6-8-2001
ARTUR SANTOS SILVA
(N. 22-5-1941)
Pode ver um dossier do Expresso sobre a Família Santos Silva, aqui
Um Cidadão Exigente
PÚBLICO
Domingo,
6 de Maio de 2001
Artur Eduardo Brochado dos
Santos Silva nasceu no Porto a 22 de Maio de 1941. Hoje é a cara do Banco
Português de Investimento, a que preside desde a sua fundação, em 1985, como
Sociedade Portuguesa de Investimentos. Acumula as funções de banqueiro com as
de docente da cadeira de Moeda e Crédito da Universidade Católica do Porto.
Passa ainda em 1985 pela Stanford University, nos EUA, onde participa no
Stanford Executive Program.
Aos 22 anos licencia-se em
Direito pela Universidade de Coimbra. Em 1968 é director do Banco Português do
Atlântico, onde permanece até 1975, ano em que é designado secretário de
Estado do Tesouro do VI Governo Provisório. Dois anos depois entra para o Banco
de Portugal como vice-governador. Ainda na década de 70, participa na SEDES. É
um dos fundadores do PPD, juntamente com Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto
Balsemão, Miguel Veiga, entre outros, e o seu próprio pai, que também se
chamava Artur Santos Silva. Ligado à Fundação de Serralves, foi o primeiro
presidente da sociedade Porto Capital da Cultura 2001, de onde saiu em confronto
com o ex-ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho. Em 1986 recebeu, em Paris, a
"Ordre National du Mérite", e em 1991 é condecorado com a Ordem de Mérito
Civil. Considera a integração de Portugal na Europa um factor essencial para o
desenvolvimento do país e defende que as elites portuguesas devem ser
"mais pró-activas". Sobre o futuro, afirma que deseja um Portugal
"mais próspero, mais educado, mais organizado, mais competitivo e mais
equilibrado".
C.F.
O País na encruzilhada - V
"Os Políticos Têm Que Reforçar
a Sua Credibilidade"
PÚBLICO
Domingo, 6 de Maio de 2001
Entrevista com
Artur Santos Silva
Portugal vive um momento de
"viragem" e se a gestão de expectativas dos cidadãos não for bem
conduzida, o país corre o risco de "cair num pessimismo derrotista e
paralisante". A advertência do banqueiro Artur Santos Silva tem destinatários
bem identificados: os responsáveis e as instituições políticas nacionais. A
resposta aos desafios do país, diz Santos Silva, passa por um discurso
credibilizante dos poderes, por um critério mais apurado do recrutamento da
classe política e dos altos cargos da administração e por uma reforma
profunda do Estado. Uma entrevista de Cristina Ferreira (textos) e Dulce
Fernandes (fotografias).
PÚBLICO - Em 1975/76 ocupou a pasta de secretário
de Estado do Tesouro no sexto Governo provisório, quando Salgado Zenha era
ministro das Finanças. Que modelo de país pensava construir?
ARTUR SANTOS SILVA - Em
Setembro de 1975, a minha grande preocupação era a de não se perder a
oportunidade de construir um quadro democrático para Portugal. Tínhamos vivido
um período excessivamente longo num quadro ditatorial e retrógrado. À queda
do regime seguiu-se uma brusca mutação social, económica e política. Quando
fui para o Governo, a clarificação que se fizera no quadro político-militar
ajudara a criar a convicção de que Portugal iria assistir de forma irreversível
à transferência do poder político-militar para um poder político
democraticamente legitimado através de eleições.
Quais eram então as
tarefas prioritárias?
Tinha duas preocupações:
resolver os problemas mais imediatos de financiamento do desequilíbrio cambial
e conseguir que os bancos portugueses nacionalizados deixassem de ser geridos
segundo critérios políticos e limitados a uma função de "caixa" do
país, concedendo créditos sem qualquer racionalidade económica. Para ter crédito,
bastava apresentar uma folha de salários ou facturas de fornecedores a pagar.
Nesse sentido, preparou-se uma lei-quadro, criando condições para que os
bancos fossem geridos com autonomia de decisão.
E no plano cambial?
O país estava com as
reservas quase esgotadas, não conseguindo mobilizar quaisquer empréstimos
externos, nem mesmo no Bank of International Settlements - o banco dos bancos
centrais - com penhor das reservas de ouro. Graças a uma intervenção de
Salgado Zenha junto do chanceler Schmidt, conseguiu-se um empréstimo no
Bundesbank que evitou a ruptura cambial. E decidimos ainda não vender as
reservas de ouro para financiar o défice externo - o Banco de Portugal era então
o 10.º detentor de reservas de ouro em todo o mundo -, por se entender que uma
tal decisão só devia ser tomada por um Governo legitimado por eleições.
Vinte e cinco anos
depois, as contas externas continuam desequilibradas...
É importante ter presente
um facto muitas vezes esquecido: a nossa balança comercial é estruturalmente
deficitária; isso não é de hoje, é de sempre e não foi corrigido ao longo
das duas últimas décadas. O equilíbrio da balança de transacções correntes
foi sendo conseguido através das transferências do exterior, como as remessas
dos emigrantes e, agora, os fundos europeus, acompanhadas pelas receitas do
turismo. Portanto, qualquer alteração relevante dos termos de troca,
independente da nossa vontade e da nossa acção, reflecte-se imediatamente no
equilíbrio externo da economia e impõe ajustamentos. Neste momento, o desequilíbrio
externo não tem as consequências que teve nos anos 70 e 80, porque estamos no
euro.
Como banqueiro, a situação
não o preocupa?
A deterioração das contas
externas reflecte, em qualquer caso, a perda de competitividade da nossa
economia, o que é grave e exige políticas correctivas, diferentes das receitas
do passado. Por outro lado, algumas das medidas anteriormente adoptadas, ao nível
das políticas cambial e monetária - como a desvalorização administrativa do
escudo, o aumento unilateral das taxas de juro ou a fixação de "plafonds"
de crédito - não podem sequer ser aplicadas, dada a nossa participação na
União Monetária. Importa recordar que no passado enfrentámos os choques do
petróleo com a maior lucidez e determinação, com medidas de política económica
muito duras e difíceis de absorver no plano social. E no final de 1979 o défice
externo tinha já desaparecido!
O que é que mudou na
vida dos portugueses desde a entrada na UE?
Recuperou-se a autoconfiança
e alteraram-se os nossos padrões de consumo. Portugal tinha das mais altas
taxas de poupança do mundo e, de repente, os portugueses começaram a
preocupar-se menos com o seu futuro, valorizando mais o bem-estar imediato, o
que lhes permitiu caminhar para padrões de consumo próximos dos europeus.
Neste momento, estamos a viver um momento marcado por uma clara deterioração
das expectativas, determinada em parte pela conjuntura, mas também por uma
avaliação mais realista dos nossos problemas mais profundos e das exigências
que eles nos colocam. É preciso saber gerir esta viragem, no plano político,
económico e até psicológico, para não se cair num pessimismo derrotista e
paralisante.
Como é que se consegue?
É fundamental que as
pessoas que ocupam funções políticas, quer no Governo, quer no Parlamento,
quer nas autarquias, sejam da melhor qualidade. É por isso que o Estado tem de
ter condições mínimas para competir na selecção dos melhores - e a distância
criada nos últimos anos em relação aos sectores mais dinâmicos da sociedade
estabeleceu nesse aspecto uma diferença excessiva, um abismo que não é saudável.
É evidente que o Estado não pode nem tem de nivelar as suas remunerações
pelo sector privado, mas há referências mínimas que têm de ser asseguradas,
para garantir selectividade, mérito, qualidade, dignidade e independência. E o
mesmo direi da Magistratura, porque é um poder de essencial importância em
qualquer sociedade.
Os discursos partidários
são cada vez mais indiferenciados. Acha que é uma das razões para a
desconfiança que o cidadão hoje sente em relação aos decisores políticos?
Parece-me claro, pelo menos,
que a desconfiança é grande e aumentou. É imperioso melhorar a qualidade e o
funcionamento das instituições políticas. E os políticos têm que reforçar
a sua credibilidade junto da população, estejam no Governo ou na oposição.
Os governantes têm que ser mais mobilizadores, cumprindo o que prometem,
mostrando que têm uma visão clara das prioridades, prestando contas dos
resultados. As oposições têm que ter mais iniciativa, maior capacidade de
estabelecer alternativas. Há que descentralizar o poder político, para o que
também é necessário reforçar a capacidade de resposta do poder autárquico.
Temos que melhorar de forma significativa a credibilidade de todo o sistema político,
tendo em conta, entre outros dados novos, que o poder dos políticos nacionais,
ao nível central, é hoje menor, no quadro da UE, dada a crescente
supranacionalização de um conjunto de políticas decisivas.
Que soluções defende?
Não existem soluções
absolutas. Mas há um conjunto de medidas, uma estratégia, um processo. Julgo
que um dos pontos de partida terá de ser a revalorização do papel da política
e dos políticos, devolvendo à função o seu prestígio. Para isso é preciso
valorizar o mérito e recuperar a capacidade para seleccionar os melhores; e, no
caso da administração pública, é preciso recuperar o prestígio social
relativo dos altos cargos do Estado, crescentemente desvalorizados em relação
às actividades privadas. Em síntese: é fundamental que a política e os
cargos públicos possam ser uma alternativa para os mais capazes e, com isso,
melhorar a qualidade do seu desempenho. Uma das condições prévias é melhorar
a remuneração destas funções, de acordo com as elevadas responsabilidades
que lhes são inerentes e com a dignidade que lhes deve ser atribuída.
A remuneração é uma
condição fundamental, mas não deve ser a única...
Não, não é uma condição
fundamental. É apenas uma pré-condição, um pressuposto. E não devemos ter
medo de falar nisto. Criou-se uma inibição demagógica em relação a este
aspecto pragmático básico, mas sem remunerações adequadas não podemos
melhorar de forma sustentada a qualidade da classe política e dos altos quadros
da administração pública, que não pode viver apenas da abnegação e do espírito
de missão de algumas pessoas de grande qualidade que felizmente ainda vamos
encontrando nessas funções.
Como é que se moraliza a
acção política sem uma maior transparência nos financiamentos partidários?
Deve haver uma transparência
total na forma como os partidos são financiados. Julgo que os países anglo-saxónicos
e nórdicos são, nesta matéria, bons exemplos a seguir. Mas este problema não
é apenas português.
Está a pensar nos escândalos
registados em França e na Alemanha?
Sim, entre outros. Mas o que
agora se está a passar em França, com carácter mais espectacular, é pura
corrupção pessoal. Podemos também olhar para os perdões do ex-presidente
Clinton: na véspera da sua saída da Casa Branca, é acusado pela opinião pública
de ter favorecido, com a concessão do perdão de penas, quem ajudou a financiar
o Partido Democrático. Voltando a Portugal e à sua pergunta sobre a
credibilização da política, parece-me que uma condição decisiva é o
desenvolvimento de uma reforma séria e profunda da administração pública,
que reconcilie progressivamente o cidadão com o Estado.
Pode concretizar melhor?
A chamada "sociedade de
informação" pode dar uma ajuda decisiva que permita avanços
significativos na produtividade e na qualidade de vários sectores. Sabemos que
o poder judicial não é eficiente, que o sistema de saúde, apesar das
melhorias infra-estruturais e da elevada qualidade de muitos profissionais, não
funciona bem e desperdiça recursos, que o sistema educativo consegue produzir
uma elite de bons quadros, mas é caro e muito insatisfatório para a grande
massa dos estudantes, em todos os escalões, que o sistema fiscal é injusto e
desequilibrado. Em conjunto, estas deficiências representam um grande obstáculo
ao desenvolvimento e uma grande limitação à igualdade de oportunidades que o
Estado deveria ajudar a assegurar.
Por que razão os
partidos não resolvem o problema dos financiamentos?
Porque não têm querido.
Recordo uma tentativa séria para dar transparência ao financiamento da parte
de Vítor Constâncio quando era secretário-geral do Partido Socialista. Mas a
iniciativa não gerou apoios para ser aprovada no Parlamento.
Jorge
Sampaio defendeu recentemente mais financiamento do Estado aos partidos e às
campanhas eleitorais e maior fiscalização das suas contas. Concorda?
Sim. Mas é um problema que
se coloca a três níveis. Um primeiro aspecto é a independência dos partidos
em relação ao poder e a interesses económicos. Mas isto só será amplamente
atingido se os partidos forem financiados com receitas obtidas de forma
generalizada junto dos seus militantes e ainda por via de dotações anuais do
Estado, dependentes, naturalmente, do peso eleitoral de cada partido. A solução
está já em vigor, mas exigiria um significativo reforço financeiro. Um
segundo aspecto diz respeito à transparência dos financiamentos. O que é que
eu quero dizer com isto? Que as contas anuais dos partidos deveriam ser sujeitas
a parecer de auditores externos independentes e devidamente publicadas. Só
contas transparentes, rigorosas e publicadas a tempo justificam apoios do
Estado. Mas se legalmente for consagrada a possibilidade de os partidos serem
financiados por empresas e pessoas físicas, estes deviam publicar a relação
nominal das contribuições recebidas.
Pode desenvolver este último
ponto?
As empresas deveriam
especificar nos seus relatórios anuais os montantes concedidos a partidos e os
respectivos beneficiários. De igual modo, as pessoas físicas deviam indicar
nas suas declarações de impostos as despesas com donativos a partidos,
anexando os respectivos recibos, os quais dentro de certos limites deveriam ser
abatidos à matéria colectável. Julgo ainda importante realçar o seguinte: as
despesas dos partidos deveriam privilegiar os custos da sua organização e
estrutura adequadas, quer contactando, esclarecendo e mobilizando os militantes
e simpatizantes, quer ainda diagnosticando os problemas do país e identificando
as melhores soluções para os resolver.
Como é que avalia as
campanhas eleitorais?
Deveriam centrar-se mais na informação e esclarecimento dos eleitores do que na realização de eventos como espectáculos, que servem, sobretudo, para alimentar o ego das máquinas partidárias. E nesta matéria acho mesmo que os partidos deveriam, pedagogicamente, demonstrar como se gerem racionalmente dinheiros públicos.
Artur Santos Silva afirma que a convergência com
a UE depende da modernização do Estado
"É Preciso Defender Os
Interesses Nacionais"
Por CRISTINA FERREIRA
PÚBLICO
Segunda-feira,
7 de Maio de 2001
O país continua a braços com
problemas de fundo cuja resolução é cada vez mais urgente, atendendo à
perspectiva de diminuição dos fundos da UE e ao alargamento ao Leste.
Portugal, como os outros Estados europeus, continua a ter interesses específicos
que deve defender.
Os desafios que
Portugal enfrentará no quadro europeu serão muito maiores do que até aqui, na
opinião de Artur Santos Silva, razão por que considera haver pela frente uma
tarefa árdua para dar um salto na estrutura competitiva do país. Além de
reformas na administração pública, o actual presidente do BPI considera também
desejável que surja mais iniciativa no mundo empresarial e apela aos jovens
para que assumam mais riscos.
Santos Silva
considera que os actuais problemas de fundo do país são antigos e têm sido
afastados das prioridades governativas por serem difíceis de resolver e porque
as suas soluções são em parte impopulares a curto prazo e demoram tempo a
gerar efeitos positivos duradouros, e diz que, no contexto actual, a sua resolução
se tornou muito mais urgente. Subscreve também a ideia de que, mesmo com a
integração europeia, é necessário ter uma estratégia nacional e continuar a
defender os interesses nacionais, chamando mesmo a atenção para que todos os
outros Estados da UE mantêm esta preocupação.
Na primeira parte
desta entrevista (ver edição de ontem), Santos Silva falou, entre outros
assuntos, da sua experiência no Sexto Governo Provisório, onde foi secretário
de Estado do Tesouro, do actual desequilíbrio das contas externas e da crise de
confiança que o país atravessa. Defende também a necessidade de revalorizar o
papel da política e dos políticos, o que considera passar pela melhoria da
remuneração dessas funções.
PÚBLICO - Como
banqueiro, como perspectiva a evolução de Portugal nos próximos anos?
ARTUR SANTOS SILVA
- Daqui para a frente as exigências, no quadro europeu, serão muito maiores.
Temos de trabalhar arduamente para melhorar as condições estruturais da
competitividade do país. Temos um problema global de produtividade e qualificação
dos recursos humanos, que não é de hoje, temos um problema de insuficiente
autonomia da sociedade civil e que também não é de hoje. É preciso
estabelecer estratégias claras, persistentes, para responder a estes problemas
e isso, como procurei acentuar, passa mais do que nunca pela modernização do
Estado e da administração, entendida num sentido lato. Insisto: é preciso
melhorar muito, nos próximos anos, a administração da Justiça, a eficácia e
a eficiência do sistema educativo, é necessária uma reforma profunda do
sistema fiscal, é imperioso administrar melhor os recursos públicos. Sem isto,
não conseguiremos dar novos passos relevantes no caminho da convergência real
com a União Europeia e valorizar a nossa posição relativa como país.
R - A partir
daqui, o progresso será mais difícil e exigirá um maior esforço reformador.
Seria desejável, também, que na área empresarial surgisse mais iniciativa,
com uma nova geração de empresários, como aconteceu nos EUA na década de 90.
Os mais jovens, com alguma experiência profissional, devem assumir mais riscos,
devem ser mais inconformistas.
R - Acha que se
decreta? Não. É consequência de um processo. É preciso criar condições
para mudar o modo como a opinião das pessoas se forma. Dos docentes aos
criadores culturais, aos políticos e aos "media". Esses exemplos terão
um efeito de demonstração e de consciencialização colectiva decisivos.
P - Apesar da
evolução favorável registada nos últimos anos, no tecido produtivo estamos a
perder terreno. O que deve ser feito para minorar a situação?
R - Julgo que
enunciei, em termos gerais, o sentido da mudança necessária. Só o Governo
pode tomar a iniciativa em relação às reformas de fundo, que deverão criar,
a prazo, novas condições de crescimento e competitividade, que dificilmente
podem ser alcançadas, hoje, através da intervenção directa no tecido
produtivo. Entretanto, é muito importante ter o maior rigor na gestão do curto
prazo, para não termos, uma vez mais, de nos afastar do essencial, em nome de
urgências imediatas. O Governo precisa de ganhar mais credibilidade para
conduzir o país nesta direcção.
P - No sector
económico existe uma grande dependência das orientações emanadas do Governo.
Foram dados ao mercado sinais sobre o caminho que Portugal deve seguir?
R - O problema não
está em dar sinais, está em fazer. Nunca convencemos ninguém dizendo, mas
fazendo. Um político que promete, tem que cumprir. A única maneira de
credibilizar é realizar, e realizar o melhor possível. E aí tem que haver
mais determinação e melhores resultados. É isto que cria um primeiro estado
de confiança. E não podemos esquecer que vivemos um momento de mudança muito
exigente, ao nível mundial.
R - Prefiro dizer
que o Governo tem que fazer mais e muito melhor.
P - O Governo
dispõe dos ministros certos para iniciar as tais grandes reformas?
R - O Governo tem
um líder que é o primeiro-ministro. E é o primeiro-ministro que tem de
assumir que só ele pode e deve liderar essa mudança.
P - E não
estamos já atrasados para impor reformas estruturais?
R - As reformas
estruturais não podem ser tratadas como uma cartilha ou uma mezinha. Os
problemas de fundo que hoje enfrentamos são muito antigos e têm sido
sistematicamente afastados da primeira linha de prioridades porque são difíceis
de resolver e porque as soluções são em parte impopulares a curto prazo e
demoram tempo a gerar efeitos positivos duradouros. Creio, porém, que agora se
tornaram muito mais urgentes. Julgo que, nos tempos mais recentes, nunca a
reforma do Estado foi tão crucial para darmos um salto qualitativo nas nossas
condições de desenvolvimento. Nestes termos, estamos evidentemente muito
atrasados, até porque, como disse, muitas das reformas necessárias só geram
benefícios a prazo. E convém não esquecer que até 2006 beneficiaremos de um
terceiro Quadro Comunitário de Apoio provavelmente irrepetível.
P - Há quem
defenda que um projecto nacional numa Europa unificada deixou de fazer sentido.
Concorda?
R - Não.
Portugal, como as outras nações e Estados europeus, tem e continuará a ter
interesses próprios, que deve defender. É evidente que a partilha de soberania
explicitamente assumida no desenvolvimento do processo de supranacionalização
determina novas formas de definição, afirmação e defesa desses interesses,
mas aí reside precisamente, para cada país, o ponto fulcral do desafio da
integração.
R - O plano
empresarial é exactamente um dos domínios de aplicação dessa estratégia. É
preciso defender os interesses nacionais no contexto das regras da União, o que
por vezes implica equilíbrios difíceis. Mas basta olhar em volta para ver que
não há um só Estado da União, em particular os grandes, que não tenha esta
preocupação. Temos de considerar, neste quadro, o interesse do país e das
empresas, sem esquecer o quadro de poder relativo em que nos situamos. No plano
empresarial deveremos ter uma estratégia nacional, quer no espaço europeu,
quer no espaço ibérico, quer lusófono ou latino-americano. Nesse domínio, a
Espanha, dispondo de outra dimensão e de outras elites, não tendo passado pela
destruição empresarial que marcou o nosso processo revolucionário, conseguiu
nestes últimos dez anos fazer um percurso excepcional. Primeiro, foi a
consolidação na UE e a entrada no euro. Depois - ou melhor, entretanto -
desenvolveu uma estratégia própria de afirmação externa, apostando nos seus
laços históricos e culturais com a América Latina, onde ocupou posições
fundamentais. Portugal seguiu um caminho em parte coincidente, com muito menos
meios e muito maiores fragilidades, mas apesar de tudo conseguiram-se resultados
em relação ao Brasil, sem comparação com qualquer período anterior.
P - A Irlanda,
a Holanda e a Espanha nunca esconderam os seus projectos nacionais numa
perspectiva de médio e longo prazo. Em Portugal, o tema "nacional" é
ainda "politicamente incorrecto"...
R - Portugal está
é mais desarmado para desenvolver uma estratégia activa de integração do que
os países que refere. Pela sua dimensão, pela situação geográfica, pela
insuficiente profundidade da sua revolução industrial, por ter saído muito
recentemente de um ciclo imperial de cinco séculos, pela desagregação da
estrutura empresarial imposta pela revolução. E, no caso de Espanha, não nos
devemos esquecer que tem sobre Portugal uma enorme vantagem, a de não ter
passado por uma revolução, mas sim por uma "reforma". Portanto,
nunca as suas estruturas produtivas foram desmanteladas. Em Portugal, para
muitos, partiu-se há 20 anos do nada. A Espanha dispõe ainda de um mercado
interno com massa crítica para criar um processo de desenvolvimento de dentro
para fora. Para concluir, digo: existe hoje em Portugal uma insuficiente
correspondência entre a identidade nacional, forte e clara, e a vontade
nacional, que um país tem de ter para afirmar a sua independência, agora
necessariamente sob novas formas.
P - Como
banqueiro, como viu a decisão irlandesa de apostar numa estratégia contraditória
com algumas orientações de Bruxelas?
R - Ao contrário
do que muitas vezes se diz, a integração europeia deixa ainda aos Estados um
importante campo de escolhas alternativas neste domínio. Dito isto, é certo
que a Irlanda conheceu um grande sucesso, com um crescimento económico muito
acima da média da UE, acompanhado por uma situação muito sólida ao nível
das finanças públicas. Em consequência desse diferencial de crescimento,
geraram-se tensões inflacionistas que terão de ser controladas, e essa é a única
sombra da conjuntura irlandesa no quadro do euro. Mas, apesar do inquestionável
mérito da Irlanda, deve dizer-se que alguns dos elementos essenciais da sua
estratégia são específicos e difíceis de reproduzir noutros contextos. O que
deve servir de exemplo na Irlanda é a vontade e capacidade de desenvolver uma
estratégia vencedora, não acomodatícia, ajustada às suas circunstâncias.
P - Numa
economia de mercado, que papel deve o Estado desempenhar no sector económico?
R - O papel do
Estado deve ser essencialmente regulador. Não vejo vantagens em que o Estado
exerça a actividade empresarial em termos estáveis e permanentes, por uma
questão de eficiência económica e sem qualquer preconceito ideológico.
R - Compreendo
que, neste período de acentuada mudança no sector financeiro, a CGD se
mantenha sob controlo do Estado. Mas não vejo motivos para que não se faça
uma privatização parcial, que permitiria reduzir o condicionamento político a
que está necessariamente sujeita a sua gestão.
P - Para
acorrerem a despesas correntes, acha os governos do PS e do PSD capazes de
resistir à venda da totalidade do capital?
R - Não me
identifico com os pressupostos da sua pergunta. A privatização parcial nem
implica nem impede a privatização total. Trata-se de uma decisão política. E
repito: neste momento compreendo a posição de não privatizar. E até nem
estamos sozinhos, porque o peso da banca pública é ainda muito relevante em
Espanha, na França e na Alemanha.
R - Nesse caso não
vejo o interesse do Estado em ter o que quer que seja no sector.
P - Sendo um
sector com peso crescente, faz-lhe confusão que a PT possa ficar sob controlo
da Telefónica?
R - É verdade que
se trata de um sector muito importante, com grande impacto na vida de todos nós.
Por isso me parece desejável que se criem condições para que o centro de
interesses accionistas da PT seja nacional, o que não impõe, necessariamente,
que o Estado seja accionista.
P - Ao promover
a entrada de privados nacionais em certos sectores, o Governo deve impor
contrapartidas?
R - Não vejo como
o pode fazer. A gestão desta articulação, para ser eficaz, exige hoje
mecanismos mais complexos e subtis. Não é fácil, mas muitas vezes é possível.
Já foi mais fácil, já foi mais possível e, neste domínio, já se perderam
definitivamente algumas oportunidades.
P - Segundo as
regras de mercado, uma empresa pode ser adquirida por accionistas de qualquer
parte do mundo. Como é que se garante o interesse nacional?
R - O Estado nunca
poderá garantir que uma empresa cotada em bolsa não seja adquirida, mesmo no
caso do lançamento de uma OPA por estrangeiros. Mas se permanecer como
accionista único e não privatizar, dificilmente poderá assegurar devidamente
as condições de crescimento e competitividade dessa empresa.
R - O Governo
francês organizou núcleos duros franceses a par da colocação de acções no
mercado. Mas as entidades que integraram os núcleos duros mais tarde ficaram
livres de defender, como entenderam, os interesses das suas posições
accionistas. Mas hoje já não seria possível privatizar como a França o fez.
Já não pode haver discriminação a favor de interesses nacionais. Mas, como
disse, considero positivo fazer todos os esforços para que os centros de decisão
das principais empresas portuguesas permaneçam em Portugal, desde que isso não
ponha em causa as condições de competitividade e racionalidade económica.
P - O BPI tem
como accionista de referência a mútua espanhola La Caixa, que funciona como
braço financeiro da Catalunha. Também acha que este grupo não funciona
segundo as regras de mercado?
R - Penso que sim,
que funciona. Mas para que isso aconteça é preciso assegurar sempre a
qualidade e as condições de independência da gestão. O que o Estado ou as
instituições públicas não devem fazer é actuar no desrespeito pelas
melhores práticas do mercado.
R - Parece-me
muito importante, por razões históricas, para equilibrar a relação com o
continente europeu e porque julgo que se trata de uma oportunidade efectiva.
Estar no Brasil é, desde já, muito importante. Será muito importante estar
também em Angola, com maior evidência, logo que as circunstâncias internas o
permitam. E não pode esquecer-se Moçambique, que está a fazer um esforço notável,
após a recessão estrutural que conheceu com a guerra e apesar dos trágicos
impactos das cheias dos últimos dois anos.
R - Sim. Angola e
Moçambique estão ainda a atravessar processos complexos de estabilização,
que dependem também, em larga escala, da evolução da África do Sul.
P - Que papel
pode desempenhar a banca portuguesa nos mercados de língua oficial portuguesa?
R - No que
respeita aos países africanos, qualitativamente o mesmo que teve na modernização
do sistema económico português. No Brasil é, obviamente, diferente. Os
principais bancos são grandes, fortes e modernos, geridos de acordo com os
melhores padrões internacionais. O que temos a fazer é estabelecer com eles
parcerias, como tem acontecido.
P - Podem os
bancos participar numa estratégia de integração de Portugal nesses mercados?
R - Sem dúvida e
já o vêm fazendo, quer em Moçambique, quer em Angola e, em muito menor
medida, na Guiné e em Cabo Verde.
R - Não digo como
o vejo, mas como o desejo: um país mais próspero, mais educado, mais
organizado, mais competitivo e mais equilibrado.
Alargamento
Tem Sido Tratado com Superficialidade
PÚBLICO
Segunda-feira, 7 de Maio de 2001
O alargamento ao Leste é visto como desejável por Artur Santos Silva,
que no entanto alerta para "o grau de superficialidade" com que o
assunto tem sido tratado em Portugal, atendendo à capacidade competitiva que
antevê para esses países. Quanto ao modelo europeu mais desejável para o país,
fala de confederalismo. E pensa que o Tratado de Nice não originou uma
"Europa alemã" ou um "directório dos grandes países".
PÚBLICO - Como é que a Europa vai evoluir depois
da Cimeira de Nice? Está pessimista?
ARTUR
SANTOS SILVA - Não estou seguro de que Nice tenha estabelecido um ponto de
viragem tão claro no processo de construção europeia como se ouve dizer. É
certo que se deram sinais e passos importantes no que respeita à chamada
"arquitectura institucional" e à estrutura do poder relativo dos
Estados, mas nada do que aconteceu pode considerar-se inesperado. Consagrou-se
"de jure" um aumento do poder relativo da Alemanha unificada, que já
existia "de facto", e daí resultou uma imagem demasiado definitiva
sobre a evolução futura da União.
R
- Não quero minimizar a nova realidade, mas parece-me que não saiu de Nice, no
plano institucional, uma "Europa alemã" ou um "directório dos
grandes países", como se tem ouvido dizer.
P
- Mas sendo a Alemanha o país mais populoso e com a maior economia da UE, não
é de esperar que deseje assumir novo protagonismo?
R
- Admito que se possam encontrar, na argumentação e nas soluções, sinais
preocupantes, que tendem a pôr em causa a "comunidade de iguais" que
a União Europeia tem sido. Também não saiu de Nice uma linha de rumo inequívoca
para o ajustamento profundo que a União Europeia terá de fazer para acomodar
os novos alargamentos. A hesitação entre a pulsão dita federalista e o modelo
intergovernamental, que marca, há anos, o debate intra-europeu, não ficou a
meu ver clarificada. Mas, seja qual for o modelo, há ainda um longo caminho a
percorrer para tornar credível a hipótese de uma União com 20 ou 25 países e
com um grau de heterogeneidade muito superior ao actual.
P
- Não disse ainda qual era o modelo europeu mais favorável aos interesses de
Portugal...
R
- Em tese, para um país mais pequeno, será preferível um modelo de integração
em que o poder relativo dos Estados se possa tornar proporcionalmente superior
à sua dimensão. Por isso, e em princípio, Portugal - único país da União
com um só vizinho, e um só vizinho muito mais poderoso - terá vantagem em
diluir essa relação num contexto multilateral, de tipo confederal, em
detrimento de um modelo de maior pendor intergovernamental. Mas gostava de
sublinhar que esta dicotomia é obviamente uma simplificação, para poder
responder brevemente a uma pergunta tão aberta.
P
- Estudos indicam que o alargamento ao Leste vai desencadear um fenómeno migratório
envolvendo cerca de 3,5 milhões de pessoas. Como encara este desafio?
R
- Parece-me desejável - além de inevitável - o alargamento ao Leste, para
podermos ter, a prazo, uma Europa mais forte. Porém, é inquestionável que os
países da Europa Central e do Leste, dispondo de um grau de educação muito
superior, assim que tiverem meios financeiros, um sistema económico mais
racional e um sistema democrático mais maduro, irão ganhar outra capacidade
competitiva internacional, com consequências para Portugal.
R
- É mais um motivo para não nos atrasarmos e para prepararmos com a devida
antecedência as novas condições. Surpreende-me, aliás, o grau de
superficialidade com que este tema tem sido tratado entre nós. Não há um
estudo suficientemente profundo sobre a o alargamento e os seus efeitos, nem uma
reflexão séria sobre as respostas estratégicas alternativas, nas diversas
dimensões em que esta questão se exprime.
P
- Existe, ou não, uma contradição entre não dar nenhuma importância às
economias nacionais e dar toda às regiões europeias?
R
- Não me parece. A noção de "região", no contexto europeu,
corresponde precisamente à definição de unidades geoeconómicas
transfronteiriças, que põem em causa os conceitos e os limites inerentes aos
sistemas económicos definidos pelos territórios dos Estados-nação.
P
- A Coesão Económica e Social é uma das coordenadas fundamentais da UE. Em
Portugal tem-se procurado uma maior coesão pela mera transferência de verbas.
Como é que se quebra o ciclo da subsídio-dependência?
R
- Não subscrevo o balanço implícito na sua pergunta. Todavia, reconheço a
discutível prioridade de alguns projectos e a dependência de subsídios em
alguns sectores. Mas o problema não é de hoje. Os 15 anos de participação na
União Europeia representaram para Portugal um importante salto qualitativo. Foi
uma boa opção, com resultados que não teríamos alcançado de outro modo e
que nos permitiram sair de um ciclo de empobrecimento perigoso. Ora, a transferência
de verbas comunitárias é um direito de Portugal como Estado-membro, exige
contrapartidas financeiras nacionais e é mesmo, em termos relativos, inferior
em relação a outros países da União, alguns com maiores índices de riqueza.
P
- A falta de dinamismo da economia portuguesa resulta da dependência de subsídios
comunitários?
R
- Essas verbas comunitárias permitiram acelerar uma modernização
infra-estrutural indispensável, mas ainda insuficiente para podermos aspirar a
níveis de competitividade superiores. Dito isto, é preciso investir com a
maior eficiência e racionalidade possíveis, com uma criteriosa organização
de prioridades e uma visão estratégica clara, para criar as condições de
desenvolvimento sustentado que refere.
P
- Portugal vai deixar de receber, em 2006, fundos comunitários ao ritmo actual.
Como é que a nossa economia reagirá?
R
- É por isso que o problema não são as verbas, mas a qualidade do trabalho de
casa... É o que é fundamental. Além do mais porque é preciso preparar a
tempo a economia e a sociedade para um cenário de transferências relativas
mais reduzidas, à medida que Portugal se aproxime da média da União e que o
alargamento comunitário venha tornar mais difícil o acesso aos fundos
europeus. Numa imagem feliz, que cito de cor, o deputado Manuel Alegre disse em
1985, na sessão em que a Assembleia da República aprovou o Tratado de Adesão,
que Portugal encerrava ali o ciclo imperial e precisava agora de "descobrir
as Índias de dentro", numa alusão aos desafios de desenvolvimento que a
integração europeia nos colocava. Parece-me uma bela síntese.
01-09-2002
"Ficaremos pior se não soubermos reagir aos desafios"