10-12-2014

 

 

   

Publicado em Telheiras - Cadernos Culturais Lumiar - Olivais - Telheiras

2.ª Série n.º 7, Novembro de 2014

 

 

 

Os Portugueses em Ceilão no séc. XVI. O Príncipe de Cândia

 

 

Ceilão, o País

 

Vamos falar de uma ilha do Oriente que poeticamente tem a forma de uma lágrima, caindo do continente indiano. Foi chamada Taprobana pelos Gregos e por Luis de Camões (Lusíadas, Canto I, 1), Ceilão pelos Portugueses e é República independente com o nome de Sri Lanka desde 1972.

Esteve sob influência portuguesa desde 1506 a 1658, foi colónia holandesa de 1658 a 1796 e inglesa desde 1796 a 1947, quando ficou independente mas ainda integrada no Império Britânico.

No seu eixo norte-sul mede cerca de 440 Km. e a maior largura de nascente para poente é de 220 km; tem a área de 65 610 km2. A linha de costa totaliza 1 340 km.

Geograficamente, é um País muito variado, tem zonas baixas e altas montanhas. No centro do País, está a montanha mais alta, o Pidurutalagala  com 2,524 m de altitude e mais 12 montanhas com mais de 2 000 m.

Hoje o Sri Lanka tem 21,8 milhões de habitantes, com uma densidade populacional que é o dobro da de Portugal Continental. Destes, são cingaleses 73,8 %, mouros, 7,2 %, de raça Tamil vindos da Índia, 4,6%, Tamil autóctones, 3,9 %, diversos, 10,5 %.

Em matéria de Religião, são Budistas (religião oficial)  69,1 %, Muçulmanos, 7,6 %, Hindus, 7,1 % e Cristãos, 6,2 % (dos quais 5,5% são católicos), não especificados, 10 %. 

As línguas faladas são o Cingalês para 74 %, Tamil para 18 % e 8 %, outros; pelo menos 10 % da população fala fluentemente inglês.

Ceilão foi povoado em tempos remotos por populações vindas da Índia, de raças diversas, donde surgiu a diferença entre os Cingaleses e os Tamil. Em 1983, já depois da independência do Sri Lanka, os Tamil lançaram uma guerra pela independência do Norte que assolou o País durante quase quarenta anos. Desde 2009, o País está pacificado.

Desde o início da ocupação portuguesa que iam missionários com as tropas. Se os poderosos os apoiavam ou melhor ainda se se convertiam e eram baptizados, a população seguia-os quase em massa. Mas os missionários sofreram também muitas perseguições e muitos foram assassinados ou morreram em batalhas.

O Sri Lanka é um País em vias de desenvolvimento, bem longe de ser um país rico. O rendimento per capita era em 2013 de 6 500 dólares USA, comparado com 22 900 para Portugal.

 

Produções de Ceilão no séc. XVI, para além das agrícolas

Elefantes

Deveria haver muitos elefantes no séc. XVI, que foram sendo dizimados ao longo dos séculos. Hoje, no Sri Lanka existem cerca de 2500 elefantes selvagens, mais 300 domesticados; no início do séc. XX  havia 12 000.

O elefante tinha inúmeras utilidades: era transportador de pessoas e de carga, era uma “máquina” de guerra, para destruir fortificações; nas batalhas, havia sempre um certo número de elefantes de um lado e do outro. Depois de mortos, tiravam-se-lhes os dentes para fazer obras em marfim, que ainda hoje são admiráveis e admiradas.

Os cingaleses eram peritos a domesticar elefantes.  Em 1602, Spilbergen viu vários elefantes que pegavam no seu treinador e o colocavam no seu próprio dorso.

 

Canela

No séc. XVI, Ceilão era o único País produtor de canela. Ainda hoje, o Sri Lanka produz 80 a 90 % da canela de melhor qualidade. Em cingalês, canela diz-se kurundu.

 

Pedras preciosas

Em Ceilão, encontravam-se rubis, safiras, esmeraldas e muitas outras pedras preciosas. Havia também uma grande produção de pérolas naturais. Isto fazia com que os Reis tivessem grandes tesouros que provocavam a cobiça dos ocupantes.

 

Depois de conhecerem as riquezas desta terra, várias personalidades, como Diogo do Couto, Francisco Rodrigues Silveira e Jorge Pinto de Azevedo,  defenderam a ideia de transferir a capital do Império Português na Índia de Goa para Ceilão. Não houve tempo para pôr em prática tal ideia.

 

Os Portugueses em Ceilão

Depois que Vasco da Gama regressou em 1499 da primeira viagem à Índia, começou a falar-se em Lisboa de Ceilão, sobretudo por causa da canela que se sabia ser ali abundante e era iguaria muito procurada na Europa. Nas instruções ao vice-Rei D. Francisco de Almeida (1505-1509), o Rei D. Manuel I mandou que se explorasse Ceilão. De facto, foi o filho do Vice-Rei, D. Lourenço de Almeida que pela primeira vez chegou a Ceilão com uma armada portuguesa em 1506. Os Portugueses terão falado num tributo em canela, mas nada se concretizou. Os muçulmanos, que dominavam o comércio, não deixaram  de pôr obstáculos a uma tal iniciativa.

Naquela época, a ilha era dividida em três reinos independentes: Kotte, o maior, Jafanapatão no Norte,  e Cândia nas montanhas do centro. Para já, falaremos do primeiro, Kotte, do nome da sua capital, a cerca de 9 Km. de Colombo.

Em 1513 (mas alguns dizem que foi em 1518) faleceu o Rei de Kotte, Vira Parakramabahu VIII, mas o facto não teve repercussões nas relações incipientes com os Portugueses. Deixou dois filhos que lutaram um contra o outro pelo trono, o qual ficou depois para um deles, Vijayabahu VII.

Foi em 1518 que Lopo Soares de Albergaria construiu uma fortaleza em Colombo, fixando para a protecção que os Portugueses prometiam dar, o tributo de 300 bares de canela (cada bare tinha cerca de 176 Kg), uma dezena de elefantes e 20 anéis com pedras preciosas; ficaram 100 homens na fortaleza.

De 1518 a 1524, consolidou-se a presença portuguesa em Ceilão. Como os Portugueses passaram a afirmar-se sobretudo pelo seu poderio naval, decresceu o interesse da fortaleza e esta foi abandonada em 1524.

Em 1521, os três filhos da primeira mulher do Rei Vijayabahu VII (1513-1521), por saberem que o Rei queria nomear único herdeiro um filho da segunda mulher, assassinaram o pai, com o apoio do Rei de Cândia, que era desde 1511 Jayavira Astana  (1511-1552) que sucedera a  Wickramabahu (1473-1511). Kotte ficou assim dividido em três reinos:  Kotte ficou para Bhuvanekabahu  VII (1521-1551), Para Rajasinha ficou com Rayigama, Mayadunne (1521-1581) ficou com uma vasta área com capital em Sitavaka. Para Rajasinha faleceu pouco depois e Mayadunne apoderou-se de Rayigama. Depois, Mayadunne ambicionou conquistar Kotte a seu irmão, a quem declarou guerra. Bhuvanekabahu pediu auxílio a Portugal para se defender.  Mayadunne acabou por se dar por vencido em 1539, ficando os dois reinos em paz por algum tempo, até cerca de 1547.

Um parêntese para dizer que todas as expedições portuguesas eram acompanhadas por missionários, que iam espalhar o Evangelho de Cristo. Naquela época não se preocupavam muito em catequizar os nativos, bastava que pedissem o baptismo e eram logo baptizados. Por outro lado, os missionários queriam sobretudo converter os poderosos, pois, atrás destes, viria boa parte da população.

Chegaram assim a Kotte vários Franciscanos, destacando-se entre estes, Fr. João de Vila do Conde. Afirmavam os missionários que o Rei Bhuvanekabahu VII tinha prometido converter-se ao Cristianismo, mas ele negava e na verdade nunca aceitou ser baptizado, com muito desgosto dos missionários.

No Norte, apareceram alguns Jesuítas no Reino de Jaffna, em especial na ilha de Mannar. S. Francisco Xavier, que nessa altura, estava na Índia,  pediu a um clérigo para ir baptizar à ilha chamada Mannar. Este foi lá e terá baptizado perto de um milhar de pessoas em 1544. Não se sabe o nome do clérigo, mas Fernão de Queirós, para simplificar, chama-lhe também Francisco Xavier (enquanto ao outro chama o Santo). Soube disso o Rei de Jafanatapão, Chekarasa  Sekaran (Fernão de Queirós chama-o  Xaga Rayia) e deu  ordem para os matar todos: foi um banho de sangue de 600 a 700 pessoas, são os mártires de Mannar.  Este facto impossibilitou qualquer aliança, mas os Portugueses tiveram de esperar até 1560 para terem ocasião de se vingarem.

Apesar de não se ter convertido, o Rei Bhuvanekabahu VII não dificultou a acção dos missionários no Reino de Kotte.

Em 1540, o Rei de Kotte enviou a D. Manuel I, uma embaixada dirigida por Sri Radaraksa Pandita para que fosse coroado o seu neto Dharmapala, filho de sua filha Samudra Devi, casada com Vidiye Bandara em detrimento de todos os outros herdeiros e de seu irmão, Mayadunne, Rei de Sitavaka. Deu várias prendas, entre as quais, um célebre cofre que antes do final do século, já tinha ido para a Baviera. Assim, em 1543, D. João III coroou em Lisboa uma estátua do jovem príncipe, dando assim apoio ao Rei de Kotte. Esta manobra afectou negativamente, claro, a popularidade de Bhuvanekabahu, o qual continuou a fazer vagas promessas de se converter ao catolicismo.

Os portugueses levaram para Goa um filho e um sobrinho do Rei de Kotte, baptizados com os nomes de D. Luis e D. João que, pouco tempo depois em 1546 morreram de varíola.

André de Sousa foi o mentor de outro D. João, filho de Bhuvanekabahu, que se converteu ao cristianismo. O menino de 5 anos foi levado pelos Jesuítas em 1552 e educado juntamente com D. Afonso, Príncipe de Trincomalee. O Príncipe João foi Jesuíta em Goa, onde viveu honradamente até à sua morte em 1587.

Para diversificar, os portugueses aliaram-se ao Rei de Cândia, Jayavira Astana (1511-1552). Este converteu-se ao Cristianismo e foi baptizado em 1546, mas depressa abandonou a Fé.

Em 1551, morreu Bhuvanekabahu. Foi morto por um tiro disparado por um português que disse tê-lo feito por acidente, mas suspeitou-se que fora a mando do próprio vice-Rei D. Afonso de Noronha (1550-1554). Mayadunne proclamou-se Rei de Kotte à morte dele. Os portugueses, porém aclamaram como Rei o jovem Dharmapala (1551-1597), pondo seu pai  Vidiye Bandara como Regente (era genro do Rei Bhuvanekabahu).  Em Setembro de 1551, D. Afonso de Noronha fez uma expedição para apreender bens: só conseguiu apanhar metade do tesouro real e persuadiu Dharmapala a autorizar o saque do templo real de Kotte.

 

O Regente Vidiye Bandara converteu-se ao cristianismo em finais de 1552, mas começou depois a não considerar os interesses dos portugueses; foi afastado da Regência e tornou-se inimigo de Portugal. Estes prenderam-no, mas ele fugiu.

Em 1555, os Portugueses aliaram-se com o Rei Mayadunne de Sitavaka, para derrotarem Vidiye Bandara (Queirós chama-lhe Tribule Bandara). Vidiye Bandara refugiou-se em Udarata (Cândia) onde reinava Karaliyadde Bandara (1552-1582). De Cândia, Vidiye Bandara foi para Jafanapatão, onde foi morto, quando, exaltado por um qualquer incidente, puxou da espada contra o Rei.

Derrotado Vidiye Bandara (convém lembrar que era pai do Rei Dharmapala), acabou a aliança com Mayadunne.

O Rei Dharmapala converteu-se ao cristianismo em 1557. Ficou a chamar-se D. João. Confiscou os terrenos pertencentes aos templos para os dar aos franciscanos, incluindo o Templo do Dente – Daladage, tudo medidas muito impopulares. Os monges budistas reagiram, comandados por Buddhavamsa.  O Reino de Kotte ficava cada vez mais decadente.

 

O domínio de Sitavaka

 

A figura central em Ceilão depois de 1557 foi Tikiri Bandara, o filho mais novo de Mayadunne, que irá subir ao trono de Sitavaka em 1578, com o nome de Rajasinha (1581-1593), após a abdicação de seu pai. Os Portugueses chamaram-no Rajú. Fez ele um longo cerco a Colombo, que durou um ano a partir de 1557.  As aldeias fiéis a Dharmapala  foram pilhadas.

O Rajú tinha a ambição de dominar todo o território de Ceilão.  Em 1563 deu-se a batalha de Mulleriyava, onde foram aniquiladas por ele as forças do Capitão de Colombo, D. Jorge de Menezes Baroche.

Os portugueses abandonaram então a cidade de Kotte em 1565 e concentraram as suas forças em Colombo. Com excepção dos reinos de Jafanatapão, de Cândia e de Colombo (na mão dos Portugueses), ficou toda a a ilha de Ceilão em poder do Rajú.

O Rajú tinha, porém, dois pontos fracos. O primeiro era que detestava a religião budista e preferia o hinduísmo, quando os hindus estavam em minoria.  O outro ponto fraco era não conseguir conquistar Colombo para expulsar os Portugueses; estes acabavam sempre por receber socorros vindos por mar.

Alguns sucessos noutras paragens:  em 1560, o vice-Rei D. Constantino de Bragança (1558-1561) estabeleceu-se em Mannar. Uma pequena armada controlava a pescaria de pérolas no golfo e a navegação no mar de Ceilão.  Estava em causa agora a vingança pelos mártires de Mannar. O vice-Rei levantou um forte e seguiu depois para Jaffna. Saqueou a cidade de Nallur e fez o Rei Çankili tributário do Estado da Índia.  De Nallur trouxe dois presentes: o trono do Rei de Jaffna para oferecer a D. Sebastião e o dente de Buda, que foi desfeito num almofariz por ordem do Arcebispo de Goa.

 

Entretanto o Rei de Cândia, Karaliyadde (1552-1582) que subira ao trono  fez-se cristão por volta de 1562 – 1564 e passou a prestar auxílio aos portugueses contra Sitavaka.

Em 1574, Dharmapala queixava-se amargamente ao Papa do comportamento dos portugueses, numa carta levada em mão por um comerciante grego, que chegou até nós na versão italiana:

 

Carta do Rei de Kotte ao Papa

Colombo, 26 de Janeiro de 1574

Litterae Joannis Ceylonensis Insulae Regis,  ad Summum Pontificem Gregorium XIII

 

LITTERAE JOANNIS

Al Beatissimo et Santissimo Summo Pontefice

Colombo, nell’Isola di Ceylan, 26 genn. 1574

 

 

Ciò è che incontinente ch’io fui ricevuto per re et giurato per tale dalli Portoghesi, per ordine del Re del Portogallo, il quale così l’ordinò et comandò per le sue lettere patenti, et anche per re ricevuto da miei, morto che fu il mio avo, mi cominciò a fare guerra il fratello del detto mio avo, et sono adesso venti tre anni che mi perseguita. Mentre c’ho  havuto di spendere del thesoro che trovai, et sendo gentile sono stato servito et reverito dalli Portoghesi vice-re, governatori e capitani. Et come il nemico habbia sempre havuto il dominio come realmente adesso ha, non ho possuto avere l’intrata, di modo che sendo stato speso quel mio thesoro con donativi et petitioni concedute a Portoghesi de quali havevo bisogno anco non venessi nelle mani del mio adversario, et questi finche porro messero in prigione mio padre, et questo perché il vice-re Don Alfonso, chi venne a questa insola, lassò ordine che così si facesse, perché non gli volse scoprire li thesori delli re passati, et sendo così prigione di  Padri di S. Francesco, lo battisarono e battisato, fu anche più restretto che prima.

 

Or vedendosi cosi maltratattato, et senza causa, trovò modo di uscire di prigione, et come persona resentita do quello che senza ragione gli fecero, con l’aiuto del Madune mio nemico fece guerra contra i Portoghesi christiani, et finalmente mori, et fu totalmente destrutto dal proprio nemico; di maniera che la detta prigione è stata cagione di fine di perdere tutto questo mio regno, et devenire a fatto nelle mani del mio nemico. Non contenti di questo, i Portoghesi nel migliore tempo et al mio magior bisogno messero prigione tra li miei principali capitani, tra i quali l’uno fu il mio cameriero magiore et governatore, a quali usarono tali tirannie, che la maggior parte di mia gente si ritirò al mio nemico, et doppo ch’io mi convertì alla santissima fede cattolica volendo i padri costringere i grandi, che anchora stavano duri et pertinaci nella sua erronea gentilità, et perché mi vedevano con pocho potere, pocha gente et senza regno et thesoro, me abbandonarno et se ne andarono via, donde si fecero puoi molta guerra, et fin adesso ho aspettato ch’il re di Portogallo mi mandasse mettere nel possesso del mio regno per restorare  tanti christiani, li quali sono e vivono come gentili nelle terre del nemico che sono più di trenta milla, i quali vedendomi signore e con potere subito tornarebbono alla ubedienza, oltre molti altri che anche si converterebbeno. Or d’anno in anno mi tratengono con buona speranza, scrivendomi il re, et commandando ai suoi vice-re et governatori che mi socorrino, et questi passando fin hogi con questo; anzi con grandi provisioni hanno agiutato il nemico a diventare tanto grande c’ha questa insola come sua, et ha commercio con tutti li re del nome christiano et stato cattolico nemici et procura di tirar a se i Mori per finire et distruggermi o vero getarmi fuora d’un piccolo cantone, dove mi ritrovo ritirato ciò è una punta et porto dove passo assai miseramente la mia vita, non havendo altro che mille scudi ch’ogn’anno mi danno della facenda del re per le mie spese.

Mai ho avuto la possibilità di mandare ambassadori  al re di Portogallo, né anche per dare relatione di questo caso mio a V.S. acciò lei mi favorisse, et ajutasse con li suoi brevi appresso   del re di Portogallo, a fino che con maggior voluntà, et più brevità mi facesse restituire lo stato mio, per che i vice-re non lasciano imbarcare detti miei ambassadori con dire, che loro hanno a sua cura questo negotio. Et come finiscono i suoi tre anni di governo se ne ritornano a Portogallo con quello c’hanno robbato da queste parti. Et perché il portatore di questa è un forastiero di Grecia, m’è parso di representare a V.S. questa mia petitione et clamori………

 

Aconteceu que, logo que fui recebido por Rei e jurado por tal pelos Portugueses, por ordem do Rei de Portugal, o qual assim o ordenou e mandou pelas suas cartas patentes, e recebido por Rei também pelos meus, depois que morreu meu avô, começou a fazer-me guerra o irmão do dito meu avô, e faz agora vinte e três anos que me persegue.  Enquanto pude gastar do tesouro que encontrei, e sendo gentil, fui servido e apreciado pelo vice-Rei, governadores e capitães portugueses. E, como o inimigo esteve sempre dominante, como o continua a ser, nunca pude ter os rendimentos, de tal modo que, tendo sido gasto aquele meu tesouro com donativos e petições concedidas aos Portugueses, dos quais precisava, para não vir a cair nas mãos do meu adversário, e estes ainda por cima puseram na prisão a meu pai, e isto porque o vice-Rei D. Afonso, quando veio a esta ilha, deixou ordem para que assim se fizesse, porque não lhe quis dizer onde estavam os tesouros dos  Reis passados, e sendo assim prisioneiro dos Padres de S. Francisco, baptizaram-no e, baptizado, ficou ainda menos livre que dantes.

 

Ora, vendo-se assim maltratado, sem razão, arranjou maneira de sair da prisão, e estando ressentido do que sem razão lhe haviam feito, com a ajuda de Madune, meu inimigo, fez guerra contra os Portugueses cristãos e finamente morreu, e foi totalmente destruído pelo próprio inimigo; de modo que a dita prisão foi a razão de perder todo este meu reino, e ficar de facto nas mãos do meu inimigo. Não contentes com isso, os Portugueses em pouco tempo e quando eu passava necessidades, meteram na prisão os meus principais capitães, entre os quais um que foi meu camareiro-mor e governador, e com eles usaram de tais tiranias, que a maior parte da minha gente se passou para o meu inimigo e, depois que eu me converti à santíssima fé católica, querendo os padres obrigar os grandes, que estavam ainda duros e pertinazes na sua errada gentilidade, e porque me viam com pouco poder, pouca gente e sem reino e sem tesouro, me abandonaram e se foram embora, e me fizeram depois muita guerra, e até agora esperei que o rei de Portugal me mandasse pôr na posse do meu reino para recuperar tantos cristãos, os quais são e vivem como gentios nas terras do inimigo, que são mais de trinta mil, os quais, vendo-me com poder, logo regressariam à obediência, para além de muitos outros que também se converteriam.  Ora, de ano em ano me entretêm com boa esperança, escrevendo-me o Rei e mandando aos seus vice-Reis e governadores que me socorram,  e estes passando até hoje com isto; ao contrário, com grandes provisões ajudaram o inimigo a tornar-se tão grande que tem esta ilha como sua, e tem comércio com todos os reis de nome cristão e estado católico inimigos e procura atrair a si os Mouros para acabar e me destruir ou mesmo deitar-me fora do meu pequeno espaço,  onde me encontro retirado, isto é, uma ponta e porto onde passo miseravelmente a minha vida, não tendo mais que mil escudos que cada ano me dão da Fazenda Real para as minhas despesas.

 

Nunca tive possibilidade de enviar embaixadores ao Rei de Portugal, nem para relatar este meu caso a Vossa Santidade para que me favorecesse e ajudasse com os seus Breves junto do Rei de Portugal, a fim de que, com maior vontade e brevidade, me fizesse restituir o meu estado, pois os vice-Reis não deixam embarcar os ditos meus embaixadores dizendo que eles têm tal negócio a seu cuidado. E, quando acabam os seus três anos de governo, voltam para Portugal, com o que roubaram por estes lados. E, porque o portador desta é um forasteiro da Grécia, pareceu-me conveniente expor a Vossa Santidade esta minha petição e minhas lamentações………

 

 

 

in Bullarium Patronatus Portugalliae Regum In Ecclesiis Africae, Asiae Atque Oceaniae: Bullas, Brevia, Epistolas, Decreta Actaque Sanctae Sedis Ab Alexandro III ad hoc usque Tempus Amplectens, curante Vicecomite de Paiva Manso, Tomo II (1601-1700). Tipografia Nacional – Lisboa. 1870, pag. 219-220.

 

Em Maio de 1578, Madaunne abdicou do trono de Sitavaka em favor de seu filho Rajasinha, o Rajú. Na mesma data,  Rajasinha montou de novo o cerco a Colombo, sem êxito, mas ainda assim durou de Junho desse ano a Fevereiro de 1581. No cerco, em 12 de Maio de 1580, Dharmapala doou o seu reino por sua morte ao Rei de Portugal (Anexo 1 ). Em Maio de 1597, dois dias depois da sua morte, Filipe II de Espanha (1.º em Portugal, em 1580-1598) foi aclamado como rei de Ceilão.

Vendo-se impossibilitado de tomar Colombo,  Rajasinha foi atacar Cândia em 1582. Venceu perto de Balana, pondo em fuga o Rei. Karaliyadde fugiu para  Senkadagala,  e depois para  Trincomalee com sua mulher e filhos. Todos morreram numa peste de varíola, que ali houve. Escaparam apenas uma filha de um ano, D. Catarina, e um sobrinho, Jama Sinha Bandar. Este seguiu para Jaffna com a menina, e esta depois foi para Mannar.  Antes de morrer, o Rei indicou Jama Sinha Bandar para seu sucessor enquanto Catarina não estivesse na idade de casar.

Jama Sinha, com alguns franciscanos foi para Goa, onde era Vice-Rei D. Duarte de Menezes. Aí foi baptizado com o nome de D. Filipe assim como um seu filho com o nome de D. João, que deveria ter cerca de 8 anos. Na mesma altura terá sido baptizado Konappu Bandara, com o nome de D. João de Áustria; este era filho de  Wirasundara Mudiyanse, chefe militar em Cândia, na posse do Rajú. O Vice-Rei dava a D. Filipe,  60 pardaus por mês.

Ainda em Goa, D. Filipe fez uma doação do Reino de Cândia ao Rei de Portugal, se ele e seu filho D. João falecessem sem herdeiros. Foram testemunhas: João de Melo de Sampaio, Capitão de Mannar, Fr. Bartolomeu de S. Sebastião, Fr. Rodrigo das Chagas e Fr. Pedro Drago. A seguir foi para Mannar, aguardando a oportunidade de tomar conta de Cândia.

Em 1585, houve um atentado contra Raja Sinha que tentaram envenenar.

André Furtado de Mendonça comandou uma expedição a Jaffna em 1591 que colocou no trono Ethirimanna Cinkam (1591-1616), que assegurou uma política a favor de Portugal.

Raja Sinha encarregou Wirasundara Mudiyanse  de Governar Cândia, como possessão de Sitavaka.  Mas como este quis ter pretensões de soberano, Raja Sinha mandou-o matar em 1585. Deixou ele o filho Konappu Bandara, acima mencionado, que é importante na história de Cândia, como veremos.

Rajasinha montou mais um cerco a Colombo entre Maio de 1587 e Fevereiro de 1588.  Falhou de novo, por causa dos socorros que os portugueses receberam por mar, de Goa e de Malaca.

O Rajú morreu em 1593. Na descrição da morte feita por Queirós (Anexo 2 ), diz-se que o Rajú fez uma ferida de um espinho que se lhe meteu no pé. E disso morreu, dizem uns que por feitiço, outros de veneno que lhe teriam posto na ferida.  Tinha 59 anos e 16 anos e 2 meses de reinado.

Seguiu-se o reinado de Rajasuriya (1593-1594), muito fraco, que acabou assassinado. O herdeiro que se seguia era Nikapitiye Bandara, de 5 anos; ficou Regente uma “Rainha Velha”, irmã do falecido Rajú.

Aparece aqui um personagem estranho: Manamperuma Mohottala, depois chamado Aritta Kivendu Perumal  e depois ainda Jayavira Bandara, nome real. Era um chefe militar valente e prestigiado em Sitavaka, tanto assim que foi nomeado Capitão Geral das tropas de Sitavaka pela “Rainha Velha”. Depois, porém, passou-se para o Reino de Kotte e para os Portugueses. Por que o fez? Queirós diz que ele teve a ambição de casar com uma das irmãs do Rei menino, uma ambição desmedida. Mais tarde, aliou-se em segredo com Konappu Bandara, o “levantado” como diz Queirós, e foi morto pelos Portugueses; esse facto levou à deserção de todos os lascarins, que estavam ao lado de Portugal.

 

Os Príncipes de Ceilão em Portugal

 

Em 1589, houve outra revolta em Cândia contra o Rajú, liderada por D. Francisco Wijayalon Modeliar, chefe militar de sangue nobre. Foi este que sugeriu aos portugueses que chamassem D. Filipe para tomar conta do Reino.

De Goa enviaram então D. Filipe para ser coroado Rei em Vahakotte que partiu acompanhado por seu filho, de 11 anos, D. João (Anexo 3 ). Trouxe consigo o Capitão António de Magalhães com 30 Portugueses e Miguel Fernandes Modeliar, com 200 Lascarins. Diz Queirós: “Foi este segundo D. Filipe recebido por Rei em Cândia, sete anos depois que o 2.º de Espanha foi recebido por Rei em Portugal.” Ficou na posse do Reino mas não durou muito pois veio a falecer num espaço que se supõe ser de um ano ou pouco mais. Diz Queirós que faleceu ele “não sem suspeitas de ser ajudado com peçonha”. No dia seguinte, foi o Príncipe D. João seu filho jurado e aclamado Rei de Cândia. Mas sendo ele menino (teria uns 12 ou 13 anos) e Cristão, levantaram-se os naturais contra ele, instigados e comandados por Konappu Bandara, agora decididamente contra os Portugueses.  Teve D. João de fugir com sua avó, a Rainha Velha, para salvar a vida que lhe queriam tirar. Foram para Vahakotte, depois para as Corlas e a seguir para Mannar, sempre na companhia de Fr. Francisco do Oriente. De Manar, veio para Colombo, para o Colégio dos Padres onde encontrou e se juntou com Nikapitiye Bandara, neto do Rajú que fora capturado na batalha de Hanvella (Março de 1594) e depois baptizado em 1594 (com o nome de Filipe); deveria ter então à volta de 14 ou 15 anos e era o herdeiro do Reino em Sitavaka. Foram ambos levados para Goa, para o Colégio dos Reis Magos, onde estiveram 15 anos e aprenderam a ler, escrever e latim. Foram mandados depois para Portugal  na companhia do Arcebispo D. Fr. Aleixo de Menezes e de André Furtado de Mendonça e ainda dois Religiosos Franciscanos, estando já ambos ordenados de Epístola (Subdiáconos).  

No Cais de Lisboa, veio recebê-los o Conde de Vidigueira, D. Francisco da Gama, que já os conhecia de quando fora vice-Rei da Índia. Foram recolhidos no Convento de S. Francisco. Foram recebidos no Palácio do Vice-Rei, D. Cristóvão de Moura que os sentou em cadeiras de espaldas. Sabendo o Rei da sua chegada mandou-os ir para os Colégios de S. Pedro e S. Paulo, em Coimbra, cada um para o seu. D. Filipe, que já cursara Artes, aceitou e foi para Coimbra; mas antes de ir para o Colégio acabou por falecer no Convento de S. Francisco da Ponte.  D. João, que não tinha estudado Filosofia,  não quis ir para Coimbra, mas pediu ao Rei que lhe desse uma pensão para viver em Lisboa, como “sacerdote que já era”, como diz Queirós. Fr. Fernando da Soledade, na História Seráfica diz “Aqui (em Lisboa) se fez Sacerdote…”

Mandou o Rei dar-lhe 4 000 cruzados na Casa da Índia. Mas, sendo os pagamentos muito irregulares, decidiu o Príncipe ir a Madrid expor o seu caso ao Rei. Este dobrou-lhe a remuneração.

Como é sabido, fundou depois em Telheiras um Oratório para os Franciscanos e era conhecido como o “Príncipe de Telheiras” ou “Príncipe Negro”.

 

Nova Dinastia em Cândia

 

Voltando a Ceilão. Era preciso encontrar um monarca para Cândia. Uma solução que foi pensada foi casar D. Catarina com um português que poderia ser Rei. Pedro Lopes de Sousa convidou para isso Francisco da Silva Arcelaos, mas ele não aceitou.

D. João de Áustria é referido daqui em diante pelo P.e Fernão de Queirós como o “levantado” ou o “Tirano”. O nome Cingalês dele era Konappu Bandara, depois Wimala Dharma mas adoptou como Rei o de Vimaladharmasuriya I.  Era filho do chefe militar de que falámos acima, Wirasundara Mudiyanse. Com as tropas que foi reunindo, cercou a capital e não deixou que os Portugueses se pudessem abastecer.

Um episódio que complicou as coisas foi, como disse acima, que o General Pedro Lopes de Sousa mandou executar o Comandante Jayavira Bandar, por traição.  Apesar da sua total falta de carácter, era um chefe militar muito prestigiado e a sua morte levou à deserção da totalidade das tropas cingalesas que estavam ao lado dos portugueses.

A situação agravava-se: se ficassem, morriam à fome, se partissem, teriam de enfrentar o inimigo. Partiram pelos difíceis caminhos, cheios de desfiladeiros e vegetação frondosa, levando com eles a herdeira do trono, D. Catarina (Anexo 4). Em 8 de Outubro de 1594, o “levantado” saiu-lhes ao caminho e fechou-os num vale denominado Danture. Eram apenas 368 portugueses contra milhares do exército adversário. À frente, Diogo Lopes de Sousa, o jovem filho do General e a Princesa D. Catarina, que na altura teria 13 ou 14 anos. Os soldados estavam fracos, pois não comiam desde o dia anterior. Mataram quase todos os Portugueses e às poucas dezenas que escaparam, cortaram-lhes o nariz. O General foi gravemente ferido; ainda teve tempo de confiar o seu filho ao vencedor e depois expirou. O rapaz ficou com eles três anos e depois foi libertado. Foi para Goa e morreu da queda de um cavalo.

Vimaladharmasuriya levou D. Catarina com ele e obrigou-a a casar com ele. Ficava assim com legitimidade para ocupar o trono. Iniciou uma nova dinastia. A esposa sentiu-se sempre como uma prisioneira e mais do que uma vez quis fugir para junto dos Portugueses, onde tinha sido criada e tratada com carinho.

 

1600-1658 – Decadência e fim da ocupação portuguesa de Ceilão

 

O domínio de Portugal na Índia baseava-se na força naval que ali tinha. Os Cingaleses não eram capazes de conquistar Colombo, porque os Portugueses ficavam sempre com o mar aberto para dali receberem reforços.  Porém, em 1595-1596, surgiram novos actores em cena: as armadas holandesas da VOC  (Vereenigde Oost-Indische Compagnie em Holandês). Formada em 1602, a VOC foi, durante um século, a maior companhia comercial do mundo.  Foi aos Holandeses que os reis de Ceilão inimigos de Portugal se começaram a dirigir para pedir auxílio.

Vencidos em 1594, nunca mais os Portugueses conseguiram apoderar-se do Reino de Cândia. Periodicamente faziam ali incursões, mas sempre sem grande sucesso. Esta fase acabou em 1617, quando, devido à revolta de Nikapitiye Bandara, foi celebrado um acordo de paz e feita uma aliança entre os Portugueses e o Rei Senarat, de Cândia.

Na última década do séc. XVI, dominava Portugal o reino de Kotte, que recebera por doação de D. João Dharmapala e no norte o de Jaffna, cujo rei era aliado de Portugal, pelo menos nominalmente. Na prática, ia cometendo pequenas traições, aliando-se com Cândia.

Dharmapala faleceu em 27 de Maio de 1597, e, dois dias depois, os Portugueses proclamaram-se senhores do Reino de Kotte. D. Jerónimo de Azevedo, Capitão Geral de Ceilão, chamou os principais da Corte e das províncias e impôs um juramento de fidelidade ao Rei português como soberano.

Embora o domínio português sobre o reino de Kotte estivesse consolidado no início do séc. XVII, houve ainda um bom número de revoltas aqui e ali: a de Kangara arachchi em 1603, Kuruvita rala em 1603 e 1616-1619 e Nikapitiye Bandara em 1616. Não confundir este último com o homónimo príncipe que veio para Portugal com D. João de Cândia e faleceu em Coimbra. Os rebeldes eram muitas vezes ajudados pelo Rei de Cândia.

Em Cândia, o rei Vimaladharmasuriya faleceu em 1604, sucedendo-lhe no trono um parente dele chamado Senarat que, para se legitimar, casou com a viúva D. Catarina ou Kusumasanadevi, que era quem tinha sangue real. Esta faleceu em 20-7-1613 e Senarat em 1635. Sucedeu-lhe no trono um filho de ambos, nascido em 1608 que adoptou o nome de Raja Sinha II, cujo reinado foi até 1687.

Surgiu em Outubro de 1618 um grande chefe militar, Constantino de Sá de Noronha, escolhido pelo vice-Rei para capitão geral de Ceilão. Fez uma grande operação de pacificação das terras baixas da ilha e cultivou muito as boas relações com os chefes militares cingaleses que lutavam ao lado dos Portugueses.

Depôs o rei de Jaffna, Çankili II (1616-1620), que atraiçoava a aliança com os Portugueses.  O rei foi preso e mandado para Goa para ser julgado. O príncipe herdeiro foi baptizado, com o nome de Constantino  e entrou na Ordem de S. Francisco. Renunciou ao trono e doou o reino de Jaffna a Portugal.

Sem quebrar as pazes com Cândia, os Portugueses conseguiram tomar Trincomalee e Batticaloa, tendo ali erigido fortes. A construção de uma fortaleza neste último local, levou à quebra das pazes com Cândia e a dois anos de guerra aberta. Em Agosto de 1630, o exército português foi ardilosamente conduzido às terras do principado de Uva, cercado e aniquilado em Randenivala, morrendo Constantino Sá de Noronha e centenas de portugueses.

Após o desastre de Uva, as hostilidades com Cândia foram continuando, até que um acordo de paz foi negociado com Senarat em 1633, e ratificado em Janeiro de 1634. O novo capitão geral de Ceilão, Diogo de Melo de Castro, deitou tudo a perder. Ao ver as negociações do reino de Cândia com os holandeses da VOC foi atacar Cândia em Março de 1638 e o exército português foi desbaratado em Gannoruva, onde morreu também o capitão geral.

Os Holandeses visitavam já regularmente Ceilão, desde a primeira viagem de Joris Van Spilbergen em 1602. Entretanto, preocuparam-se com outras regiões do Oriente, até que, por volta de 1636, se viraram decisivamente para o Índico central. Começaram a cair praças nas mãos deles: a fortaleza de Batticaloa em Maio de 1638, um ano depois Trincomalee; Negombo e Galle foram tomadas em Fevereiro e Março de 1640.

Tiveram os portugueses uma breve esperança  na deserção em 1640 do príncipe Vijayapala, que tomou por sua conta o principado de Uva. Derrotado por seu irmão Raja Sinha II, não teve outro remédio senão acolher-se aos portugueses em Colombo.  Foi depois para Goa e aí baptizado em 1643, com o nome de D. Teodósio.

Com o fim da União Ibérica, surgiu a trégua com a Holanda. A sorte das armas oscilou entre Portugal e a Holanda em Ceilão. Mas em 1652, quando foi quebrada a paz entre Portugal e a Holanda, a guerra redobrou de força em Ceilão. Com o auxílio do Rei de Cândia, a VOC atacou em 1655 Colombo que caiu em Maio do ano seguinte, causando alarme em Lisboa. Em Fevereiro de 1658, perdeu-se a ilha de Mannar que foi tomada por Rijkloff van Goens e logo a seguir caiu o antigo reino de Jaffna. Assim acabou a ocupação portuguesa da ilha de Ceilão.

 

Impacto da colonização portuguesa

 

O impacto da ocupação portuguesa foi muito mais que proporcional ao tempo da ocupação, afinal apenas 60 anos em Kotte  e 40 em Jaffna. A língua penetrou nas populações, que até finais do séc. XIX falavam um dialecto derivado do Português. Ainda hoje a língua tem inúmeras palavras derivadas do português. Aliás, praticamente, durante a ocupação holandesa, o Português servia de língua oficial.

Esta influência tem a sua origem sobretudo na actuação dos missionários e na penetração da religião católica na Ilha.  Sem  isso, seria muito menor.

Na organização administrativa, os Portugueses introduziram os “tombos”, registos da propriedade sobretudo para efeitos fiscais.

 

Religião

 

O procedimento dos Portugueses quanto à Religião foi bastante antipático, porque através do Rei de Kotte, mandaram destruir os templos budistas e os bens que lhes estavam ligados.

O catolicismo teve bastante sucesso junto dos naturais, sobretudo comparando com o que aconteceu com o calvinismo, pregado com grande vontade pelos Holandeses, mas que não teve grande adesão. O catolicismo introduziu conceitos muito positivos, como, por exemplo,  a monogamia e a santidade do casamento, com a consequente rejeição da poligamia e da poliandria. 

O período da dominação portuguesa foi demasiado curto para deixar obra duradoura. Os templos e as fortificações construídos eram demasiado pequenos e frágeis para subsistirem e foram derrubados ou reconstruídos pelos Holandeses.

Depois que os Portugueses ficaram em poder do Reino de Kotte, por morte de Dharmapala, já os missionários tinham liberdade para difundir a fé católica. No final do século, o Bispo era Fr. André de Santa Maria, ele próprio um Franciscano. Embora contra o parecer dos seus confrades, ele abriu o território aos Jesuítas em 1602, aos Dominicanos em 1605 e aos Agostinianos em 1606.

Para evitar conflitos, cada Ordem tinha a seu cargo uma região determinada. Os Jesuítas tinham a seu cargo a parte do Reino a norte do Rio Maha Oya, ou seja, os Sete-Corais, os Franciscanos a costa oeste a sul do Rio, os Agostinianos, os Quatro-Corais, e os Dominicanos a região de Sabaragamuwa (Ratnapura) e os Dois-Corais. Cada uma das Ordens tinha uma casa em Colombo.

Já depois de finda a ocupação portuguesa, foram para Ceilão também os Oratorianos de S. Filipe Néry, que foram bem acolhidos em Cândia.  O missionário mais conhecido dessa Congregação é o Padre José Vaz (1651-1711), que converteu muita gente e foi beatificado pelo Papa João Paulo II em 21 de Janeiro de 1995, em Colombo [e canonizado pelo Papa Francisco  em 14 de Janeiro de 2015, também em Colombo].

 

ANEXOS

ANEXO 1

 

Doação de D. João Perea Pandar ao Rei de Portugal

 

Doação que o Rei de Ceilão fez dos Estados daquela Ilha aos Senhores Reis de Portugal

 

(Torre do Tombo, Livro das Ilhas, fol. 238.)

 

12 de Agosto de 1580

 

Em nome de Deus. Amen. Saibam quantos este público instrumento de doação virem como no ano do nascimento de nosso senhor Jesus Cristo de mil e quinhentos e oitenta anos, aos doze dias do mês de Agosto do dito ano, nesta cidade de Colombo e sua fortaleza da Ilha de Ceilão no aposento sento do muito alto Príncipe Dom João por graça de Deus Rei de Ceilão Perea Pandar, estando aí o dito senhor Rei de presente disse a mim António Ribeiro, tabelião público das notas por el-Rei nosso senhor nesta dita cidade, em presença das testemunhas ao diante nomeadas, que ele dito senhor Rei sucedera nestes Reinos de Ceilão por falecimento de El-Rei Bonegabao seu senhor e avô que lhos deixara por não ter filhos e lhe pertencerem como a seu neto que é e por o ter já perfilhado em sua vida por filho e herdeiro seu com autoridade do senhor Rei de Portugal Dom João terceiro deste nome que santa glória aja e ele dito Senhor Rei houvera a posse destes seus Reinos e os possuíra todos sem falta alguma assim e da maneira que os possuiu o dito Bonegabao seu avô tendo seu assento na sua Real cidade da Cota metropolitana cabeça do Reino que ora está despejada, e que depois por diversos casos o Madume Pandar Rei de Seita avaca e o Raju seu filho lhe tinham tiranicamente e por vias ilícitas ocupado e tomado todos os ditos seus Reinos havia já certos anos sem lhe ficar deles mais que esta cidade e fortaleza de Colombo que os senhores Reis de Portugal por seus vice-Reis e Capitães defendiam pugnando sempre para o tornar a restituir em os ditos seus Reinos, o que até agora não pôde ter efeito por outras guerras e trabalhos que os ditos vice-Reis tiveram, e por o estado da Índia estar gastado e pobre e por ele dito senhor Rei se ver em idade e não com boa disposição em sua real pessoa e sem filhos e herdeiros que lhe de direito sucedam por seu falecimento em estes seus Reinos, e vendo-se muito obrigado aos senhores Reis de Portugal pelos muitos bens e mercês que deles sempre recebeu especialmente por suas boas diligências e admoestações que lhe fizeram por suas cartas e pelo que encomendaram aos padres da ordem de São Francisco veio ele dito senhor Rei a ter lume e conhecimento da nossa santa fé católica, e se abraçou e converteu a ela que mais estima que todas as coisas do mundo porque espera por isso mediante a graça de misericórdia de nosso senhor Deus salvar sua alma e mais lhes é em obrigação de o sempre sustentar em seu real estado sendo tratado de seus vice-Reis e capitães e mais vassalos com toda honra e acatamento como se faz a suas próprias pessoas tratando-se a guerra com os inimigos Madume e Raju pela restauração destes seus Reinos com todo o rigor com muito infindo gasto de suas fazendas e mortes de muitos capitães fidalgos e portugueses: e por todas estas coisas e por outros respeitos que a isso o moviam ele dito senhor Rei de seu próprio moto boa e livre vontade lhe aprazia de fazer doação pura e perfeita de todos os ditos seus Reinos e senhorios ao senhor Dom Henrique Rei que ora é dos Reinos de Portugal e a seus sucessores como de feito disse que pela presente lhos dava e doava e em ele os punha e trespassava com todo o direito senhorio e aução que nos ditos Reinos tem e podia ter para que o dito senhor Rei de Portugal Dom Henrique e seus sucessores o ajam depois de seu falecimento perpetuamente e os possuam e logrem assim e da maneira que ele dito senhor Rei os possuiu, houve e herdou do dito Rei Bonegabao seu senhor e avô cujos foram e melhor se o melhor puderem haver e possam fazer dele como de coisa sua própria que é por virtude desta doação tirando-os para isso de poder dos ditos inimigos que hoje em dia os têm e possuem indevidamente sem nenhum direito nem justiça para o que lhe poderão licitamente fazer guerra por terra e por mar até de todo estarem senhores de todos os ditos Reinos e suas antigas demarcações e senhorios que tem como tiveram os Reis da Cota sobre os outros Reis desta ilha que lhes é e foi sempre devida. E disse mais o dito senhor Rei de Ceilão que esta sua dádiva e doação queria que se cumprisse em todo e por todo sem contradição alguma, e se alguma míngua ou defeito tiver, ele de seu real poderio o supre e há por suprida e manda que esta se cumpra e valha por lei sem embargo de todas e quaisquer leis foros e direitos, costumes e outras quaisquer coisas que em contrario houver, por quanto disse e declarou esta ser sua mercê e vontade declarando logo que a uma sua cédula de testamento que atrás desta sua dita doação em este meu livro de notas tinha feito per mim dito tabelião se lhe dê inteira fé e crédito e lha cumpram e guardem e façam cumprir e guardar assim e tão inteiramente como se nela contém e melhor se melhor ser puder sem embargo desta dita sua doação por quanto tudo em ela contido manda fazer para bem de sua alma e descargo de sua consciência por tudo achar ser muito serviço de Deus nosso senhor e ficar ainda muito atrás do que era obrigado por caso do pouco que ao presente pode, e que por tanto pede muito por mercê ao dito senhor Rei de Portugal Dom Henrique e a seus sucessores que a dita sua cédula de testamento lhe mandem per suas justiças e todas outras quaisquer pessoas a que o tal cargo pertencer cumprir e guardar e fazer cumprir e guardar em todo e por todo assim e da maneira como se nela contém por quanto assim disse que era sua mercê e vontade, e queria que se lhe cumprisse e guardasse por o assim haver por bem por respeito do acima dito sem a coisa alguma dele nem todo nem parte dele lhe ser posto dúvida nem embargo algum mas que antes conforme a direito como confia que seja lha hajam por solene para por ela se fazer sua vontade como nela vai declarado e aqui declara haver por bem que se faça. E disse mais ele dito senhor Rei que pedia com toda a humildade e reverência devida como filho obediente á santa Sé Apostólica de Roma e ao Papa nosso senhor que haja esta doação por boa e mande por sua autoridade apostólica que se cumpra depois de seu falecimento assim e da maneira que aqui é declarado. E para fé e firmeza de tudo isto mandou a mim dito tabelião que esta escritura de doação fizesse e em minhas notas onde a escrevi e o dito senhor Rei assinou nela de seu real sinal: testemunhas que para isso foram chamadas e rogadas o padre frei Sebastião de Chaves guardião que ora é do convento do mosteiro de santo António desta dita cidade, e o padre Manuel Luis vigário em ela e Estêvão Figueira viúvo ouvidor que aqui foi, e Pero Jorge Franco juiz ordinário e António Lourenço ambos casados e moradores nesta dita cidade e Dom Estêvão modaliar do dito senhor Rei de Ceilão e seu camareiro mor e regedor de seus Reinos, e Dom Antão fidalgo de sua casa, e André Baião e Dom Francisco Henriques seus modaliares que aqui assinaram com Dom Fernando modaliar do dito senhor Rei e seu língua que tudo isto declarou sem embargo de ele saber falar e entender a língua portuguesa e Lourenço Fernandes secretário do dito senhor Rei e Juiz de sua jurisdição e o capitão Manuel de Sousa Coutinho fidalgo da casa de el-Rei nosso senhor que presente estava aceitou esta dita doação em nome do dito senhor Rei nosso senhor: e eu dito tabelião que o escrevi e notei em minha nota que em meu poder fica onde o dito senhor Rei de Ceilão e testemunhas ficam assinadas e dela aqui o trasladei bem e fielmente e concertei com o próprio e como pessoa pública estipulante e aceitante que a também aceitei em nome de el-Rei nosso senhor e de seus sucessores e me assinei aqui deste meu público sinal que tal é como se segue. E pelo dito Capitam  Manuel de Sousa Coutinho me requerer lhe passasse mais dous tirados afora outros dous que lhe já tinha passados para por quatro vias mandar esta dita doação a os Reinos de Portugal ao dito senhor Rei Dom Henrique nosso senhor ou a seus sucessores a seu requerimento lhos passei na verdade com autoridade do ouvidor que ora é nesta dita cidade per el-Rei nosso senhor António Guerreiro que o assi mandou a mim dito tabelião que o escrevo. A qual escritura de doação foi mandada a esta torre do tombo per mandado de el-Rei nosso Senhor e se lançou na gaveta das doações e se trasladou aqui de verbo ad verbum e foi concertada pelo doutor Jorge de Cabedo guarda mor da dita torre do tombo e por ele assinada comigo Cristóvão de Benavente escrivão de seu cargo: em Lisboa aos seis de Abril de M D LXXX II. Jorge de Cabedo — Cristóvão de Benavente.   

 

ANEXO 2

 

Padre Fernão de Queirós, S.J, Conquista Temporal e Espiritual de Ceilão

Livro 4.º Capítulo XIV

Continua a mesma matéria e vários sucessos em Cândia

E foi o caso, que os Padres de S. Francisco, sentindo grandemente a mudança de Cândia e o estrago do fruto do seu trabalho, debaixo da tirania do Rajú; vendo que o direito daquele Reino pertencia a um Príncipe por parte de seu Pai parente chegado do Rei de Cota; e por parte da mãe, D. Maria, prima segunda e enteada do Rei Maha Astana, o mal logrado D. Filipe, parente muito chegado àquela Coroa; criaram este Príncipe com cuidado, como único herdeiro daquele Reino; e tendo-o reduzido à nossa Santa Fé, vendo ser boa ocasião, para se introduzir nele, lhe aconselharam que se viesse apresentar ao Vice-Rei D. Duarte de Menezes, e lhe pedisse socorro, para se apossar do seu Reino; e para mais o obrigar, que fosse seu Padrinho, por não estar ainda baptizado; prometendo o ficar perpétuo vassalo de El-Rei de Portugal. Veio a Goa acompanhado dos mesmos Padres e foi recebido do Vice-Rei com honras, mercês e promessas de lhe dar o que pedia.  Recolheram-no no Convento de S. Francisco, e ali foi baptizado pelo Arcebispo D. Fr. Vicente da Fonseca, sendo seu Padrinho o Vice-Rei e tomou por nome D. Filipe. Baptizou-se juntamente com ele um filho legítimo com nome de D. João. Daqui passou a Manar, com grandes favores do Vice-Rei e ordem ao Capitão daquela praça, João de Melo de Sampaio, para o meter de posse do Reino de Cândia, juntamente com seu filho, Príncipe jurado dele, à Majestade de Filipe 2.º, enquanto Rei de Portugal ; em caso que ele não tivesse mais filhos, nem seu filho D. João os tivesse; do que se fez público instrumento, presente o nomeado Capitão, e o Guardião Fr. Bartolomeu de S. Sebastião, Fr. Rodrigo das Chagas. e Fr. Pedro Drago, que todos se assinaram nele. Entendendo bem, que quanto mais se obrigasse à Coroa de Portugal, tanto melhor asseguraria a sua.

Tanto que o Modeliar D. Luis (lapso do autor: é D. Francisco), apossado do Reino de Cândia, soube de sua chegada a Manar, logo lhe mandou dizer que fosse tomar posse daquele Reino, ou por entender, que se não poderia sustentar nele, contra dois poderosos inimigos, ou por se satisfazer que o possuísse um Rei herdeiro dele, e Cristão. João de Melo de Sampaio, para não dilatar negócio de tanta importância, enquanto ele se aprestava com maior poder, logo o despediu para Cândia, acompanhado do Capitão António de Magalhães, filho do escrivão da Câmara de Lisboa, com 30 Portugueses, e Miguel Fernandes Modeliar, com 200 Lascarins; sendo ainda inverno, e estando as fronteiras presidiadas pelo Rajú. Foi este segundo D. Filipe recebido por Rei em Cândia, sete anos depois que o 2.º de Espanha foi recebido por Rei em Portugal; concorrendo, com grande aplauso, para esta aclamação, os vassalos naturais daquele Reino.

Não sofreu o ódio do Rajú ver um Rei Cristão em Cândia. E, posto que soube ser chegado João de Melo com 300 Portugueses, confiado na fortuna que até ali o acompanhara, resolveu tornar a Cândia, com todo o empenho de suas forças; e deixando bons presídios nas fronteiras de Seitavaka, e nas terras de Cota, por estar Senhor, até à tranqueira grande, e da de Gurubeble, adiante da Maluana; e da tranqueira pequena, chave principal de Seitavaka, em que deixou um reforçado presídio; pondo-se em marcha a toda a pressa para Cândia. Com a mesma lhe fez diversão o Capitão de Columbo Simão de Brito, saindo de Colombo com só 200 Portugueses que tinha e 600 Lascarins; e posto que na tranqueira grande estavam 2000 homens escolhidos, com dois príncipes, três ou quatro Modeliares, e até 20 Araches; foram investidos com tal fúria e resolução, que foi entrada com morte de muitos inimigos, de um dos Príncipes, e de alguns Modeliares, e Araches. Chegou esta nova ao Rajú, a quem os seus aconselharam e requereram, que voltasse, se não queria seu Reino perdido. Foi voltando para Seitavaka, e passada a Ruanela, fez alto debaixo de uma árvore; aonde passeando, meteu um grosso espinho pelo pé, de que veio a morrer. Porque, receando-se os seus dos efeitos da sua crueldade pela perda da tranqueira, e enfadada já a fortuna, de favorecer um tirano, em uma das primeiras curas, lhe encheram a ferida de peçonha; com que em breves dias acabou os seus, em 63 anos de idade, e 40 de Reinado, sendo já Vice-Rei da Índia, Matias de Albuquerque; que também logrou esta felicidade de ver morto o maior Inimigo que a Nação Portuguesa teve naquela Ilha; e filho de outro semelhante.

O Rei D. Filipe ficou em pacífica posse do seu Reino; João de Melo se recolheu a Manar, na ocasião em que André Furtado de Mendonça passou a Jafanapatão, aonde também o ajudou como dissemos em seu lugar. Os Padres de S. Francisco que tanto tinham trabalhado pelo Pai, e pelo Filho, vendo boa disposição para a conversão daquele Reino, deixaram-se ali ficar, particularmente os Padres Fr. Duarte Chanoca, e Fr. Francisco do Oriente, aonde fizeram grande Cristandade, tornando a reedificar a Igreja da Conceição; indo em tudo em grande aumento nossa Sagrada Religião. Mas quem pode pedir conta a Deus de seus decretos: Assim como foi breve o governo do Pai, durou pouco o do filho, falecendo o segundo D. Filipe, não sem suspeitas de ser ajudado com peçonha; porque ainda que os Chingalas abominam esta traição, como os mais dos vassalos eram gentios, e o Rei Cristão, não faltaria quem despensasse nesta culpa.

No dia seguinte, foi o Príncipe D. João, seu filho jurado, e aclamado Rei de Cândia. Mas, vendo alguns grandes, que lhe faltava a segurança dos Portugueses, e desprezando-o por ser menino, e por Cristão, se levantaram contra ele, sendo cabeça dessa conjuração o renegado D. João, que em Goa se tinha baptizado. Vendo-se excluído do Reino, saiu dele com sua avó, a Rainha Velha, para salvar a vida, que tratavam de lhe tirar; passou a Vaicota, dali às Corlas, aonde o foi buscar Mateus Mendes de Vasconcelos, com alguma gente, por ordem do Capitão de Colombo, Cosme de Lafelar, e o levou a Manar, assistindo-lhe sempre, em todos estes perigos, ao Padres de S. Francisco, particularmente o Padre Francisco do Oriente, que, como Pai o criava e tinha dele cuidado. De Manar passou a Colombo, onde esteve no Colégio dos Padres, até aportar naquela terra o Padre Comissário Geral Fr. Jerónimo do Espírito Santo. Achou também ali, D. Filipe, Neto do Rajú, Rei de Seitavaka, a quem os Portugueses cativaram (não sei se na tranqueira grande) e os Padres o tinham baptizado. Para criação de um e outro, e segurança das coisas daquela Ilha, os levou o Comissário para Goa, e no Colégio dos Reis Magos estiveram 15 anos, aonde, além da doutrina e bons costumes, aprenderam a ler e escrever, e latim; e parecendo ao Conselho de Portugal, que convinha tirá-los da Índia, foram em companhia de André Furtado de Mendonça e do Arcebispo D. Fr. Aleixo de Menezes, encarregados a dois graves Religiosos Franciscanos, ambos ordenados de Epístola, conforme a ordem do Conselho.

No Cais de Lisboa os foi receber o Conde de Vidigueira D. Francisco da Gama, Presidente do mesmo Conselho, pelo conhecimento que deles tinha; porque, governando ele a Índia a primeira vez, vieram eles de Ceilão. Recolheram-se no Convento de S. Francisco, aonde o Vice-Rei D. Cristóvão de Moura, Marquês de Castelo Rodrigo, os mandou visitar. Depois de descansarem, conduzidos pelo mesmo Conde, foram a Palácio, onde o Vice-Rei, com muita honra e grande acompanhamento os recebeu em Cadeiras de espaldas; e depois com toda a benevolência, lhes mostrou todos os Paços, forte, armazém, e o mais digno de se ver; e tornaram para o Convento. Sabendo Sua Majestade serem chegados, mandou-os acomodar nos Colégios de Coimbra, de S. Pedro e de S. Paulo, cada um em o seu; até acabarem seus estudos e os prover em Bispados. O Príncipe D. Filipe, que já ouvira o curso de Artes, aceitou a mercê e passou a Coimbra; e antes de entrar no Colégio Real de S. Paulo, faleceu no Convento de S. Francisco da ponte. O Príncipe D. João, que não tinha estudado Filosofia, não aceitou ir a Coimbra; mas pediu a Sua Majestade, que conforme sua pessoa, lhe desse cómodo para viver em Lisboa, como Sacerdote que já era. Mandou-lhe El-Rei consignar 4 000 cruzados na casa da Índia, até vagarem alguns benefícios eclesiásticos ou coisas, em que se pudessem pôr pensões. Mas como, até esta pouquidão fosse mal paga, pediu licença para ir a Madrid; a requerer o direito que tinha ao Reino de Cândia, e aos estados de Vilacém, e a Sete Corlas, que por herança de seu pai, D. Filipe, lhe pertenciam; ou coisa equivalente. Recebeu de El-Rei muitas honras; fê-lo grande de Espanha, mandando-o cobrir e dar-lhe assento no banco dos Bispos, por ser clérigo; acrescentou-lhe outros 4 000 cruzados de Mesada. Ali renunciou o direito que tinha ao Reino de Cândia, e muitos estados, na mão de Sua Majestade, enquanto Rei de Portugal; e voltando a Lisboa, foi acrescentado com tantas mercês que até morrer, sustentou grande estado. Nem a Índia se descuidou de defender seu direito; mas sucedeu logo a perda de Pedro Lopes de Sousa e continuaram sempre as guerras com os Tiranos de Cândia na forma que fica relatado.

 

ANEXO 3

 

MEMÓRIAS DE UM SOLDADO DA ÍNDIA

compiladas de um manuscrito português do Museu Britânico por A. de S.S. da Costa Lobo

Francisco Rodrigues Silveira, na Índia (1585-1598)

Capítulo XIII – Campanha de Ceilão

………………….

Mandou o capitão [de Manar] estes chingalas a Goa, por estar lá o moço, feito já cristão, e se chamava D. Filipe. Aonde foram bem recebidos, louvando-lhes o viso-rei sua determinação; e lhes entregou o príncipe com uma armada em que iam trezentos portugueses, encarregando a empresa ao capitão de Manar, o qual se partiu logo para Cândia.

Tanto que o Filipe chegou àquela fortaleza, tirando de Colombo alguns portugueses mais, e trezentos chingalas cristãos, sendo capitão destes de Colombo um Manuel Pereira da mesma nação e aquele D. João que  temos dito ser filho do modeliar de Cândia que morreu no poço: entrados que foram em o reino de Cândia, foi o D. Filipe recebido com todas as cerimónias régias, e aceitado por rei e senhor natural sem contradição alguma. O que, sendo entendido pelo Rajú, se foi logo sobre Cândia com todo o seu poder, deixando bem fornecidas as fronteiras por onde dos portugueses podia ser prejudicado, Mas, sendo pelo nosso capitão, sentida a vinda do Rajú, mandou ao modeliar D. João que, com os chingalas e parte dos portugueses, defendesse uma tranqueira, que é certa fortificação ou reparo de madeira, com que se cerra algum passo difícil, a qual estava em parte por onde de necessidade o inimigo havia de passar. O que se fez com tanto ânimo e esforço do capitão chingala e dos nossos portugueses, que a não pôde o Rajú entrar com haver perdido no assalto grande parte do seu exército.

Com esta passagem do Rajú se moveram os portugueses de Colombo a assaltarem as tranqueiras vizinhas a Seitavaka: o que, ainda que se fizesse com maior rumor que dano, espantou de tal maneira aos da cidade que lhes pareceu necessário avisar o Rajú, como de feito o fizeram, pintando-lhe o negócio mais árduo do que era. O qual com este recado se partiu a socorrer Seitavaka, deixando parte do exército na fronteira de Cândia, indo bem enfadado pelo mau sucesso daquela jornada. E assim, poucos dias depois de chegar, lhe sobreveio uma enfermidade, de que morreu.

 

ANEXO 4

 

Padre Fernão de Queirós, S.J., Conquista temporal e espiritual de Ceilão Liv. 3.º Cap. XIV

Últimos sucessos do General Pero Lopes de Sousa

Pôs o General a Princesa Portugueses de guarda, não consentindo que os Chingalas falassem com ela, para que não intentassem alguma rebelião: do que eles arguiram que se não fazia a guerra em seu nome, como se publicava, e creram ao princípio. E foi esta a maior ocasião de não vir aquele Reino à obediência, retirando-se os seus moradores para as serras,  buscando o favor do levantado.

 

ANOTAÇÕES

Lascarins – Soldados nativos

Modeliar ou Modaliar– Chefe militar de um exército ou corpo de exército.

Fernão ou Fernando de Queirós (1617 – 1688), nasceu em Canavezes, entrou nos Jesuítas aos 14 anos e foi para a Índia em 1635, donde já não regressou.  O primeiro livro que escreveu foi Historia da vida do venerável irmão Pedro de Basto Coadjutor temporal da Companhia de Jesus (http://purl.pt/22283) e ao escrevê-lo surgiu o seu interesse pela história dos Portugueses em Ceilão.

Antes de morrer, acabou de escrever a “Conquista temporal e espiritual de Ceilão”, cujo manuscrito foi enviado para Lisboa para publicação. Não foi publicado e seguiu para o Brasil na biblioteca real de D. João VI em 1808.

No início do séc. XX, o manuscrito suscitou a atenção de Paulus Edward Pieris, estudioso do período do domínio português em Ceilão, que o quis traduzir e publicar. Diversos incidentes o impediram e o Governo de Ceilão publicou o texto Português em 1916 sob a orientação do mesmo Dr. Pieris. Consegui encontrar esta edição digitalizada na Biblioteca Nacional Russa em Moscovo. Em Lisboa existe um exemplar em papel na Biblioteca da Universidade Católica; na Torre do Tombo, o microfilme de um manuscrito originário do Brasil (MF n.º 59) que não se pode copiar por causa dos direitos autorais.

O Governo de Ceilão encomendou depois uma tradução para Inglês ao P.e Simon Gregory Perera, S. J. que saiu na Imprensa Nacional daquele País em 1930 sob o título “The Temporal and Spiritual Conquest of Ceylon”, em 3 volumes. Consegui encontrar os três volumes digitalizados num site do Sri Lanka. Esta tradução existe em livro também na Biblioteca da Universidade Católica e na Biblioteca Nacional.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

Fernão de Queyroz (1617-1688), transl. S. G. Perera, The temporal and spiritual conquest of Ceylon, Colombo: A.C. Richards, 1930, 3 vols.

Online: http://noolaham.net/project/46/4518/4518.pdf (volume 1)

http://noolaham.net/project/47/4637/4637.pdf (volume 2)

http://noolaham.net/project/45/4456/4456.pdf (Volume 3)

 

Padre Fernão de Queyroz, S.J. (1617-1688), Conquista temporal e espiritual de Ceylão, em Lisboa no ano … Colombo, H.C. Cottle, Government Printer, Ceylon, 1916.

Online: http://old.rsl.ru/

 

João Ribeiro (1685 – 1693), Fatalidade histórica da Ilha de Ceilão, in Collecção de notícias para a história e geografia das Nações Ultramarinas que vivem nos domínios portuguezes ou lhes são visinhos, Vol. V, 1836, 274 pgs., Lisboa, Academia Real das Sciencias.

Online: http://books.google.com

 

Alan Strathern, Kingship and conversion in sixteenth-century Sri Lanka: Portuguese Imperialism in a Buddhist land. Cambridge: University of Cambridge Oriental Publications, 66, Cambridge University Press, 2007.

 

Alan Strathern, The Conversion of Rulers in Portuguese-Era Sri Lanka, in Re-exploring the Links: History and Constructed Histories between Portugal and Sri Lanka,, org. de Jorge Flores,  Fundação Calouste Gulbenkian, Ed. Harrassowitz Verlag, 2007  ISBN 978-3-447-05490-4, págs. 127 - 143

 

Frei Manoel da Esperança, Historia Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S. Francisco na Província de Portugal, em Lisboa, na officina Craesbeeckiana, 1656-1721, 5 vols. Os 2 primeiros v. são da autoria de Fr. Manuel da Esperança e foram publicados respectivamente em 1656 e 1666 (Inoc. 5, 411). V. 3 a 5 foram escritos por: Fr. Fernando da Soledade. - Lisboa : na officina Manuel, e José Lopes Ferreira

 

Pedro Dias, Portugal e Ceilão: Baluartes, Marfim e Pedraria, Santander Totta, 2006, ISBN 978-989-20-0488-4, 282 pags.

 

Frei Paulo Trindade (1570-1651), Da Conquista Espiritual do Oriente, extracto  in Cadernos Culturais de Telheiras, n.º 1, Agosto de 1991.

 

Frei Paulo da Trindade, Conquista espiritual do Oriente, em que se dá relação de algumas cousas mais notáveis que fizeram os Frades Menores da Santa Província de S. Tomé da India Oriental em a pregação da fé e conversão dos infiéis, em mais de trinta reinos, do Cabo de Boa Esperança até as remotíssimas Ilhas do Japão, introd. e notas de F. Félix Lopes, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1962-1967, 3 vols.

 

K. M. De Silva,  A History of Sri Lanka, Penguin Books India, New Delhi, 2005, 782 págs., Revised and updated edition, ISBN 978-0-14-400015-9

 

Jorge Manuel Flores, Hum curto historia de Ceylan- Quinhentos anos de relações entre Portugal e o Sri Lanka, Fundação Oriente, 2001.

 

Journal of Spielbergen, the first Dutch envoy to Ceylon in 1602, translated by K.D. Paranavitana, The Stichting Nederland – Sri Lanka (Ceylon), The Hague, 1997. ISBN 955-96201-0-X

 

Memórias de um Soldado da Índia, compiladas de um manuscrito português do Museu Britânico, por A. de S.S. da Costa Lobo INCM, 1987, fac simile da edição de 1877 da mesma Imprensa Nacional

 

P.e Fernando Felix Lopes, OFM, "A evangelização de Ceilão desde 1552 a 1602", In STUDIA, N° 20-22, pp. 7 - 73, Abr-Dez. de  1967, IICT, Lisboa.

 

P.E. Pieris, Ceylon and the Portuguese : 1505-1658. London : Luzac, 1920.

Online: www.archive.org

 

Tikiri Abeyasinghe (1929-1985), Portuguese rule in Ceylon,1594-1612, Colombo, Lake House,1966

 

Paul E. Pieris, Ceylon – the Portuguese Era, 2 vols., The Ceylon Historical Journal, Tisara Prakasakayo, Ltd. 2nd edition, 1992, 1983.

1st volume – Online: http://www.noolaham.net/project/38/3761/3761.pdf

2.nd volume –Online: http://www.noolaham.net/project/38/3762/3762.pdf

 

Jorge Manuel Flores, pref. Geneviève Bouchon,  Os portugueses e o mar de Ceilão - trato, diplomacia e guerra, 1498-1543, Lisboa, Edições Cosmos, 1998

 

P.e S.G. Perera, The Jesuits in Ceylon (in the XVI and XVII centuries), De Nobili Press, Madura, 1941

 

Sebastião do Rego, Jose António Ismael Gracias, Vida do Venerável  Padre José Vaz, da Congregação do Oratório de S. Filipe de Néry, Imprensa Nacional de Goa, 1962

 

Incremento e progresso da Religião Catholica em Ceylão, in Archivo Pittoresco, Vols. I-II. 1857-1858, pags. 10-12 e 35-44. É a tradução do folheto “A Sketch of the rise and progress of the Catholic Church in Ceylon” – Colombo, 1848 da autoria do Padre Simon Casie Chitty, S.J.

Online: http://books.google.com

 

Sites:

CIA - https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/ce.html

 

Humphry William Codrington, A short History of Lanka 

Online: http://lakdiva.org/codrington/