagus in pontum rapidos cum combibit amnes,

Proruit, et campos late disseminat auro.             

 

Um assunto que tem sido discutido (para mim, indevidamente) é o das convicções religiosas de António de Gouveia. Acho que ninguém tem nada com isso, o pensamento do homem é e sempre foi livre.

Calvino (1509-1564), que certamente o conheceu pessoalmente no Colégio de Santa Bárbara, acusou-o de ateísmo e de não crer na imortalidade da alma. Possivelmente na base do anátema, está também a amizade de Calvino e Petrus Ramus. Felizmente para Gouveia, tem um defensor de peso em Scaliger Filho que escreveu: "Goveanus fuit doctus Lusitanus. Calvinus vocat illum atheum, cum non fuerit; debebat illum melius nosse" (Joseph Justus Scaliger (1540-1609), Scaligerana, pag. 97).  Pelos vistos, este espírito inquisitorial veio até aos nossos dias: ver artigo de J. Bohatec, Die Religion von Antonius Goveanus (Govéan). Deste artigo dúbio, conclui A. Moreira de Sá que Gouveia tinha simpatia pelos Luteranos, enquanto outros concluem do mesmo texto que ele procedia como católico (“O professor ia à Missa”, diz um autor do Sec. XVIII, Jacques Berriat-Sant-Prix).

Naquela época, em que não havia nem televisão nem cinema, utilizava-se muito a religião como tema de conversa. Gouveia lembrou-se de dar uma piada ao seu amigo Briand de la Vallée, Presidente do Parlamento de Bordéus:

 

De Briando Vallio

 

Cum tonat, ad celias trepido pede Vallius imas

confugit, putat in cellis non esse Deum  (Epigrama 16 do livro de 1539)

 

Sobre Briand de la Vallée

 

Quando troveja foge De la Vallée apressado para o cabo da adega

Julga ele que Deus não está na adega.

 

 

Ele não gostou da brincadeira e ripostou com força:

 

Antoni Goveane, tua haec Marrana propago

In coelo et cellis non putat esse Deum.

 

António de Gouveia, a tua progénie de Marranos não crê que Deus esteja nem no céu nem nas cavernas.

 

 

Na minha opinião, Gouveia não daria muita importância às questões religiosas, mas frequentava os sacramentos, na medida em que seria perseguido se não o fizesse.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

 

Antonii Goveani Opera, edidit, vitamque auctoris praemisit Jacobus van Vaassen, Roterodami, apud Henricum Beman, 1766.

Online: http://almamater.uc.pt/referencias.asp?f=BDUC&i=01000100&t=GOUVEIA%2C%20ANTONIO%20DE%2C%201505-1566 .

 

Antonii Goueani pro Aristotele responsio, aduersus Petri Rami calumnias, Parisiis, Apud Simonem Colenæum, 1543

Online: http://gallica.bnf.fr

 

António dos Reis, Manuel Monteiro, Corpus Illustrium Poetarum Lusitanorum qui Latine scripserunt, Lisbonae, Typis Regalibus Sylvianis, M.DCC.XLV, Volume VII.

 

The Latin letters of Antonio de Gouvea: an edition with introduction, text, commentary, and translation, by Martha Katherine Zeeb, Philadelphia : Printed by T.A. Winchell 1932.

Online: http://catalog.hathitrust.org/Record/001221714

 

António de Gouveia, Comentário sobre as Conclusões e Em defesa de Aristóteles contra as calúnias de Pedro Ramo. Estabelecimento do texto e tradução de Miguel Pinto de Menezes. Introdução de A. Moreira de Sá. Lisboa. Instituto de Alta Cultura, 1966

 

Em prol de Aristóteles / António de Gouveia ; trad. e pref. de Aquilino Ribeiro, Lisboa, Bertrand, 1940

 

Teresa Luso Soares, António de Gouveia, o Autor e a Obra, Edições APPACDM, de Braga, 2005, Dissertação de Doutoramento em Direito na Universidade Portucalense Infante D. Henrique, discutida e aprovada em 4 de Outubro de 2002.  ISBN - 972-8699-58-1

 

Maria Luisa Meireles dos Santos,  António de Gouveia [ Texto policopiado] : epigramas, Tese de Mestrado, Coimbra, 1992, 157 fls. 

 

Joaquim Veríssimo Serrão (n. 1925),António de Gouveia e o seu tempo : 1510-1566, Coimbra, Universidade, 1966, Sep. Boletim da Faculdade de Direito, vol. XLII

 

Joaquim Veríssimo Serrão (n. 1925), O humanista António de Gouveia em Tolosa, Livraria Cruz, Braga, 1952, Sep. Revista Portuguesa de Filosofia, 8

 

Joaquim Veríssimo Serrão (n. 1925), António de Gouveia : professor de direito em Grenoble, Coimbra Editora, 1954, Sep. do: Bol. Biblioteca Univ. Coimbra, v. 22

Online: http://books.google.com

 

Joaquim Veríssimo Serrão (n. 1925), António de Gouveia e a prioridade do método cujaciano do direito, Coimbra Editora, 1952, Sep. Boletim da Faculdade de Direito, 27

 

Joaquim Veríssimo Serrão (n. 1925), António de Gouveia e a defesa de Aristóteles, Lisboa, 1962 – pags. 133-166.

 

Luis de Matos, Sobre António de Gouveia e a sua obra. Lisboa, 1966, Separata do Boletim Internacional de Bibliografia Luso- Brasileira, Volume VII, n.º 4, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian

 

António Baião, O processo desconhecido da Inquisição contra o lente do Colégio das Artes, Mestre Marcial de Gouveia, in Anais da Academia Portuguesa de História, vol. IX, 1945, pags. 9-45

 

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Scholae in Liberales by Petrus Ramus; Colectaneae Praefationes, Epistolae, Orationes by Petrus Ramus; Audomarus Talaeus, Review by: James Shay Rocky Mountain Review of Language and Literature, Vol. 34, No. 2 (Spring, 1980), pp. 166-167

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The Logike of The Most Excellent Philosopher P. Ramus Martyr. by Peter Ramus Review by: Walter J. Ong, S.J.Renaissance Quarterly, Vol. 24, No. 1 (Spring, 1971), pp. 87-90

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Ramus, Method, and the Decay of Dialogue by Walter J. Ong; Ramus and Talon Inventoryby Walter J. Ong Review by: Robert J. Clements The French Review, Vol. 33, No. 6 (May, 1960), pp. 624-625

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Biografia de Manfredo Goveano

http://www.treccani.it/enciclopedia/manfredo-goveano_(Dizionario-Biografico)

 

ADONIS

 

Diva potens Cypri, quae ditem Amathunta metallis,

Quae Paphon atque Erycen Idaliumque tenes:

Solve comas, discerpe genas, et pectora tunde,

In falsas oculi dissoluantur aquas:

Et viridis pullo vestis mutetur amictu:

Non venit ad luctus laetior iste color.

Pro molli viola, pro purpureo narcisso,

Pro myrto et grati veris honore rosa,

Funerea intendat currum tibi fronde cupressus,

Er si qua inferno nascitur herba Jovi.

Ducendum pulchri tibi funus Adonidis: ecce

Vidi ego, cum cenerum discidit inguen aper.

Hanc Venus ad vocem gemuit miserabilis altum,

Exanimis viridi procubuitque solo:

Et ter se subito conata attollere, rursum

Linquitur, et cubito deficiente cadit.

Atque ubi mortiferi spatio vis victa doloris,

Aegraque de gelida membra levavit humo;

Aera per liquidum niveis ablata columbis,

Aligero currum praecipitante Noto,

Venit ad exanguis pueri lacrymabile corpus,

Saepe querens solito tardius ire rotam:

Et fluxa molle in gremium cervice recepta,

Nomine nequicquam terque quaterque vocat.

Respondet duris habitans in montibus Echo,

Respondent nemorum, garrula turba, Deae.

Utque animam teneat fugientem, os applicat ori,

Et nivea vultus comprimit usque manu.

Ille cruentata moriens resupinus in herba,

Disiectis manibus, luminibusque vagis,

Ostentans frustra coelo inmedicabile vulnus,

Si qua Deos pietas forte movere queat.

Nec dominam agnoscit, nota nec voce movetur,

Agnosci interdum se putat illa tamen.

Ast oculis postquam vidit labantibus alto

Cum gemitu corpus deseruisse animam,

Omnia lamentis dirisque ululatibus implet,

Et roseas diro dissecat ungue genas.  

Astantes circum monte vallesque iacentes

Flebiliter miserae congemuere Deae.

Ipsae etiam gemuere ferae, pictaeque volucres

Ter circum moestis concinuere modis.

Et sylva ex omni gemuere armenta: nec illo

Aut herbam quadrupes attigit ulla die:

Aut liquidas libavit aquas, aut ubera natis

Plena dedit, tecto supposuitve caput.

Aethere sub nudo stratae iacuere, magistris

Nota parum tanti caussa doloris erat.

Sponte tamen moestum moerent pecus inter et ipsi,

Immemores pecoris, immemoresque sui.

Ipsa etiam pressere suos cava flumina cursus,

Et vitreas, fontes, continuistis aquas.

Multa Venus Phoebum incusat, sed plura parentem,

Panaque femiferum capripedesque Deos.

Sed necis in solam confert scelus omne Dianam,

Ingenium multis mitius esse feris:

Et quibus ipsa bonis caret, obtrectare maligne,

Quae si nec Virgo nec scelerara foret.

Haec dicens tota in lacrymas Dea solvitur, ac se

Mortalem queritur non habuisse patrem.

Umbrae, inquit, comes umbra forem; nec viva dolerem,

Mortua deliciis perfruererque meis.

Nunc alter Venerem mundus tenet, alter Adonim,

Hei mihi! sed vetitus sepositusque Deis.

Sed, miserande puer, qui te furor impulit alta

Per nemora inmites exagitare feras?

Tene alios, me devicta, quaesisse triumphos,

Et laudis titulos appetiisse novae?

Scilicet ipsa Deis victrix non impero? non sum

Progenies magni scilicet ipsa novis?

Iudicio non sum magnis praelata Deabus?

Aligeri non sum mater Amoris ego?

Fortunate, tibi tua si bona nota fuissent,  

Debuit in titulos sat Venus esse tuos.

Sed quicumque furor, vel amori numina nostro

Aequa parum (quod ego suspicor esse magis)

Te faevis obiecit apris, Decor iste Juventae,

Debuit immitem continuisse feram.

Improbe aper, sylvaeque huius generisque perenne

Dedecus, infernis bellua nata locis.

Non uno Vitam fundas de vulnere: mille

Vulnera cum tuleris, altera mille feras.

Ac vivas lentis discerptus morsibus, usque

Sufficias canibus sufficiasque Lupis.

Visceribus corvos pascas pede pendulus uno,

Er pes nequicquam terreat alter aves.

Parcite, aves, oculis, pereas vivusque vidensque,

Instantisque metu concutiare mali:

Vulnificum amittas incurva forcipe dentem,

Cum ferro adducta terque quaterque manu

Quemque iterum amittas furgat mox alter, et alter,  

Densque isto nunquam possit abesse loco.

Omniaque ista ferens, et si quid tristius istis,

Saepe miser metuas discupiasque mori.

Vos ignava, canes, Domino custodia vestro,

Vos miserum extrema destituistis ope.

Destituisse parum est, etiam spectastis inultum,

Degeneres, neque vos ira pudorque movent.

Ite citi, legioque fagax, fortesque molossi,

Raptate inpuram per nemus omne feram.

Vivam ad me adtrahite auriculis et naribus: eia

Surgite, et admissum dedecus eluite.

Frigidus ast istos dolor obstupefecerat omnes,

Et circum gemitus corpus inane dabant.

Quos miserata Venus, lutum mihi linquite, dixit,

Fida manus, donec Di voluistis, ero.

Vestra etenim jactura levis, Dominusque reversos

Hinc novus excipiet. alter Adonis ubi est?

Alter Adonis ubi est? jactantem talia fessam

In coelum dominam proripuistis, aves.

Illa oculos charo linquens in corpore, nubes

Transvolat, atque inter condidit astra caput.

 

ADONIS

 

Ó poderosa deusa, que és venerada em toda a ilha de Chipre, solta os cabelos, rasga as faces, e bate no peito enquanto os olhos se te desfazem em pranto.  Troca pelo manto escuro a verde veste, que não convém ao luto. Em vez da violeta sensível, do rosado narciso, do mirto ou da rosa, rainha da primavera, será a folhagem do triste cipreste, que atapetará o teu carro, se nas regiões infernais ele nasce para Júpiter. Tu irás levar os despojos do belo Adónis. Eu vi-o quando o javali lhe rasgou a coxa.

 

A estas palavras, a infeliz Vénus gemeu profundamente, e caiu desmaiada no chão. Três vezes tenta erguer-se, de novo desfalece e faltando-lhe a força no braço a que se apoiava, cai. E, quando a dor foi vencida pelo tempo destruidor, levantou da terra gelada os membros doridos.

 

Alvas pombas levaram-na através dos ares, enquanto Noto lhe impelia o carro e lamentando-se por fazer o caminho tarde demais, chega junto do corpo exangue do infeliz jovem. Coloca no amoroso regaço a flácida cabeça. Em vão o chama repetidas vezes pelo nome. Somente lhe respondem Eco, a habitante dos montes selvagens e a palradora turba das ninfas dos bosques.

 

E, como que para agarrar aquela vida, que vai fugir, coloca a boca sobre a dele e aperta-lhe o rosto com as alvas mãos. Ele, moribundo, deitado na relva, de mãos afastadas, olhar vago, tem voltada para o céu a mortal ferida, como se alguma vez a compaixão pudesse mover os deuses. Não a conhece, nem se move ao ouvir a voz familiar. Todavia ela julga que ele a reconhece. Mas, ao ver que os olhos perdiam o brilho, e que com um gemido profundo a vida abandonava aquele corpo, encheu os ares de sinistros gritos e lamentos, e dilacerou as faces rosadas com as unhas cruéis.

 

Os altos montes e os profundos vales choravam tristemente com a infeliz deusa. Choraram as próprias feras, e as coloridas aves entoavam repetidas vezes, tristes melodias. Em toda a floresta choraram os rebanhos e naquele dia, nenhum animal comeu a erva, bebeu a água corrente, deu aos filhos os peitos entumecidos, ou se abrigou sob um tecto. Permaneceram deitados no caminho, sem que os pastores conhecessem a causa de tanta dor. Mas, esquecendo-se de si e esquecendo o rebanho, entristeciam-se a si próprios, no meio dos entristecidos animais.

 

Os profundos rios contiveram as torrentes, e as tuas límpidas águas, ó fonte, pararam de correr.

 

Vénus increpa Febo, e sobretudo Júpiter, Pan e os sátiros. Mas atribui toda a culpa do crime a Diana, cuja astúcia é mais fecunda que a de muitas feras.

 

Ela prejudica até aqueles de que precisa, ou não fosse virgem e criminosa.

 

Dizendo isto, desfaz-se em lágrimas e queixa-se de não ser mortal: “Ó sombras, eu seria a vossa companheira. Morta, gozaria o meu amor, e não sofreria como agora sofro. Agora um mundo possuirá Vénus, outras regiões terão Adónis. Triste de mim: os deuses afastaram-nos. Mas, ó infeliz criança, que loucura te levou a perseguir através dos bosques feras tão cruéis? Acaso, depois de me teres vencido, procuravas outros triunfos, desejavas outros títulos de glória?

 

Então eu, vencedora de deuses, não governo? Não sou, porventura, filha do grande Júpiter? Não sou pelo meu critério preferida  entre todas as grandes deusas? Não sou a mãe do Deus alado? Se tu conhecesses o que possuías, feliz mortal, Vénus seria o primeiro dos teus títulos de glória. Mas, fosse qual fosse a loucura ou a divindade, pouco favorável ao nosso amor,  (e ou suspeito mais desta) que te lançou contra os cruéis javalis, a beleza da tua juventude, devia ter retido a terrível fera.

 

Cruel javali, eterna desonra da raça e da floresta, monstro nascido em lugares infernais, oxalá não morras só por causa de uma ferida. Oxalá que, depois de ferido por mil golpes, sejas atingido por outros mil. E que resistas aos cães e ais lobos e vivas, dilacerado por cruéis mordeduras. Que, pendurado por um pé, os corvos te devorem as entranhas, e que em vão os tentes afastar.

 

Poupai-lhe os olhos, ó aves, para que, vendo, morra aterrorizado pelo medo da morte iminente. Que uma mão armada,  te golpeie e te tire o dente homicida, mas que de novo nasça para o tornarem a perder. E que, ao sofrer tudo isto, e porventura coisas mais terríveis, te sintas horrorizado e desejes ardentemente morrer.

 

E vós, ó cães, cobardes guardas do vosso dono, abandonaste-lo quando ele mais precisava de vós. E, o que é mais importante, nem a cólera, nem a vergonha, vos levou a defendê-lo, quando o vistes desamparado.

 

Correi, rápida, hábil legião, corajosos molossos, apanhai essa fera cruel; trazei-ma viva, segura pelo focinho e pelas orelhas.

 

Vamos, caminhai, resgatai-vos assim da vergonha cometida.

 

Mas a dor gelara-os, aturdira-os, e somente soltavam gemidos, em redor do corpo sem vida. Vénus teve compaixão deles e disse: “Deixai para mim a dor. Serei, enquanto os deuses quiserem, um fiel guarda.

 

Na verdade, a vossa perda é pequena, um novo amo os recolherá, quando se refizerem. Mas, onde existe um outro Adónis? Onde?

 

E depois de dizer tudo isto, vós, ó aves, a levastes para o céu, extenuada de tanto sofrer. E, sem despregar os olhos do querido corpo, voa através das nuvens e desaparece entre os astros.

 
 

Tradução de Jorgete Carolina da Conceição Gonçalves Costa na dissertação acima referida

O texto latino é precedido da seguinte nota:

 

ARGUMENTUM

 

ADONIDIS notam fabulam  IOACHIMUS BELLAIUS Gallicis versibus eleganter descripsit. Hi cum forte GOVEANO praesente recitati essent a iuvene quodam et ab omnibus, qui tum aderant, laudati: idem argumentum GOVEANUS Latinis versibus brevius elegantiusque expressurum se pollicitus est; quod ut faceret urgentibus amicis, hos tandem versus cecinit.

 

ARGUMENTO

Joachim du Bellay descreveu em elegantes versos em Francês a conhecida fábula de Adónis. Sendo estes recitados por um certo jovem, estando presente Gouveia e louvados por todos os presentes: prometeu Gouveia descrever o mesmo argumento em versos Latinos de modo breve e elegante; e para satisfazer os amigos impacientes, compôs estes versos.

 

 

 

ANTONIO DE GOUVEA conhecido mais pelo apellido alatinado de GOUVEANO, nasceu na Cidade de Beja da Provincia do Alentejo, para credito da Nação Portugueza, e de seus Pays Affonso Lopes Ayala Fidalgo Castelhano, e Ignes de Gouvea filha de Antão de Gouvea Cavalleiro professo da Ordem de Christo. Sendo chamado na idade juvenil por seu Tio Diogo de Gouvea, Reytor do Collegio de Santa Barbara de Pariz para aprender as letras humanas partio com seus Irmãos Marçal, e André dos quaes era o menór na idade, e mayor no talento, e taes foram os progressos que a sua perspicaz comprehensam, e admiravel agudeza fizeram naquella palestra, que geralmente foy venerado como Oraculo da Oratoria, e Poetica escrevendo na lingua Latina com tanta pureza, e elegancia, que animava a sua penna   o espirito dos Escritores do Seculo de Augusto. Não era menos insigne nas argucias da Filosofia Peripatetica chegando ainda quando estava na flor da adolescencia a convencer em huma disputa publica na authorizada prezença de muitos Sabios a Pedro Ramos acerrimo antigonista de Aristoteles Princepe daquella escola. Coroado com este triumfo litterario depois de cultivar os campos da eloquencia, e os bosques do Parnasso se applicou ao estudo das Musas mais severas penetrando os segredos da Jurisprudencia em Tolosa no anno de 1539. em cuja faculdacle sahio tão eminente, que de Leão, onde assistia, o chamou para Avinhão o famoso Jurisconsulto Emilio Ferreto para que deixando o retiro em que estava viesse manifestar os thezouros da sua sabedoria, em beneficio de tantos engenhos que querião instruirse com os seus documentos. Obedeceo promptamente à insinuação de homem tão grande, a quem pelo summo affecto com que o amava lhe chama no lib. 2. De Jurisdictione, Segundo Pay,e chegando àquella Universidade começaram a brilhar com tal intenção os rayos da sua sciencia, que difundindose pela larga circumferencia do Reyno de França não havia Universidade que o não pertendesse para Mestre, logrando esta fortuna a de Tolosa, Valença do Delfinado, Cahors, e Grenoble. Em todos estes theatros academicos teve tantos ouvintes, quantos admiradores assombrados da delicadeza com que penetrava as dificuldades mais insuperaveis, a promptidão com que respondia aos argumentos mais nervosos, e a facilidade com que conciliava os textos antinomicos, alcançando por tão singulares dotes a veneração, e respeito dos mayores Corifeos da Jurisprudencia como erão Ferreto, Alciato, Duareno, Concio, Revardo, Balduino, Budeo, e Fabro, sendo muito mais para admirar que o Princepe de todos elles Jacobo Cujacio reconhecendo a profundidade do seu talento receou, lhe arrebatasse a palma que tinha merecido pelos seus immensos estudos, como escreve Papirio Massonio no fim da sua vida.Adolescens Antonij Goveani ingenium admirabatur deterritum se dicens à jure tractando, si homo Lusitanus tanto ingenio, tamque subtili labores civilium studiorum suscipere, ac subire voluisset.Esta preferencia, que o seu engenho levava a todos os Jurisconsultos a confessou o mesmo Cujacio dizendo inNot. ad. Ulpian. titul. 6.‘Antonius Goveanus cui ex omnibus quotquot sunt, aut fuere Justinianae juris Interpretibus, si quaeramus quis unis excellat, palma deferenda sit.Ao tempo que lograva as mayores estimaçoens em França, que como Patria sua ternissamente amava por habitar nella desde os primeiros annos se auzentou della, não somente por fugir aos tumultos, e guerras civìs em que citava dividida, mas por ser convidado pelo Duque de Saboya Manoel Philisberto a ennobrecer com a sua doutrina a nova Universidade que fundara em Montdevis. Tanto que chegou àquella Corte, foy recebido pelo seu Princepe com singulares demonstraçoens de affabilidade consignandolhe huma larga renda com que pudesse sustentar opulentamente a sua Casa, e fazendo-o seu Conselheiro. Casou com huma Senhora muito illustre, de quem teve a Manfredo de Gouvea que igualmente foy herdeiro da sua sciencia juridica, como dos lugares honorificos que occupou. Morreo em Turim no anno de1565, como escrevem Thuano, Moreri, Pope Blount, Hofmano, Capassi, e Simon Bibliothec. Historiq. des Atheurs du Droit.  Tom. 1. pag. 164. Em 1587  . Elias Vineto; e em 1597  . Nicol. Ant. in Bib. Hisp.  allegando a Thezaur. na XIX. Quaestion. ForensÚdo 3. liv. Nesta variedade em que se dividem os Authores acerca da sua morte, todos se unem a certificar a sublimidade do seu engenho pelo qual se fez celebre na posteridade, como são Antonio Fabro in Praefat. lib. 7.Conject. Tulit aetas nostra maximos in jurisprudentia vivos, sed praecipuos, si quid mei ingenij est (caeterorum pace dixerim) Antonium Goveanum, &  Jacobum Cujacium. Illum ut quidem mihi ridetur multo feliciore ingenio ad jurisprudentiam natum: sed qui naturae viribus tam confideret, ut diligentiae laudem sibi necessariam; minus fetiam fortasse honorificam putare videretur. Hunc contra minus lucido, praestantique ingenij acumine.  Nicol. Ant. in Bib. Hisp.  Tom. 1. pag. 97.  In Antonio, et doctrina, et ingenium, e consectariaque horum fama praecipue floruit.Hofman. in Lex. Vniv.  Tom. 1. pag. mihi 250.  Philosophus, et Philologus insignis, Freher. in Theat. Vir. erud. Claror   Part. 2. Sect. 4. pag. 848. ;Tanta felicitate in humanioribus studiis ingenium excrevit, But nemo purius latine scriberet, nemo versus elegantiùs pangeret.  Fr. Bento Jeronymo Feijoo Theatr. Critic.  Tom. 4. Discurs. 14. n. 10. Aun oy está resonando la Francia delos Elogios de Antonio de Gouvea, y tomando para si gran parte dela gloria de tan famoso Jurisconsulto... cultivo mucho,   y felizmente la Poesia, y fue tan gran Filosofo que entre todos los Aristotelicos Franceses logrò superior gloria en la defensa dela doctrina Peripatetica. Moreri Diccion. Hist.  verb. Gouvea. Ce Sçavant homme a et le seul qui par une gloire asses rare dans son siecle a et estimè d'un comum consentiment excellent Poete, grand Philosophe, e Sçavant Jurisconsulte. Gualt. in Tab. Chronol.  ad an.1565  . pag 741. Tam Philosophiae, quam humanioris litteraturae laude praestantissimus.  Pinello Selectar.  lib. 2. cap. 8. n. 8. Subtilissimus.  Carvalh. in Cap. Raynaldpag. 3. n. 16. acutissimus, & ingeniosissimus.et ibi. n. 55. Vir magni ingenij et eruditionis  . et Part. 4. cap. 3. n. 1. approbatissimus, et acutissimus.  Menochius de Arbitrar. Jud.  lib. 1. cap. 2. Doctum virum, sibique perfamiliarem. Quesad. in Quaest.   Jur. Magni judicij,   atque eruditionis virum Capassi in Hist. Philosoph. Synops.  pag. 328. Magnum Lusitaniae decus, Jurisprudentiae Lumen, Poeseos, Rhetorices, omnisque penitioris litteraturae ornamentum ingens magnum Peripateticae Philosophiae, cujus callentissimus, erat, propugnaculum.Scalig. na Scalagerian. 1. Goveanus doctus erat vir, & valens dialedicus, optimus PoetaPople Blount. Cens. Celeb. Auth.  pag. 666. Teissier Elog. des Homes Illust.  Tom.2. pag. 223. e 224. Guichenon Hist. Gen. de Savoy.  Tom. 1. pag. 678. Spond. Annal. Baron. Continuat.ad an.1565  . Bayle Diccion. Critiq.  'Tom. 2. pag. mihi 580. e 581. Spera de Proffessor. Grammat. lib. 3. fol. 176. Joan. Soar. de Brito in Theatr. Lusit. Litterat.  lit. A. n. 86. Pasquier Recherch. liv. 9. cap. 37. Petr. Sanches in Epist. ad Ignatium Moral. de Poet. Lusit.

 

Ad numeros facilem non te Gouveane tacebo.

Qui sic interdum laxis deccuris habenis.

Praecipua stolidi rides cum dogmata Rami

Ut Tagus in pontum rapidos cum combibit amnes.

Proruif, et campos late disterminat omnes. 

 

P. Antonio dos Reys in Enthusiasm. Poetic.  n. 18.

 

Nec Te post Puerum pudeat Gouvea referri

Praecocis ingenij juveni concedere primas

Fas erat, atque locum dare carmina nostra decebat

Cui natura prior dederat, ceu Roma jocosum

Bilbilicum vatem tibi posthabet inclita Marcum.

 

Entre a geral acclamação com que celebráram o nome de Antonio de Gouvea tão famosos Escritores, se atreveo o impio Heresiarcha João Calvino a infamallo de Atheista estimulado da irrisão que fez o nosso Gouvea da sua prrtendida Reforma, dizendo noTrat. de Scandal.1 pag. 90. col. 1. da edição de Genebra do anno de 1611.Alij (ut Rabelaesus, Deperius, et Goveanus) gustato Evangelìo eàdem caecitate sunt percussi. Cur istud? nisi quia sacrum illud vitae aeternae pignus sacrilega ludendi, aut ridendi audacia ante profanarunt. Desta infame impostura defende ao nosso Gouvea Scaligero na Scaligeriana 2. dizendo Goveanus fuit doctus Lusitanus. Calvinus vocat illum Atheum cum non fuerit; debebat illum melius nosse.

Compoz

Ad titul. de Jurisdictione omnium judicum libri duo. Desta obra diz Antonio do Quitaduenas lib. 1.de Jurisd.tit.7.diligens apprime, &eruditus ser seu Author, e que nihil a se visumcultius atque floridius,& Schifordeger. in Nuncupat.lib. 2. ad fabrianos Commentar. Cum sine his plurima quae ad juris dictionem Romanam pertinent, hodie ignoraremus.

Ad Tit. de Jure acrescendi lib. 1.

Ad Leg. Gallus Aquilius Dig,. de Vulgari, & pupillar. substitution.

Ad Leg. Falcidiam.

Variarum Lectionumlibri duo.

Animaduersionum lib. 1.

Todas estas obras sahiram juntas Lugd. apud Anton. Vincentium 1562. 1564. e 1599. in fol.

Variarum Lectionum lib. duo Venetijs 1585. & cumadditament. Vaconis Vacuna, Antonij Concij, Jacobi Robardi Corsi, & Nicolai Belloni. Colon. Agripinae 1575. fol.

De Jure acrescendiTolosae apud Guidonem a Bondeville. 1545. 4.9 primeira edição como affirma Gregorio Maians in lib. 5 epistol.p. 262. e 263.

Depois saiu Jehae 1596. in 8. & Wormatiae typis Wilhelmi Cnitelis 1611. 12.

Nestas obras fez menção de outras que tem composto, como são.

De Praetoribus, & Propraetoribus.

Tractatus in Trebellianum o qual testifica Schifordegero lib. 2. Tract. 2. ad fin. Quaest. 1. que o vira Antonio Fabro.

Pro Aristotele responsio adversus Petri Rami calumnias, & alia opuscula. Parisiis apud Simonem Colinaeum 1543. 8.

Prophyrij Isagoge in latinum translataLugduni apud Sebastianum Gryphium. 1541. 8.

Epigrammatum libri duo, & Epistolae. Lugduni apud Sebastian  Gryphium. 1539. 4.&ib. per eund. Typog. 1540. 8.

In aliquot Ciceronis Orationes. Basileae 1553. 8.

Ennarratio in Ciceronis Orationem in Valinium Parisiis. 1545. 8.

In Topicam Ciceronis, & Criticam Logices partem.Ibidem.

In prives libros duos Ciceronis ad Atticum, & in lib. ejusdem de legibus. Parisiis apud Thomam Richardum 1543.

Virgilius, Terentius pristino splendori restituti. Lugd.apud Gryphium 1541Terentius Francofurt 1576. 1596. 16.

In Orationes Ciceronis M. S. in fol.B Conserva-se na Bibliotheca do Imperador como affirma Draudius inBib. Classic.

Comentaria elegantissima in Terentium M. S. de cuja obra faz menção Balthezar Wertino in addit. ad"Trithem. de Script. Ecclesiastic.

Poemata. M. S.Existem na Bibliotheca Vaticana como escreve Montfaucon in Bib. Bibliothecar. M. S. nova. Tom. 1. pag. 26. col. 1.

Discurso apologetico em que se defende da gravissima impostura, com que o Author da Bibliotheca do Delfinado escreve que elle fora acusado em Valença do Delfinado de fallar impiamente de Deos, cujo discurso diz Antonio Teissier nos Elog,. dos Homm. Illustr. Tom. 2. pag. mihi 224. o vira M. S. na Bibliotheca de Ennemond de Rabat Presidente do Parlamento de Granoble.

 

O P. Francisco da Cruz Jesuita nas memorias M. S. para a Bibliotheca Portugueza, diz ter visto humas Decimas Castelhanas impressas em 4.º em letra gotica sem nome do Impressor, nem lugar, e anno da Impressão compostas por Antonio de Gouvea Portuguez que poderá ser o mesmo de que tratamos. Era o argumento hum Valenciano tão facinoroso que matou a seu Pay, Tio, e huma Sobrinha, e cortou os peitos a sua Mãe por cujas impiedades fora morto pela violencia de hum rayo.

 

da: Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica: na qual se comprehende a noticia dos authores portuguezes, e das obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até ao tempo presente, por Diogo Barbosa Machado (1682-1772), 4 vols., 1741.

 

 

ANTONIUS GOVEANUS, vulgo Lusitanorum (unde patria fuit, natus quippe in Pace Julia si Beia hæc est huis temporis), DE GOVEA, in familia editus est musis veluti sacra, in qua, ut Cassiodorus alicubi ait, tot probatos quam natos vere dixeris. Nam tres simul Goveanos fratres, Martialem, Andream et Antonium nostrum Jacobus patruus in Barbarana schola Parisiensis gymnasit, sumptibus Joannis Portugalliæ Regis III exhibitos, eo sucessu habuit ut nemo eorum non ingenti cura ad fatligium gloriæ fuerit connixus. Martialis Grammaticam, de qua arte commentatus est, et poetim maxime Ovidianam coluit, ut loco suo dicimus Andreas cum laudatæ Barbaranæ scholæ, mox et gymnasio præfuisset Burdigalensis urbis, in Lusitaniam accitus Conimbricensibus, recens ab eodem Joanne Rege auctis academia, datus fuit Gymnasiarcha. In Antonio autem natu minimo et doctrina et ingenium consectariaque horum fama præcipue floruit Burdigalæ, ludum habente Andrea fratre, Latinas litteras, exinde jus circa annum MDXXXIX. Tolosæ docuit Parisiis mox apud Jacobum patruum, iterumque Burdigalæ professus, Carduci demum substitit juris civilis antecessor, in summo laudis atque existimationis loco positus. Quod cum prospexisset ipsa ab Augusta Taurinorum Sabaudiæ dux, hominem juvandæ eximus virtutibus ac singulari ingenio republicæ natum ad se evocavit, libellorumque suplicum præesse curæ, et a consiliis sibi esse jussit. Hoc munere fungebatur adhuc anno sæculi præterit nonagesimo quinto, sub quem Thesaurus junior in XIX questione forensi tertii libri, eius cum laude meminit, ut perspiciatur jam Eliam Venetum, dum scribit ad Andream Scotum, qui in Bibliotheca ejus adducit epistolam, non bene cojectasse vix sexaginta anos natum fuisse Antonium e vivis Taurini exemptum. Nam qui potuit sexagenarius tantum mori quem superstite exeunte superiore sæculo, et jam circa annum ejusdem XXXIX Tolosæ jus profitentem cognovimus? Extat quidem Thuani monumentis historicis Goveanus noster viris ævi fuit maximis in non parum perspicuo judicii atque prudentiæ testrimonio contributos. Nam de academicis professoribus, seu puerorum in literis institutoribus, Petrum Ronsardum, poetam Galliae maximum, dicere solitum, esse refert nunquam non characterem qui ibi contrahitur, longo licet exacto vitæ intervallo, retinere eos, nec pædagogicam omnino exuere umquam posse, sed excipiebat Ronsardus quatuor suæ ætatis, familiaresque sibi homines, Georgium Buchananum, Hadrianum Turnebum, Marcum Antonium Muretum, et Antonium Goveanum, hæc Tuanus Historiarum lib. LXXVI. Docti etiam viri, sibique perfamiliaris appellatione vocat eum Jacobus Menochius in De Arbitrarus judicum lib. I cap. II licet postea eodem lib. I quæstione LXXIX, eruditum quidem, sed non parum audacem agnoscat Magni judicii atque eruditionis virum Antonius Quesada in Quæstionibus juris appellat Josephus Scaliger, ut constat ex libello Prima Scaligeriana dicto et a T. Fabro in lucem Ultrajecti 1670 edito, doctus erat, inquit, vir Goveanus, et valens dialecticus, optimus poeta Gallicus, nec enim Hispanum judicaveris, adeo bene Gallice loquebatur. Adjungitque ejus distichon in Wallium Senatorem Tholosanum hocce.

 

      Dum tonat, in cellas prospero pede Wallius imas

      Confugit, in cellis non putat esse Deum.

 

             Cui tamen Wallius reposuit

 

      Antoni Goveane, tua hæc Marrana propago

      In cœlo et cellis non putat esse Deum.

 

Loco nempe maledicentiam opponens. Idem inter optimos recentiorum poetas alibi (pag. 101) constituit, Latinos nempe.

Plures alii varie laudant, omnesque uno ore celebrant. Profecto actum esset optime cum legalis scientiæ studiosis, si quale ingenium intulit talem Goveanus juri ilustrando atque explanando intulisset industriam. Quare princeps ille jurisconsultorum nostræ ætatis Cujacius adolescens ingenium ejus admirabatur, sed indiligentia hominis, quod in vita ipsius Cujacii legitur, notata nihil deterritus est, deterritum iri se dicens a jure tractando, si homo Lusitanus tanto ingenio tamque subtili labores civilium studiorum serio inscipere ac subire voluisset. Opera ejus, pars in jure, pars in rhetoricis philosophicis atque eloquientiæ studiis versantur. De jure brevia, sed insignia opuscula omnia volumen unum non magnæ molis continet, ut confirmetur magis Cujacii de eo judicium

      Hæc scilicet

Ad Titulum de Jurisdictione omnium Judicum, in Digestis quas Antonius de Quintanadueñas in similis De jurisdictione operis præfatione, et lib. I tit. VII Diligentes apprime et eruditas lucubrationes vocat, et nihil his eruditius commentariis, nihil se legisse, ait, cultius atque floridius. Cum sine his foret (Schifordegerus inquit in nuncupatoria secunda libri ad Fabrianos commentarios epistola) plurima, quæ ad jurisdictionem Romanam pertinent, hodie ignoraremus. Adversus hoc opus tamen scripsisse fertur quidam Evardus Henirison, ut in Elencho auctorum juris legitur.

Variarum juris lectionum libri duo, qui etiam prodierunt una cum Vaconii Vacuna, Antonii Contii, Jacobi Rebardi, Rainaldi Corsi, Nicolai Belloni similibus monumentis. Coloniæ apud Gymnicum 1575. Folio.

      De Substitutionibus.

      Ad Legem Falcidiam

      Ad Legem Gallus D de Liberis, et posthumis. Simul edita in folio apud Antonium Vincentium Lugduni anno…… et 1599, in 8. sæpeque sæpius aliis in locis.

      Scripsit etiam:

      In Trebellianum Tractatum. Quæ commentaria vidisse Antonium Fabrum testatur Schifordegerus lib. II, tract II, quæstione I, in fine.

      Reliqua varia sunt, videlicet

      Epigrammata quædam et epistolæ quattuor, quæ Gryphius edidit Lugduni 1539 quæ item prodierunt cum fragmentis Polybii historicis de rerum pubblicarum formis et Romanorum præstantia in 4 apud eundem Gryphium.

Virgilii opera castigavit, et Terentii comœdias suis versibus restituit, ediditque apud eundem Gryphium 1541. Terentius prodiit cum hac Goveani emendatione Francofurti 1579 in 8. Et 1593 in 16. In hunc poetam et commentarios promissit, uti et integram Aristotelis Organi translationem.

In Ciceronis quædam opera commentatus est. Nempe in Topica Parisiis In duos priores libros Epistolarum ad Atticum Ibidem 1543. In Libros de Legibus Ibidem, apus Thomam Riccardum. Ennarrationem in orationem contra Vatimium Ibidem 1545 Item in eam pro Q Ligario atque aliam pro Lege Manilia. Quæ in Bibliotheca Imperatoria esse innuit Draudus in Bibliotheca pag. 1446 in principio.

Porphyrii quinque vocum introductionem eleganter translutit, a Gryphio editam 1541.

Responsionem dedit adversus Petri Rami calumnias pro Aristotele. Parisiis. 1543.

Obiit relinquens Manfredum filium, qui etiam ille apud Pedemontu principem publico munere functus est. De eo inter scriptores Pedemontanos agit Andreas Rossotus Cisterciensis, qui etiam Monteregili Insubrum jus civile eum docuisse refert, et laudatorum operum numero Criticam Logicæ patrem certantem cum M Tullii Topica adjungit.

 

 

De

Nicolau António, Bibliotheca Hispana noua: sive Hispanorum scriptorum qui ab anno MD ad MDCLXXXIV floruere notitia; tomus primus, Madrid, Apud Joachimi de Ibarra., 1783. Online aqui