12-6-2001
CESÁRIO VERDE
(1855 - 1886)
POEMAS:
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Impressões da cidade em palavras-pinceladas de uma poesia-pintura de Cesário Verde
"O Livro de Cesário Verde" online:
Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
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O CESÁRIO Clara Ferreira Alves no EXPRESSO, de 19-5-2001 |
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EXPRESSO Actual n.º 1760 22 de Julho de 2006
Algumas Palavras
Joaquim Manuel Magalhães
CESÁRIO, MAS SEM CÂNTICOS
Os entendimentos acerca das publicações da obra de Cesário Verde apresentados aqui não pretendem ser uma qualquer formulação de juizo crítico sobre a obra do poeta. Tentam somente uma avaliação das principais edições hoje em dia disponíveis no mercado português. O que provocou este intuito foi a edição de Teresa Sobral Cunha, Relógio D’Água, Lisboa, 2006, intitulado Cânticos do Realismo e Outros Poemas/32 Cartas.
A obra histórica que durante décadas permitiu conhecer a poesia de Cesário, sobretudo a todos os poetas que por ela se deixaram tocar, foi O Livro de Cesário Verde, publicado a expensas suas por Silva Pinto (1587), em acto de amizade e admiração. Nada há de linear na amizade e na admiração e é, portanto, provável que possam ter ficado manchados alguns intuitos editoriais de Silva Pinto, mas nada se pode contrapor à evidência de ser esta a referência original enquanto edição em volume Hoje encontra-se uma sua reimpressão, Assírio & Alvim, Lisboa, 2004. O posfácio e a cronologia, em anexo, da autoria de António Barahona, são um conjunto de considerações e uma enumeração de jeitos que é preferível ignorar.
Mais algum interesse se poderá encontrar nas “Notas à Fixação do Texto”, mas somente enquanto exposição de alguns factos verbais, pois o diálogo com os intuitos de outras edições filologicamente mais seguras, como a de Joel Serrão, é muitas vezes penoso de ser seguido: se há razão no que por vezes afirma, não há razão para razão para tanta verrina tendenciosa e menor face a um autor que sempre se mostrou disposto a acolher correcções que lhe parecessem acertadas e que seguiu critérios até hoje os mais seguros para editar todo o conjunto da obra de Cesário, tanto o incluído na edição de Silva Pinto quanto o ai não incluído mas existente em outros locais onde se publicaram em vida de Cesário. A fixação da obra do poeta feita por Joel Sertão, Obra Completa de Cesário Verde, Portugália Editora, Lisboa 1964, representou o primeiro esforço filologicamente aceitável (ainda que talvez não inteiramente sem falhas) de se poder chegar a um Cesário total. Aí, Joel Serrão recorda o auxílio que lhe prestam dois grandes poetas, Eugénio de Andrade e Carlos de Oliveira, não rejeita O Livro de Cesário Verde - compara-o com outras edições textuais conhecidas - e acrescenta os poemas de Cesário não incluídos nesse volume e por este publicados em vida. Faz também comparecer várias cartas então conhecidas.
A sua ampla informação neste domínio pressente, sem dúvida, alguma indecisão quanto à correcção absoluta dos seus propósitos e das suas descobertas. Tem, assim, uma atitude particularmente notável: «muito desejaria, e muito agradeceria, que [erros] fossem apontados, discutidos, escalpelizados sem dó nem piedade. Esse será, como é evidente, o único caminho para, em futuras edições, se aperfeiçoar, até aos limites das possibilidades». Este espírito de tolerância e de diálogo é próprio de um homem sábio e não fanático, o que não acontece em quem vem hoje atacá-lo na edição da Assírio. Todas as conclusões das suas tarefas dadas a conhecer em 1964, encontram-se no que lhe diz respeito, rematadas na publicação corrente Obra Completa de Cesário Verde, Livros Horizonte, Lisboa, 2003. (Um outro volume, Cesário Verde - Poesia Completa, 1855-1886, Dom Quixote, Lisboa, 2001, está muito longe da importância que assume o volume da Livros Horizonte.) Neste, embora admita não acreditar (e dá boa justificação) na possibilidade de uma edição critica da obra de Cesário, apresenta aquela que para mim é, até ao momento, a usais fidedigna e mais limpidamente organizada das edições possíveis da obra do poeta, incluindo o maior número conhecido de cartas suas. Tudo está explicado com grande rigor e com a máxima clareza e simplicidade; ocorrem por vezes desvios face aos critérios definidos para a edição, pequenas contradições quanto aos momentos últimos do texto ainda em vida de Cesário, uma ou outra precipitada correcção de palavras nas publicações originais (supondo-as gralhas), alguma incompreensão do que pode ter ocorrido com informações de Silva Pinto as quais, se não deveriam ter sido aceites de modo a pôr em causa os bons critérios editoriais por si defendidos, poderiam ser apreciadas com mais razoabilidade, uma vez que temos de admitir que muitas diversidades existentes na edição deste se podem ter devido a diálogos que só ele teve com Cesário, (Se Cesário tivesse dado qualquer sinal de querer afastar de si esse amigo com quem, nos últimos tempos, já não viveria na harmonia dos tempos iniciais, por certo que seu irmão não teria fornecido todos os elementos de que dispunha para que «O Livro» fosse levado a cabo.) Este ponto é muito importante, mas não quero despedir-me de Joel Serrão sem afirmar que não surgiu ainda uma edição filologicamenre inatacável capaz de destruir a deste sábio historiador e também conhecedor da poesia.
Chegamos por fim à edição de Teresa Sobral Cunha. Embora qualitativamente distante da de Joel Serrão, é a outra obra de Cesário de que dispomos em relativa boa qualidade. Há muita informação interessante nas notas, embora várias vezes a articulação do conjunto seja feita de um modo um tanto confuso. Há uma fixação textual coerente, embora sem explicitação rigorosa dos critérios críticos (sente-se ser uma pessoa que gosta muito dos “seus” poetas, acumula tudo o que pode saber sobre eles, conta tudo com alegria e entusiasmo aos leitores, mas descura no meio desse novelo os princípios da clareza e as pressões filológicas fundamentais para que uma edição não seja meramente uma curiosidade, mas um resultado crítico ou fidedigno).
Comecemos pelas cartas. Exclui um conjunto que Cesário trocou com um noivo de sua irmã: pretende somente publicar as cartas que lhe permitam - e isto é mesmo rebuscado – “obter o melhor proveito da dinâmica recíproca dos corpos poético e prosaico colocados em sucessão” (pág. 29). Talvez queira com isto dizer, só as cartas que ajudem para os poemas. Pois bem, sobre o autor dos poemas refere na página anterior a imagem de Cesário (se bem entendo o que pretende declarar) como “meticuloso correspondente”: ora, estas cartas do seu tempo de rapaz elucidam algo sobre este ponto, pelo menos. Conclusão: temos umas cartas escolhidas, bem menos completas, pois, que as publicadas por Joel Serrão.
Organiza o livro segundo critérios seus (mas, talvez infelizmente, esta senhora não tenha tido acesso a tudo o que Silva Pinto teve). Assim, decide prefaciar o volume com algo que seria um possível prefácio de Fialho de Almeida que nunca chegou bem a acontecer: uma edição fidedigna tem anexos, para não permitir interferências com a organização nuclear do livro e para aí deveria seguir esse texto de Fialho. Anexo bem definido, onde deveria figurar tudo o mais que a organizadora achasse fundamental pala o seu trabalho, como o texto de Pessoa que publica (a ênfase em Pessoa e em Sá Carneiro talvez não fosse necessária, pois a fama póstuma de Cesário não dependeu da apreciação destes dois poetas e – e não nos está a ser proposta uma compilação da história da crítica existente sobre o autor, muitos melhores juízos faltariam -, uma vez que só depois de ser reconhecido e ter influído na poesia portuguesa vieram a surgir com suficiente difusão os textos dos dois amigos da “Orfeu”, além de que Pessoa parece dever muito mais a Pessoa do que este ao que Pessoa sobre ele escreveu). É bom perder a inocência de que os juízos de Pessoa servem para salvar ou condenar seja o que for na tradição literária, pois estas tradições podem muitas vezes variar independentemente da opinião dos poetas que nós julgamos absolutamente significativos num determinado instante.
Também em anexo deveria surgir o texto anónimo “Per Amica Silentia...” que a autora não sabe de facto se é de Cesário; mais vale aguardar, talvez em vão, certezas e entretanto pôr as coisas onde criticamente se devem pôr.
Toda a história estritamente textual de cada poema é apenas suficientemente proposta; não há erros, mas também não há completude.
Para assombro cimeiro, porém, surge-nos o título que é decidido dar agora à obra de Cesário. Obra completa não é, pois lhe faltam pelo menos cartas conhecidas; obra fidedigna não é porque khe faltam miríades de variantes que deveriam ter sido anotadas; obra reunida poderia ser que fosse, mas deveria ser muito melhor organizada e com menos intervenção de opiniões judicativas sobre os poemas, quer da autoria da autora quer da de outros, por entre as notas. Então, sem grandes fundamentos críticos justificativos, de um modo meio escondido, temos na pág. 250, linha 3, que um jornal anunciara em 1873 - Cesário morreria treze anos depois - a próxima publicação de um livro deste chamado Cânticos do Realismo. E aí que temos de adivinhar a razão do surpreendente título. Os “outros poemas» são os principais poemas que Cesário viria a escrever, nada mais nada menos. Cesário nunca deixou registo desse título, pode-o ter referido como hipótese a um jornal, mas sabemos que nunca organizou em toda a sua vida, por o não querer fazer, livro algum. A “beleza” e a “pertinência” da expressão não parecem ter nada a ver com o gosto de Cesário que podemos ver evoluir para os tais “outros poemas”; aqueles “cânticos” (que não são o português de “Chants” em poetas que o jovem poeta admira, ele mesmo usará “Cantos” num poema de 1874) mais depressa evocariam a “nódoa negra e fúnebre do clero” e das suas missas ou das suas ilusões enganadoras (isto tanto é válido para opiniões do poeta como para opiniões minhas).
Não. Este volume de Teresa Sobral Cunha não me convence nada. É uma contribuição interessante, sem dúvida. Mas está longe de seraquela em que eu mais vejo proximidade com exemplares trabalhos editoriais da nossa poesia moderna: por exemplo, a edição de Jorge de Sena levada a cabo entre inúmeras resistências e incompreensões por Mécia de Sena, os vários volumes da obra de Pessoa (excepto o de Álvaro de Campos) e os três volumes da obra poética de Nemésio publicados na Imprensa Nacional.