8-8-2005

 

CANTIGAS DE SANTA MARIA

 

D. Afonso X

(Espectáculo apresentado na Fundação Gulbenkian em 12-4-2005, pelo Emsemble Micrologus)

 

                                            

15 de Abril de 2005

 

Festa de Santa Maria

 

Manuel Pedro Ferreira

 

 

Um dos maiores e mais ricos monumentos da música medieval é a compilação de Cantigas de Santa Maria que foi levada a cabo na corte de Afonso X, o Sábio, sob o impulso e direcção do próprio Rei de Castela e Leão, projecto que o ocupou até à morte, ocorrida em 1284.



O Ensemble Micrologus, que há anos lhes dedicou um estimulante disco, apresentou-se em Lisboa com um programa largamente inspirado nas Festas de Santa Maria (apêndice à colecção principal), onde couberam também algumas cantigas de louvor, a par de pitorescas narrações de milagres marianos (dois dos quais ocorridos em Portugal).


O programa foi bem estruturado em torno do calendário mariano, pecando por excesso no número de cantigas; sendo algumas destas muito longas, os músicos foram obrigados a cortes drásticos no texto dos poemas. Os cortes são quase inevitáveis neste repertório, mas seria desejável que as narrações de milagres tivessem incluído os próprios milagres, em vez da introdução, de uma ou duas estrofes intermédias e do epílogo; o resultado foi que grande parte das cantigas se tomaram incompreensíveis. Se os conteúdos religiosos pouco foram tomados em conta, a estrutura poética foi também por vezes ignorada, em particular o encavalgamento entre estrofes, em que uma frase começa no final de uma e acaba no início de outra: não faz sentido cantar a segunda sem a primeira.

Atendendo a que o público lisboeta fala basicamente a língua das Cantigas de Santa Maria, dispondo ainda, no programa do concerto, dos respectivos textos poéticos, perdeu-se uma boa oportunidade de explorar essa afinidade - tanto mais que, com uma ou outra excepção, a dicção dos poemas foi muito aceitável, o que é raro neste tipo de grupos.

Já a prestação musical foi excelente. Abra-se um parêntesis para dizer que o espaço do Grande Auditório é muito ingrato para este género de repertório; perdida a tradição, justamente implementada nas defuntas Jornadas de Música Antiga, de conjugar música e espaço histórico, o Micrologus jogou acertadamente na dimensão avantajada (dez elementos) e na variedade tímbrica. Trombetas rectas, charamela, guitarra mourisca, sinos, harpas... solos, coro, estilo responsorial ou antifonal, arranjo polifónico, paralelismo, heterofonia... vozes femininas, vozes masculinas, textura mista... houve de tudo um pouco, com critério, ritmo e economia, reflectindo a experiência e o saber acumulados pelo Ensemble. Ao grande profissionalismo dos instrumentistas (que às vezes se apresentaram também como cantores) juntaram-se vozes seguras, entre as quais se destacaram, a solo, Patrizia Bovi e os tenores Mauro Borgloni e Simone Sorini.

Se o público respondeu com entusiasmo à primeira parte do concerto, algo contemplativa, a segunda, muito mais festiva, levou os ouvintes ao rubro e a um aplauso merecidamente prolongado.

Em Resumo:


Um grupo sólido e inspirador, mas pouco sensível aos textos cantados
 

 

Do programa:

 

 

As Cantigas de Santa Maria e os preciosos códices nos quais estão conservadas são indubitavelmente um dos maiores monumentos da música europeia de todos os tempos.

Ao projecto Cantigas dedicou-se com devoção e energia o Rei Afonso X, o Sábio, como a nenhuma outra das obras culturais que realizou nos anos do seu iluminado reino. Este imenso fresco dedicado à Virgem é corporizado numa composição a vários níveis: os textos poéticos, a música e as imagens dos preciosíssimos manuscritos iluminados, nos quais foram transcritos os louvores a Maria, os seus milagres e trechos de história sacra. Destas considerações, para além da pesquisa musicológica e interpretativa, nasce a ideia deste espectáculo.

Embora não seja certa a função das mais de 400 composições chegadas aos nossos  dias, a partir dos materiais melódicos utilizados, assim como dos diversos níveis poéticos  dos textos, é possível colocar hipóteses, se não um verdadeiro lugar de execução  das Cantigas, uma provável divisão em diversos géneros: épico-lírico, devocional-paralitúrgico  e popular.

 
 

Além disso, cada Cantiga é precedida nos códices por uma didascália que pelo resumo do conteúdo, pela explanação do milagre e, em alguns casos, pela atribuição às Festas da Virgem ou ao ciclo de Nosso Senhor Jesus Cristo, fornecem – aqui com mais directa narração – uma colocação no âmbito de um festividade precisa e de um verdadeiro e próprio ritual (por exemplo, a procissão).

Desta forma, se compreende a opção de organizar o espectáculo em torno de uma espécie de calendário mariano: partindo de uma cantiga onde se dá graças ao Senhor pela criação do mundo, do céu e das estrelas à festa do nascimento de Maria no mês de Setembro, da festa da sua Virgindade, no mês de Dezembro, à Anunciação no Céu com a procissão de 15 de Agosto e assim por diante.

Em torno do calendário, as histórias, os milagres e os louvores: na corte do Rei Sábio, assim como nas igrejas, nas ruas e nas praças da Espanha do século XIII.

E em torno da música e dos textos as imagens dos manuscritos do Escorial e de Florença, quadros pictóricos sobre quadros sonoros, à procura da chave de leitura de um mundo longínquo no tempo, contudo presente na nossa identidade cultural e no nosso imaginário, parte da nossa memória.

 

Ensemble Micrologus

 

 

 

A Idade Média representa, na história da civilização ocidental, um tempo quase  mítico, onde a razão, apenas iluminada por uma fé cega, era inteiramente dominada  por uma profunda crença no divino, no seio de uma sociedade na qual uma Igreja  plenipotenciária ditava as normas de praticamente todos os aspectos da existência.  No entanto, até a própria igreja sofreria algumas mudanças profundas durante o  referido período. As várias catedrais dedicadas a Nossa Senhora, erigidas a partir do  século IX, permanecem ainda hoje testemunhos do gradual destaque que a figura da  Virgem foi ganhando na mente do homem medieval. Assim, o culto até então centrado  na figura de Jesus, mudaria para um teor acentuadamente mariano. A veneração a  Maria, seja enquanto representação suprema da figura da Mãe, seja enquanto Mulher  idealizada, reflectir-se-ia inelutavelmente, sobretudo durante o século XIII, nos vários  aspectos do quotidiano medieval.

Para além da existência de uma extensa iconografia mariana, são várias as obras  literárias também dedicadas a Nossa Senhora. Obras como Los Milagros de Nuestra  Señora de Gonzalo de Berceo, Speculum Historiale de Vicente de Beauvois, Liber  Mariae do teólogo Gil de Zamora e especialmente Les Miracles de Notre Dame, do  monge beneditino Gautier de Coincy, terão servido de inspiração ao monarca castelhano  Afonso X, “O Sábio”, naquela que é a mais significativa e multifacetada produção  artística de toda a Idade Média, tanto no aspecto musical, quanto poético ou  pictórico. As mais de quatrocentas Cantigas de Santa Maria, minuciosamente elaboradas  num scriptorium em Toledo, sob a orientação do referido rei, sensivelmente  entre os anos de 1270-90, constituem um documento de inexcedível valor histórico.  Ao contrário das muitas obras remanescentes, escritas sob o impulso de Afonso X,  todas elas fixadas em castelhano e dedicadas a assuntos tão diversos quanto o Direito,  a Astrologia, a História ou até mesmo os Jogos e Lazeres, as Cantigas de Santa Maria  constituem o único opus escrito em idioma galego-português, considerada naquela  época a língua aristocrática por excelência e a mais apta à poesia, homóloga ibérica  do provençal no espaço galo-românico ou do toscano no domínio italo-românico.  A enorme devoção que Afonso X colocou na preparação das Cantigas de Santa  Maria reflecte-se nos mais variados aspectos desta colectânea. Nas muitas e riquíssimas  miniaturas que acompanham o texto, o rei, ele próprio trovador e autor de várias  das Cantigas, é representado por entre os seus menestréis, cantores, pintores, poetas  e copistas, dando instruções, revendo ou corrigindo, numa palavra, supervisionando  as diversas vertentes deste magno trabalho. Por outro lado, muitos dos poemas  relatam aspectos da sua própria biografia. Atingido por uma doença crónica, ainda na  flor da idade, o rei, na busca desesperada de socorro físico e espiritual, faz incidir toda  a sua devoção à Virgem Maria, dirigindo a ela o seu trovar.

Na Cantiga que serve de prólogo à colecção, Afonso X expõe os seus objectivos  da seguinte forma: “o que quero é dizer louvores à Virgem, Mãe de Nosso Senhor,  Santa Maria [...] e desde agora quero deixar de trovar por outra dama e tento recuperar  nesta quanto perdi nas outras.” Numa outra Cantiga, Afonso relata, na primeira  pessoa, como foi milagrosamente salvo de uma doença súbita e fulminante, apenas  mantendo perto de si um livro contendo as Cantigas. Este tipo de relatos, que constituem  nove décimos das Cantigas, inscrevem-se no conjunto de poemas denominados  cantigas de miragres (cantigas de milagres), nas quais o rei trovador, baseando-se em  lendas europeias, anedotas e situações picarescas, frequentemente herdadas das  tradições orais, nos fornece uma fecunda e realista imagem do quotidiano medieval  nos seus mais multíplices aspectos, tendo sempre como pano de fundo o relato de  milagres por intercepção da Virgem. Ao longo da colecção, organizada em conjuntos  de dez cantigas, a cada nona cantiga de milagres alterna-se uma cantiga de louvor  (cantiga de loor), de carácter mais lírico, em cujos poemas se exaltam as virtudes de  Nossa Senhora. O carácter destas últimas, por vezes processional, reflecte com alguma  frequência a ascendência de formas religiosas como a sequência ou o conductus.

Apesar do uso frequente de uma linguagem coloquial, emprestando-lhes um vincado  cunho de singela e aprazível oralidade, as Cantigas de Santa Maria recorrem a  processos de versificação bastante complexos para a época, afastando-se estes poemas,  em definitivo, da simplicidade estrutural das cantigas de amigo ou de amor ibéricas.  No aspecto rítmico, destaca-se o emprego continuado de metros quinários e  octonários, pouco utilizados na música ocidental, mas frequentes na música árabe.  Aliás, também a matriz poética das Cantigas, no que se refere ao esquema das suas  rimas, este último de grande uniformidade ao longo da colecção, reflecte a forma do  Zajal (um género mouro-andaluz que, sob a influência da música árabe, se desenvolveu  de forma autónoma na Península Ibérica). Este consiste essencialmente na  repetição alternada de um refrão, cujos últimos versos rimam com as coplas que se  lhe seguem, adaptando-se particularmente bem ao esquema do que viria a ser conhecido  como virelai, uma das principais formas musicais da baixa Idade Média, a qual  assiste à esmagadora maioria das Cantigas. A confluência, nas Cantigas, dos referidos  elementos músico-poéticos, levaria mais tarde ao aparecimento do vilancico, género  autóctone ibérico que atingiu enorme popularidade a partir do século XV. Por outro  lado, o recurso frequente a ritmos pontuados nas Cantigas de Santa Maria (algo que  está completamente ausente das restantes tradições musicais trovadorescas  europeias), reflecte uma vez mais o forte elo com a música árabe-andaluz.

Mas a abundância de influências presentes nas Cantigas vai bastante para além  das referidas. É importante lembrar que a corte do rei “Sábio” constituiu sempre refúgio  seguro para intelectuais e artistas de todos os quadrantes. O seu séquito incluía  músicos árabes e judeus, clérigos, menestréis e trovadores, poetas e literatos oriundos  não apenas do espaço ibérico – como, por exemplo, Joan Airas, Pero da Ponte ou  Joan Soares Coelho – mas também da Provença pós-albigense, como o famoso  trovador Guiraut de Riquier, que permaneceu na corte do rei entre os anos de 1269-79.  Não é pois de estranhar que a fértil orbe das Cantigas revele tamanha variedade,  sobrepondo ou combinando, das mais variadas formas, elementos tão díspares quanto  os já citados. Inclusive, muitas das Cantigas são contrafacta de melodias populares  medievais ou até mesmo de hinos litúrgicos aos quais Afonso X adaptou textos  moralizantes.

Um outro aspecto fascinante presente nas Cantigas é o abundante conjunto de  miniaturas que acompanham o texto, cujas imagens contêm informações essenciais  acerca deste magnífico acervo musical. Os dois principais manuscritos – ambos  conservados na Biblioteca do Escorial – de um conjunto de quatro, são o “códice  rico”, assim denominado graças ao requinte estético das suas 1264 miniaturas e o  “códice dos músicos”, contendo 40 miniaturas que representam músicos tocando,  estando estas regularmente distribuídas ao longo do manuscrito e tendo a cada uma  delas associada uma cantiga de louvor. Muito do que actualmente sabemos acerca  das Cantigas de Afonso X, baseia-se nestas pequenas imagens, que ora nos ilustram,  de forma pitoresca, os milagres relatados nos poemas (no caso do “códice rico”), ora  nos mostram músicos afinando os seus instrumentos, recebendo instruções de  Afonso X, cantores exercendo o seu mester, personagens dançando, etc. (“códice dos  músicos”). Foram identificados nestas miniaturas, as quais constituem ainda hoje uma  das melhores pistas quanto à interpretação das Cantigas, cerca de quarenta instrumentos  musicais (flautas transversais e de bisel, alaúdes, rebecas, sanfonas, gaitas de  foles, saltérios, órgãos portativos e positivos, harpas, percussões várias, etc.).

Através dos relatos destas histórias, por vezes permeadas pelo burlesco, outras  de carácter mais dramático, Afonso X transmite-nos uma imagem única sobre a sua  época, os seus problemas, as suas vivências ou os seus medos: uma freira que é  seduzida por um cavaleiro com quem depois foge, narrações de batalhas entre  mouros e cristãos, religiosos em peregrinação a locais santos, menestréis entretendo  os seus senhores, o blasfemo que perde a fala, criminosos que são enforcados, decapitados,  delapidados ou queimados vivos, um homem que atravessa, incólume, o leito  de um rio profundo ou uma mulher que tentada pelo demónio fica prenhe do seu  próprio filho. Em todas elas a Virgem piedosa, perante a prece e o arrependimento  sincero daqueles em aflição, intercede a seu favor, através de soluções milagrosas,  inteiramente verosímeis para as mentes do século XIII.

A beleza das melodias, o seu carácter popular e festivo, fazem com que as  Cantigas de Santa Maria se contem entre as mais atractivas de todo o repertório da  canção monódica medieval. Pela sua coerência interna, unidade temática e estilística,  pela sua amplitude, constituem indiscutivelmente um dos maiores monumentos da  música medieval.

No seu testamento, Afonso X escreveu as seguintes palavras: “Que todos os livros  de cantares de louvor a Santa Maria permaneçam na mesma igreja onde o nosso  corpo for sepultado”. Que, passados oito séculos, possamos experimentar a espantosa  vitalidade que este repertório ainda hoje possui e a mesma alegria que Afonso X  teve ao levar a cabo este espantoso e original projecto, em favor da Arte e Religião, o  qual testemunha a maravilhosa síntese entre o épico, o devocional e o popular.

 

Luís Raimundo

 

 

 

 

Cantigas de Santa Maria de Afonso X de Castela

 

 

Virgen Madre groriosa

 

(Festa da Virgem 2)

 

Esta é de loor de Santa Maria.

 

 

Virgen Madre groriosa,

de Deus filla e esposa,

santa, nobre, preciosa,

quen te loar saberia

     ou podia?

 

Ca Deus que é lum’ e dia,

segund’ a nossa natura

non viramos sa figura

senon por ti, que fust’ alva.

Virgen Madre groriosa...

 

Tu es alva dos alvores,

que faze-los peccadores

que vejan os seus errores

e connoscan sa folia,

     que desvia

d’aver om’ o que devia,

que perdeu por sa loucura

Eva, que tu, Virgen pura,

cobraste porque es alva.

Virgen Madre groriosa...

 

Tu es alva dos mesqos,

que non erren os camos,

a grandes, a pequenos;

ca tu iles mostras a via

     per que ya

o teu Fillo todavia,

que nos sacou da escura

carreira maa e dura

per ti que es nossa alva.

Virgen Madre groriosa...

 

Tu es alva dos culpados,

que cegos por seus pecados

eran; mais alumeados

son per ti, Santa Maria.

     Quen diria,

nen quen osmar poderia

teu ben e ta gran mesura?

Ca sempre en ty atura

Deus a luz ond’ es tu alva.

Virgen Madre groriosa...

 

Tu es alva per que visto

foi o sol, que éste Cristo,

que o mund’ ouve conquisto

e sacado du jazia

     e jaria,

e de que non sairya;

mais Deus por ti da altura

quis de ti, sa creatura,

nacer, e fez de ti alva.

Virgen Madre groriosa...

 

Tu es alva dos que creen

e lume dos que non veen

a Deus, e que por mal ten

o ben per sa bavequia

     d’eresia,

que é maa ousadia,

e Deus non á destes cura;

mais pela ta gran cordura

lles dás lume come alva.

Virgen Madre groriosa...

 

Tu es alva que pareces

ante Deus e escrareces

os ceos, e que mereces

d’averes sa conpania.

     E querria

t’ eu ver con el, ca seria

quito de maa ventura

e metudo na folgura

u es con Deus, u es alva.

Virgen Madre groriosa...

 

 

 

Como podemos a Deus gradeçer

 

(Festa de Jesus Cristo 1)

 

Esta primeira é de com’ el fez o çeo e a terra e o

mar e o sol e a la e as estrelas e toda-las outras

cousas que son, e como fez o ome a sa semellança.

 

Como podemos a Deus gradeçer

quantos bes el por nos foi fazer.

 

Por nos fez el ceo, terra e mar,

ea pera ssi non avia mester;

e quen aquesto creer non quiser,

a piedade de Deus quer negar.

Como podemos a Deus gradeçer...

 

 

De com’ el fez a luz e a criou,

ben semella seu feit’, amigos meus;

pero mas foi u por salva-los seus

o seu lume na Virgen ensserou.

Como podemos a Deus gradeçer...

 

[E] u os ceos fez e estendeu,

ben semella obra de mui gran sen;

mas mayor foi , a queno catar ben,

u por seer ome deles deçendeu.

Como podemos a Deus gradeçer...

 

E u a terra fez, mostrou ben qual

poder avia; mas quen comidir,

por mais terrá u por nos reimiir

andou en ela e sofreu gran mal.

Como podemos a Deus gradeçer...

 

E u a la e o sol qu’ é luz

criou, grand’ obra e mui nobre fez;

pero mais foi u chus negros ca pez

tornaron u por nos pres mort’ en cruz.

Como podemos a Deus gradeçer...

 

E u as estrelas fez, de certo sei

que en faze-las non fillou afan;

pero mais foi u per elas a pran

dos Reis foi aorado por Rey.

Como podemos a Deus gradeçer...

 

E u os peixes, per com aprendi,

criou das aguas, com’ escrito jaz,

gran cousa foi; mas mui mayor assaz

u sobr’ elas andou por nos aqui.

Como podemos a Deus gradeçer...

 

E u as aves, com’ el por ben vyu,

que voassen no aire fazer quis,

muito foi; mas desto vos faço fis

que mais fez por nos u per el subiu.

Como podemos a Deus gradeçer...

 

E u bestias, per com’ o escrito diz,

fez de naturas muitas mais ca mil,

muito foi; pero mais u eno vil

presev’ ontr’ elas jouv’ o mui fiiz.

Como podemos a Deus gradeçer...

 

E u fez ome apost’ e mui bel

a que deu entendiment’ e razon,

muito foi ; pero mais u pres paxon

polo salvar e morte mui cruel.

Como podemos a Deus gradeçer...

 

 

Beneito foi o dia

 

Esta é a primeyra, da nacença de Santa Maria,

que cae no mes de setembro; e começa assi:

 

Beyto foi o dia e benaventurada

a ora que a Virgen Madre de Deus, foi nada.

 

E daquesta naçença falou muit’ Ysay´a,

e prophetando disse que arvor sayria

ben de rayz de Jesse, e que tal fror faria

que do Sant’ Espirito de Deus fosse morada.

Beyto foi o dia e benaventurada...

 

Outros prophetas muitos daquesto profetaron,

e os Evangelistas desta Sennor falaron

com’ era de gran guisa, e dos Reys ar contaron

do linag’ onde viynna esta Sennor onrrada.

Beyto foi o dia e benaventurada...

 

Mas pero de seu padre, que Joachin chamado

foi, e sa madre Anna, direi-vos seu estado:

quanto no mund’ ouveron partiron per recado

que de quanto avian non lles ficava nada.

Beyto foi o dia e benaventurada...

 

Ca Joachin e Anna tal acordo preseron,

que fezeron tres partes de quant’ aver ouveron;

a ha pera pobres, a outra reteveron

pera ssi, a terçeyra ao templ’ era dada.

Beyto foi o dia e benaventurada...

 

Enquant’ esta companna santa assi obrava,

Deus toda-las sas cousas dous tant’ acreçentava;

mais non lles dava fillo, por que coitad’ andava

muit’ end’ ele; mas ela era en mais coitada,

Beyto foi o dia e benaventurada...

 

Porque os rezõavan por malditos as gentes.

E poren fillou ele offertas e presentes

que levass’ ao templo con outros seus parentes;

mas Ruben e Symeon vedaron-ll’ a entrada,

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Que lle disseron logo: «D’ aqui entrar es quito,

Joachin; poren vay-te, pois de Deus es maldito,

que te non quis dar fillo, ca assi é escrito;

porend’ entrar non deves en casa tan sagrada.»

Beito foi o dia e benaventurada...

 

El ouve dest’ enbargo e vergonna tamanna,

que non foi a ssa casa, neno viu sa companna;

mais fillou seus gãados e foi-ss’ aa montanna,

assi que por gran tenpo non fez ali tornada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Anna, quando viu esto, ouvo tan gran despeito

que con coita chorando se deitou en seu leito

e de grado morrera; mas non ll’ouve proveito,

ca Deus pera gran cousa xa tiinna guardada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E ali u jazia gemend’ e sospirando

e sa desaventura a Deus muit’ ementando

de que era sen fillos de Joachin, chorando,

quis Deus que do seu angeo foss’ ela confortada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E disse-lle: «Non temas, Anna, ca Deus oyda

a ta oraçon ouve; e poren sen falida

de teu marido filla averás, que comprida

será de todos bes mais d’outra e preçada.»

Beito foi o dia e benaventurada...

E pois ll’ est’ ouve dito, foi-ss’ o angeo logo

a Joachin, que era metudo no meogo

das grandes montannas, e disse-l[l]’: «Eu te rogo

que tornes a ta casa logo sen alongada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

El, cuidando que era ome, respos-ll’ atanto:

«Com’ irei a mia terra u reçebi quebranto

grand’ entre meus vezinnos, que eu, palo Deus santo,

quisera que a testa me foss’ ante tallada?

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Ca à porta do templo disseron-mi os porteiros,

pois non avia fillos como meus conpanneiros,

non entraria dentro, nen aves nen cordeiros

nen ren de mia offerta non seria fillada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E por esta vergonna e por este dosto

fogi a esta terra, e ei ja assi posto

que nunca atá torne; e eno mes d’agosto

averá ben seis meses que fiz aqui estada

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Entr’ aquestas montannas, que é terra esquiva,

con estes meus gãados; ca mais me val que viva

en logar apartado, que vida mui cativa

fazer entre mias gentes, vergonnos’ e viltada.»

Beito foi o dia e benaventurada...

 

O angeo lle disse: «Eu soon mandadeiro

a ti de Deus do çeo por te fazer certeiro

que de ta moller Anna averás tal erdeiro

e toda a terra será enlumada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E se esto que digo tes por maravilla,

certãaamente cree que te dará Deus filla,

que o que perdeu Eva per ssa gran pecadilla

 

 

Anna, quando viu esto, ouvo tan gran despeito

que con coita chorando se deitou en seu leito

e de grado morrera; mas non ll’ouve proveito,

ca Deus pera gran cousa xa tiinna guardada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E ali u jazia gemend’ e sospirando

e sa desaventura a Deus muit’ ementando

de que era sen fillos de Joachin, chorando,

quis Deus que do seu angeo foss’ ela confortada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E disse-lle: «Non temas, Anna, ca Deus oyda

a ta oraçon ouve; e poren sen falida

de teu marido filla averás, que comprida

será de todos bes mais d’outra e preçada.»

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E pois ll’ est’ ouve dito, foi-ss’ o angeo logo

a Joachin, que era metudo no meogo

das grandes montannas, e disse-l[l]’: «Eu te rogo

que tornes a ta casa logo sen alongada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

El, cuidando que era ome, respos-ll’ atanto:

«Com’ irei a mia terra u reçebi quebranto

grand’ entre meus vezinnos, que eu, palo Deus santo,

quisera que a testa me foss’ ante tallada?

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Ca à porta do templo disseron-mi os porteiros,

pois non avia fillos como meus conpanneiros,

non entraria dentro, nen aves nen cordeiros

nen ren de mia offerta non seria fillada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E por esta vergonna e por este dosto

fogi a esta terra, e ei ja assi posto

que nunca atá torne; e eno mes d’agosto

averá ben seis meses que fiz aqui estada

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Entr’ aquestas montannas, que é terra esquiva,

con estes meus gãados; ca mais me val que viva

en logar apartado, que vida mui cativa

fazer entre mias gentes, vergonnos’ e viltada.»

Beito foi o dia e benaventurada...

 

O angeo lle disse: «Eu soon mandadeiro

a ti de Deus do çeo por te fazer certeiro

que de ta moller Anna averás tal erdeiro

e toda a terra será enlumada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E se esto que digo tes por maravilla,

certãaamente cree que te dará Deus filla,

que o que perdeu Eva per ssa gran pecadilla

cobrar-ss-á per aquesta, que será avogada

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Entre Deus e as gentes que foren pecadores.

Poren vay-te ta via e leixa teus pastores

que guarden teus gãados; ca muito son mayores

de Deus as sas merçees ca ren que foss’ osmada.»

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Quanto Joachin esto oyu, log’ esmorido

caeu e jouv’ en terra fora de seu sentido,

ates que o angeo foi dali partido,

que seus omens o foron erger sen detardada

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E que lle preguntaron logo o que ouvera,

que tal peça en terra esmorido jouvera.

E el contou-lles quant’ o angeo lle dissera;

e eles lle disseron: «De vos ir é guisada

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Cousa, e non passedes de Deus seu mandamento,

e id’ a vossa casa logo sen tardamento;

ca se o non fezerdes, quiçay por escarmento

vos dará Deus tal morte que será mui sõada.»

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Tanto ll’esto mostraron e per tantas razões,

que lles respos chorando: «Pois que vos praz, varões,

farei vosso consello; mais, por Deus, compannões,

guardade-mi os gãados en aquesta mallada.»

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E pois lles esto disse, meteu-ss’ aa carreira

por s’ir pera sa casa veer sa compan[n]eyra,

que o beyto angeo fezera [ja] certeira

que Joachin verria pela porta dourada,

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E que a el saysse reçebe-lo aginna;

ca Deus enas sas coitas porria meezinna

e lle daria filla dele tal que Reynna

seria deste mundo e dos çeos chamada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Quand’ aquest’ oyu Anna, que jazia gemendo

e sospirand’, ergeu-sse e foi alá correndo,

e levou seus parentes sigo, com’ eu aprendo,

ben como se ouvess’ a casar outra vegada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E pois viu seu marido, obridou seus pesares

e con muitas saudes e muitos abraçares

o acolleu mui leda, e pois muitos manjares

lle guisou, e sa casa muy ben encortynnada,

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Na qual aquela noite, est’ é cousa sabuda,

foi na beita Anna, a Virgen conçebuda,

a que pelos prophetas nos fora prometuda

ante que esto fosse mui gran sazon passada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

E logo que foi viva no corpo de sa madre,

foi quita do pecado que Adan, nosso padre,

fezera per consello daquel que, pero ladre

por nos levar consigo, a porta ll’ é serrada

Beito foi o dia e benaventurada...

 

Do inferno. Ca esta lle pos a serradura

e abriu parayso, que per malaventura

serrou nossa madr’ Eva, que con mui gran loucura

comeu daquela fruita que Deus ll’ouve vedada.

Beito foi o dia e benaventurada...

 

 

 

 

O que en coita de morte (Cantiga 245)

 

Como Santa Maria tirou un ome de prijon e o fez

passar un rrio que era mui fondo, e non se mollou.

 

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for,

cham’ a Virgen groriosa, Madre de Nostro Sennor.

 

Ca pola nossa saude prendeu dela carne Deus,

e por nos seermos salvos feze-a sobre los seus

coros dos angeos reynna; e porend’, amigos [meus],

dereit’ é que na gran coita valla ao peccador.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

E sobr’ aquest’ un miragre mui fremoso vos direi

que fez en riba de Limia a Madre do alto Rey,

en San Salvador da Torre, por un om’, e mui ben sey

que averedes fiança

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

Entre Doir’ e Mynn’ avia, no reyno de Portugal,

tal tempo foi, roubadores que fazian muito mal,

escudeyros e peões, cavaleyros outro tal;

aquel que mos roubava, entr’ eles era peor.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

En aquel tempo morava un ome bõo aly

en San Salvador da Torre e, per quant’ eu aprendi,

fazia ben sa fazenda servindo Deus, e des i

avia gran confiança na Madre do Salvador.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

Ali no adro avia ha capela enton

da Santa Virgen, e sempre fazia ssa oraçon

est’ om’ ali ameude, des i mui de coraçon

aquele logar onrrava con muita flemosa fror.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

O ome bõo avia nomeada que aver

avia grand’; e porende os que soyan fazer

mal e rroubavan a terra fórono enton prender

e, mao peccad’, avian de o espeitar sabor.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

Metérono en un barco e passárono alen,

e ano maltragendo que lles déss’ alga ren;

e no castel[o] de Nevia o meteron, e des en

o que o peor julgava tia-ss’ en por mellor.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

 

Muytas vezes açoutado, como contaron a min,

foy, e dizian: «Vilão, oge sseerá ta fin

se nos non dás quant’ ouveres.» E jurou par San Martin

o alcayde que de cuyta o faria soffredor.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

En un temon o alcayde mui fort’ estira-lo fez

e muita da agua fria deitar sobr’ el essa vez,

e o corpo con feridas ja chus negr’ era ca pez,

e o alcayde dizendo: «Don vilão traedor,

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

Dizede que nos daredes, se non, a vossa moller

e os fillos prenderemos.» Ele diss’ enton: «Senner,

mil soldos de leoneses vos darei per quant’ ouver,

ca mais non sõo atrevudo de dar, par Nostro Sennor.»

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

Eles esto non quiseron e fórono açoutar,

se poderian aynda del mais deiros levar;

e pois que o ben feriron, assentaron-ss’ a jantar;

todos a ha fogueyra severon a derredor.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

O ome bõo jazendo en coita mui grand’ assaz,

diss’: «Ay, Virgen groriosa, guarda-m’ oge, se te praz,

daquesta prijon tan forte en que o meu corpo jaz;

nenbre-te se t’ eu serviço fiz que foss’ a ta loor.»

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

E el aquesto dizendo, a dona enton entrou

per meogo do paaço, e cada u a catou;

mais sol falar non poderon, nen ome non ss’abalou

que sse levantar podesse, mais ouveron gran pavor.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

E foi-sse dereitamente, que todos a viron yr,

ao om’ e deslió-o e disse: «Porque se[r]virme

soes na mia capela, poren te vin eu guarir

desta prijon en que jazes tan fort’ e tan sen sabor.»

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

E filló-o pela mão mui manss’ e mui sen affan

e levou-o perant’ eles; e ben creede de pran

que ome non falou nada nen fezeron adaman

sol de ll’ en ele travaren, e perderon a coor.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

E as portas do castelo fortes, com’ aprendi eu,

estavan mui ben fechadas; pero pelo poder seu

daquela que o levava abriron-ss’, e con el deu

na riba do rio Limia e disse: «Meu servidor,

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

Entra no rio e passa a alen, e acharás

as portas do mõesteiro sarradas; mas entrarás

per elas ousadamente e na eygreja marrás

e dirás est’ aos frades todos e ao prior.»

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

El ouv’ espanto do rio, non ousou y meter pe

e diz; «Sennor, muit’ é alto, des i u mais baixo é

á y mais de dez braçadas ou doze, per bõa ffe.»

Diss’ ela: «Faz o que digo e non sejas dultador.»

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

E meteu-ss’ enton a vao en aquel rio medes,

que sol non ouv’ y mollado pe, nen outro dano pres;

e ante que ss’y metesse, disse-ll’ ela enton: «Ves,

de me fazeres serviço averás ma[i]s meu amor.»

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

El, pois’ ouv’ alen passado, ante que vess’ a luz,

entrou dentro na igreja e deitou-ss’ ant’ ha cruz

e ant’ ha majestade da Sennor que nos aduz

quanto de ben nos avemos e nos é deffendedor.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

Entraron enton os frades nas matinas, e tafur

cuidaron enton que era e entrara per algur;

e maravillados eran, ca solament[e] un mur

ali entrar non podia, pero fosse furador.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

E disseron: «Tu que jazes, bon om’ e quen te meteu

en tal logar come este? Ben louco fust’ e sandeu.»

Acordou, e o convento, des que o ben connoceu,

prougue-lle muito con ele. E el foi departidor

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

De quanto ll’ enton vera, e jurou par San Dinis

que sempr’ a Virgen servisse, pois a ela prougu’ e quis

que de mal fosse livrado. E per mi seede fis

que fez pois ben sa fazenda e foy grand’ esmolnador.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

 

O alcaid’ enton de Nevia con sua companna vil

viron que assi perderan o pres’ e os soldos mil,

e que assi ha dona llo levara tan sotilment’,

e viron que a Madre fora do Remiidor.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

Ca ben lles diss’ o convento a todos que a que sol

fazer aos peccadores que façan todos sa prol,

que fez aqueste miragre; poren se teve por fol

cada u, e neun deles non foi depois malfeitor.

O que en coita de morte mui grand’ ou en prijon for...

 

 

 

Muito foi noss’amigo Gabriel

 

(Festa da Virgem 6)

 

De loor de Santa Maria.

 

Muito foi noss’ amigo

Gabriel, quando disse:

«Maria, Deus é tigo.»

 

Muito foi noss’ amigo u diss’: «Ave Maria»

aa Virgen beita, e que Deus prenderia

en ela nossa carne con que pois britaria

o inferno antigo.

Muito foi noss’ amigo...

 

E nunca nos podia ja mayor amizade

mostrar que quand’ adusse mandado, con verdade,

que Deus ome seria pola grand’ omildade

que ouv’ a Virgen sigo.

Muito foi noss’ amigo...

 

Quen viu nunc’ amizade que esta semellasse

en dizer tal mandado per que Deus s’ensserrasse

eno corpo da Virgen e que nos amparasse

do mortal emigo?

Muito foi noss’ amigo...

 

E esto non fezera Deus, sse ante non visse

a bondade da Virgen, que per ela comprisse

quanto nos prometera, segund’ el ante disse;

gran verdade vos digo.

Muito foi noss’ amigo...

 

E Gabriel por esto, o angeo, devemos

amar e onrrar muito, ca per que nos salvemos

este troux’ o mandado, e por que sol non demos

pelo demo un figo.

Muito foi noss’ amigo...

 

 

  

Poys que dos reys (Festa de Jesus Cristo 2)

 

Esta segunda é de como os tres Reis Magos veron

a Beleen aorar a Nostro Sennor Jesu-Cristo e lle

ofereron seus dões.

 

Pois que dos Reys Nostro Sennor

quis de seu linage decer,

con razon lles fez est’ amor

en que lles foi apareçer.

 

Esto foi quand’ en Beleen

de Santa Maria naçeu

e a treze dias des en

aos tres Reys apareçeu,

que cada u per seu sen

ena estrela connoçeu

com’ era Deus Rey; e poren

de longe o foron veer,

Pois que dos Reys Nostro Sennor…

 

Ben das insoas de Sabá

e de Tarsso, que son no mar,

e d’Arabia, u gran gent’ á

e muitas terras de passar.

Mas pero eran lonj’ alá

mui toste os fezo chegar

a Beleen aquel que á

sobre todas cousas poder.

Pois que dos Reys Nostro Sennor…

 

Ena estrela lles mostrou

com’ era om’ e Rey e Deus;

poren cada u lle levou...

oferta dos tesouros seus.

E a estrela os guyou

ate ena terra dos judeus,

u Erodes lles demandou:

«Que vestes aqui fazer?»

Pois que dos Reys Nostro Sennor…

 

Eles responderon-ll’ assi:

«Na estrela vimos que Rey

mui nobre naçera aqui,

Sennor dos judeus e da lei.»

Diss’ Erodes: «Creed’ a mi,

ca bon conssello vos darei:

id’, e pois tornardes des i,

ar y-lo-ei eu connoçer.»

Pois que dos Reys Nostro Sennor…

 

Eles foron-sse logu’ enton

e viron a estrela yr

ante ssi de mui gran randon,

e começárona seguyr;

mas quand’ en Beleen foi, non

ata que entraron u Don

Jesu-Cristo viron seer

Pois que dos Reys Nostro Sennor…

 

Nos braços da que muit’ afan

sofreu con el e muito mal.

E eles logo manaman

deron-lle sa oferta tal:

ouro de que aos reis dan,

encensso por espirital,

mirra de que os mortos van

ungir por nunca podreçer.

Pois que dos Reys Nostro Sennor…

 

Esto, ca non maravidis,

ofereron a Deus los Reys;

porend’ assi os guardar quis

aquele que juntou as leis,

que per sonnos os fez ben fis,

que sonnaron vel cinc’ ou seis

vezes que fossen a Tarssis

passa-lo mar por guareçer.

Pois que dos Reys Nostro Sennor…

 

 

 

Sempre seja beneita (Cantiga 17)

 

Esta é de como Santa Maria guardou de morte a

onrrada dona de Roma a que o demo acusou

pola fazer queimar.

 

Sempre seja beita e loada

Santa Maria, a noss’ avogada.

 

Maravilloso miragre d’oir

vos quer’ eu ora contar sen mentir,

de como fez o diabre fogir

de Roma a Virgen de Deus amada.

Sempre seja beita e loada...

 

En Roma foi, ja ouve tal sazon,

que ha dona mui de coraçon

amou a Madre de Deus; mas enton

soffreu que fosse do demo tentada.

Sempre seja beita e loada...

 

A dona mui bon marido perdeu,

e con pesar del per poucas morreu;

mas mal conorto dun fillo prendeu

que del avia, que a fez prennada.

Sempre seja beita e loada...

 

A dona, pois que prenne se sentiu,

gran pesar ouve; mas depois pariu

un fill’, e u a nengu non viu

mató-o dentr’ en sa cas’ ensserrada.

Sempre seja beita e loada...

 

En aquel tenpo o demo mayor

tornou-ss’ en forma d’ ome sabedor,

e mostrando-sse por devador,

o Emperador lle fez dar soldada.

Sempre seja beita e loada...

 

E ontr’ o al que soub’ adevyar,

foy o feito da dona mesturar;

e disse que llo queria provar,

en tal que fosse log’ ela queimada.

Sempre seja beita e loada...

 

E pero ll’ o Emperador dizer

oyu, ja per ren non llo quis creer;

mas fez a dona ante ssi trager,

e ela vo ben aconpannada.

Sempre seja beita e loada...

 

Poi-lo Emperador chamar m[a]ndou

a dona, logo o dem’ ar chamou,

que lle foi dizer per quanto passou,

de que foi ela mui maravillada.

Sempre seja beita e loada...

 

O Emperador lle disse: «Moller

bõa, de responder vos é mester.»

«O ben», diss’ ela, «se prazo ouver

en que eu possa seer conssellada.»

Sempre seja beita e loada...

 

O emperador lles pos praz’ atal:

«D’oj’a tres dias, u non aja al,

venna provar o maestr’ este mal;

se non, a testa lle seja tallada.»

Sempre seja beita e loada...

 

A bõa dona se foi ben dali

a un’ eigreja, per quant’ aprendi,

de Santa Maria, e diss’ assi:

«Sennor, acorre a tua coitada.»

Sempre seja beita e loada...

 

Santa Maria lle diss’: «Est’ affan

e esta coita que tu ás de pran

faz o maestre; mas mos que can

o ten en vil, e sei ben esforçada.»

Sempre seja beita e loada...

 

A bõa dona sen niun desden

ant’ o Emperador aque-a ven;

mas o demo enton per nulla ren

nona connoceu nen lle disse nada.

Sempre seja beita e loada...

 

Diss’ o Emperador: «Par San Martin,

maestre, mui pret’ é a vossa fin.»

Mas foi-ss’ o demo e fez-ll’ o bocin,

e derribou do teit’ ha braçada.

Sempre seja beita e loada...

 

 

 

 

Quen aos servos da Virgen (Cantiga 95)

 

Como Santa Maria livrou un seu hermitan de

prijon dus mouros que o levavan a alen mar, e

nunca se poderon yr ata que o leixaron.

 

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa

de lles fazer, non quer ela que esto ren valla.

 

Desto direy un miragre que ha vegada

demostrou a Santa Virgen benaventurada

por un conde d’Alemanna, que ouve leixada

sa terra e foi fazer en Portugal morada

encima da hermida, preto da salgada

agua do mar, u cuidou a viver sen baralla.

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

El Cond’ Abran foi aqueste, de mui santa vida,

que fez mui gran pedenç’ en aquela hermida

servind’ a Santa Maria, a Sennor comprida

de todo ben, que aos seus sempre dá guarida,

ca a ssa mui gran merece nunca é falida

a quanto-la ben serviren, assi é sen falla.

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

Aquel sant’ ome vivia ali apartado,

que nunca carne comia nen pan nen bocado

senon quando con cisa era mesturado,

e d’ ele ja bever vinno non era penssado;

mas pero algas vezes fillava pescado,

que dava sen aver en deyro nen mealla.

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

E macar ll’ alguen por esto deiros queria

dar ou algus presentes, sol nonos prendia;

mais o que de comer era adubar fazia

pera as gentes que vian y en romaria,

ca ele os convidava e os recebia,

con que lles parava mesa en branca toalla.

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

El atal vida fazend’ en aquela montanna,

estand’ un dia pescando com’ era ssa manna,

chegaron ali navios de mouros, conpanna

que ben d’Africa veran por correr Espanna,

e fillárono aginna e con mui gran sanna

deron con el no navio, oy mais Deus lle valla!

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

E pois est’ ouveron feito, fezeron gran guerra,

rouband’ en mar quant’ achavan e saynd’ a terra,

e quiseran-ss’ ir con todo. Mas a que non erra

d’ acorrer a seus amigos nen lles porta serra

os fez que sse non poderon alongar da serra,

ca lles non valeu bon vento quant’ é ha palla,

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

Con que movian de rrijo aos treus alçados;

e quanto toda a noite eran alongados

da pena, ena mannaa y eran tornados;

est’ avo per tres noites aos malfadados.

E quando aquesto viron, foron espantados

e chamaron Mafomete, o fillo d’ Abdalla.

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

Mais o almiral dos mouros era entendudo,

que nom’ Arrendaff’ avia, e ome sisudo,

e nenbrou-lle daquel ome que fora metudo

ena sota da galea e y ascondudo,

e teve que por est’ era seu feyto perdudo

e diss’: «Amigos, fol éste quen a Deus contralla.»

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

E mandó-o tirar fora e pos-ll’ our’ e prata

deant’, e panos de seda, outros d’ escarlata,

e mandou que os fillasse come de ravata,

dizendo: «Do que te pagas», de ssu os ata.»

Mais desto non fillou ren e, ben come quen cata

por pouco, fillou un vidro de mui bela talla.

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

E o almiral enton preguntou que om’ era,

ou de fillar aquel vidro, porque o fezera.

E el lles contou enton qual vida mantevera

des quand’ en aquel’ ermida a morar vera;

mais de fillar aquel vidro muito lle prouguera,

e que al non fillaria do seu nemigalla.

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

E eles, quand’ est’ oyron, fora o poseron

en aquel logar mesmo onde o preseron,

e que non ouvesse medo assi lle disseron.

Tan tost’ alçaron sas veas, e bon vent’ ouveron

e foron ssa via que sol non se deteveron,

fendend’ as ondas per meo ben come navalla.

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

Estas novas pela terra foron mui sõadas,

e gentes de todas partes foron y juntadas,

e a Santa Maria loores poren dadas;

mais el Cond’ Abran acharon pois muitas vegadas

mouros que correr vian con barcas armadas,

e non lle fezeron mal, d’ atant’ ouv’ avantalla.

Quen aos servos da Virgen de mal se traballa...

 

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