5-1-2016

 

A origem do nome da cidade de Tondela

 

 

Desde há muitos anos (ou mesmo desde há séculos) se diz em Tondela que a origem do nome da cidade está numa lenda segundo a qual havia uma mulher que se postava no cimo de um monte para vigiar os movimentos dos mouros; ao avistar o perigo, tocava uma trompa e ao “tom dela”, juntava-se o povo para enfrentar o inimigo (Wikipedia).

Há bastante tempo que tenho reflectido sobre o assunto e parece-me que Tondela vem directamente do nome da povoação vizinha, Tonda. O sufixo latino –ela significa mais pequeno e assim seria uma Tonda mais pequena.

Fui consultar o livro A Terra de Besteiros e o actual Concelho de Tondela, de Amadeu Ferraz de Carvalho (nova edição preparada por António Manuel Pelicano Matoso Martinho) e afinal ele diz a mesma coisa: Tondela é um diminutivo de Tonda (pag. 94). Mas nada acrescenta sobre o assunto. 

Ora um pouco de história pode explicar-nos melhor a coisa.

Em 1708, chamava-se ainda o concelho “de Besteiros”. A Casa da Câmara e a cadeia estavam em Tondela, mas a casa da Audiência (onde despachava o Juiz) e o Pelourinho estavam ainda em Molelos. Nesta altura, Tondela tinha já 270 vizinhos (isto é, fogos, incluindo provavelmente Molelos) e Tonda, apenas, 134. Mas no século anterior, ainda a sede do concelho de Besteiros era Molelos .

Tondela desenvolveu-se depois da construção da Estrada Real n.º 8, de Coimbra a Viseu, ainda no séc. XVII. Foi então construída a ponte de Fail e provavelmente um pontão para atravessar o Dinha que precedeu a actual ponte que vem do final do séc. XIX.  Outro impulso ao desenvolvimento, foram,  em meados do séc. XIX, o  alargamento dessa estrada, bem como a construção da estrada n.º 45, de Aveiro a Tondela.

A Igreja da Vila era a de Nossa Senhora do Carmo, uma vez que a Matriz actual só foi construída em 1889. Nas Memórias Paroquiais de 1732, o Pároco, Padre Silvério Pereira Teles, diz que a Igreja Paroquial existe ali desde há duzentos anos, antes havia outra mais para os lados do Rio Dinha, ("Adros Velhos, onde o pároco tinha os passais") que fora depois demolida.

O Cadastro de 1527 não menciona Tondela nem a Ermida, apenas o Carvalhal. Porém, as Inquirições de D. Afonso III, de 1258, indicam Tonda e a seguir Tondela, assinalando, porém, bastante maior número de propriedades rústicas para a primeira. 

Tudo isto sugere que Tondela era por alturas do séc. XIII uma pequena povoação junto do Rio Dinha e só mais tarde é que se desenvolveu para junto da Estrada Real que teria mais ou menos o mesmo percurso que tem hoje a estrada que atravessa a cidade.  Seria até mais pequena que Tonda e daí o nome Tondela. Foi vila com foral manuelino de 14 de Julho de 1515, tendo a sua sede em Molelos, e, mais tarde, passou para Tondela.

Por ironia, outro diminutivo (-inha) este bem português, deu origem ao nome Tondelinha, da freguesia de Orgens, concelho de Viseu.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

Amadeu Ferraz de Carvalho, A terra de Besteiros e o actual concelho de Tondela: esboço histórico e toponímico, Nova ed. dirigida por António Manuel Pelicano Matoso Martinho, Tondela, Câmara Municipal, 1981.

 

Padre António Carvalho da Costa (1650 – 1715), Corografia portugueza e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal, 3 vols., Lisboa, na Off. de Valentim da Costa Deslandes, 1706-1712.

Online: http://purl.pt/434

Online: http://books.google.com

 

António Manuel Matoso Martinho, A Igreja Matriz de Tondela – resenha histórica, in Cadernos de Cultura Dom Jaime, Câmara Municipal de Tondela, ano VI, n.º 6, Junho de 2008.

Online: https://www.yumpu.com/pt/document/view/12759055/a-igreja-matriz-de-tondela-paroquia-de-santa-maria-de-

 

José Viriato Capela e Henrique Matos, As freguesias do distrito de Viseu nas memórias Paroquiais de 1758, Memórias, História e Património, Braga, 2010, ISBN 978-972-98662-5-8

 

 

 

 

MEMÓRIAS PAROQUIAIS - 1732

 

 

 

Tondela

Reitoria

Padroado/Apresentação: Sé de Viseu (o Prelado)

Bispado de Viseu

Concelho de Besteiros da vila de Tondela. Comarca de Viseu

 

Vila de Tondela. Como esta vila é uma das principais terras do concelho de Besteiros, cabeça dele, por ela começarei a descrever as particularidades e requissos que se procuram. Não cuidarei do estilo pois só em escrever verdade será todo o meu cuidado, sem que seja preciso na fala parecer suspeitoso, porque quem tiver notícia de que escrevi conhecerá a verdade com que falo. E seguindo a ordem dos interrogatórios digo assim. Primeiramente está esta vila na Província da Beira, três léguas abaixo de Viseu, e é do bispado e comarca dele e termo e cabeça do concelho de Besteiros, digo cabeça, assim por ser povoação maior como por ter casa de Câmara dela se determinarem todas as coisas pertencentes ao bom governo do concelho que é grande, assim na extensão pois compreende dezasseis freguesias, como na entenção pela muita gente que nele há. E as freguesias que compreende são as seguintes: Boa Aldeia, Caparrosa, Vilar, Silvares, São Tiago, Santa Eulália, Castelões, Barreiro. Todas estas ficam nas abas da serra do Caramulo, excepto Silvares que fica no cimo dela. E se vão estendendo por hum vale abaixo que tem duas léguas de comprido. E todo este país é muito ameno, pelas muitas águas que tem e abundante de pão e vinho, como de boas frutas e com especialidade das de espinho de que é bem provido aquele vale. Tem casas ricas e também famílias nobres. As mais freguesias ficam para esta parte de vila a que dividem um rio a que chamam do Coelhoso. E são as seguintes, Molelos, Nandufe, Tondela, Tonda, Erdavaz, Lobão, Mosteiro e a maior parte da de Canas. Todas estas estão situadas em um agradável território e abundante também de todo o género de frutos e frutas e de muitas nobres casas e ricas. E todas estas freguesias governam dois juízes ordinários, feitos por eleição do concelho, como também o são os vereadores e procurador a que vem presidir o corregedor da comarca. E tudo isto se faz na casa da Câmara desta vila que não tem donatário, nem o concelho.

A vila tem de fogos 191 e está situada em hum aprazível vale a que cercam alguns pequenos oiteiros, mas tão agradáveis que a variedade das plantas que têm e frutas que produzem fazem o pais mais vistoso e juntamente provido. E além deste bom provimento que tem concorre a ela a vender muitas frutas de varias partes do concelho e outros mais géneros, excepto pão, vinho e azeite que tudo na vila se lavra em abundância, sendo muito maior a do vinho, pois pela boa saída que tem com o novo comércio dos ingleses, todos cuidam muito na boa cultura e acrescentamento de quintais. Também é provida de fazendas secas por haver nela muitos contratadores assim da terra, como de fora, e tudo tem bom consumo, não só por a ela se virem prover os povos circunvizinhos, mas também por ser uma estrada pública de contínuas passagens de gente para diversas partes do Reino. Tem também duas partidas de médico a que El Rei dá 60000 réis de partido, tem boas casas e muito ricas e asseadas por delas terem saído cónegos, abades, priores e cronistas e também 4 desembargadores e algumas freiras e muitos deles religiosos […] casas famílias um por apelido de Pereira Telles e a outra de Figueiredo e Loureiros e em tudo nobre de seu trato. Tem a vila duas torres, uma na praça pegada nas casas da Câmara em que está o relógio, a qual também divide duas fortes cadeias, uma para homens e para mulheres outra e outra na igreja em que estão os sinos. Tem mais três fontes de cantaria e não tem mais particularidade do que serem boas as suas águas. O seu clima é sadio e os arrabaldes vistosos por várias partes de que se acha circuitada a vila.

A igreja está no meio dela e haverá duzentos anos que para aí se [mudou] e até esse tempo estava fora dela em o sitio que hoje chama o Adro Vedro, adonde o pároco tem os passais. Nesse tempo era abadia, hoje é reitoria que apresenta o Prelado ao pároco e dá a renda de 15.000 réis e alguns anos mais. E este também apresenta o cura da igreja de S. Pedro de Molelos dando também os seus menezes. A freguesia compreende além da vila mais dois lugares, Carvalhal e Ermida, tudo tem de fogos 262. O seu orago é Santa Maria de Besteiros donde foram aqueles celebres infanções de que trata o Pegas no 7 tom., p. 370, cujos privilégios e honras anoto aqui por se acharem nele julgados por sentença do Juízo de Feitos da Coroa da cidade de Lisboa no ano de 1486 e sobeja deles a opinião de alguns apaixonados que querem dizer desta S. Maria de Besteiros onde fala o mesmo Pegas, e dão por ser também de S. Maria o seu orago, porém este seu fundamento é frívolo porquanto o Guardão é hum pequeno lugar que fica no meio da serra do Caramulo e não é de presumir que em terra tão áspera habitassem os infanções, sendo netos de reis e filhos dos infantes-mores nem em este sitio se observam os mais leves vestígios de casas em qual pudessem habitar, quanto mais que S. Maria de Guardão é comenda de Tonda e não é de Reguengo. E nesta vila há uma família a qual descende de hum trineto do Infante D. Luis, o que consta de papéis antigos que disso tem. E sobretudo se colhe mais a certeza do que diz […] que vindo o Senhor Dom Antonio, de Lamego passara por S. Maria de Besteiros e daí passando por Nagosela e Treixedo fora tornou a Lorvão com os monges que ainda nesse tempo era convento de frades. E tomando o caminho por estas […] e estrada direita que trazia e mal poderia vir por elas se viera por S. Maria do Guardão. E a tudo isto clarefaz o foral e papeis do concelho, se tudo em um incêndio se não queimasse. E tenho respondido […] dos que dizem o contrário que não há mais fundamento do que o da sua paixão. E tenho por […] dos sobreditos infanções habitavam nesta vila de que é orago S. Maria de Besteiros e o pároco lhe faz a sua festa a 15 de Agosto dia de Nossa Senhora da Assunção. E tem uma formosa imagem de vulto bem esculpida na tribuna da capela mor. E esta tem um vistoso e bem dourado retábulo sobre cujo altar em um relicário está o sacramento e de cada parte duas imagens devotas de S. Caetano e S. Sebastião e do arco da capela mor para baixo estão mais 4 altares, a saber, um da parte direita, encostado ao arco donde está sobre uma pirâmide no meio do retábulo que está muito dourado uma grande imagem de Nossa Senhora do Rosário em cada uma das bandas em seu nicho o Baptista e S. Catarina e o outro está metido em um lado da igreja, debaixo de um arco que se fez na parede em cujo retábulo está uma prodigiosa imagem que é Senhora do Carmo […] e de Nossa Senhora dos Milagres, está outro […] debaixo do qual está o altar de S. Antonio e tem hum moderno retábulo em que sobre duas pirâmides está uma dita imagem do Santo e em cada uma das bandas está S. Brás e o Evangelista João Marco, e está outro altar com retábulo de pedra ançã em que está uma devota imagem de hum Cristo Crucificado. Tem mais esta igreja três irmandades, uma de clérigos de que é padroeira Nossa Senhora da Assunção e lhe fazem uma grande festa no último dia de seu oitavário. É esta irmandade muito caritativa e tem por estatuto socorrer outros clérigos que caírem em pobreza e também estando doentes assistir-lhes em todo o necessário. Tem outra do Carmo e todos os terceiros Domingos do ano, aonde se lhe canta a Ladainha e se lhe faz também procissão e no seu dia uma solene festa e nele indulgência plenária e de Espirito Santo outra. E suposto que esta tem capela a parte adonde se lhe faz do seu dia a sua festa, contudo os mais funções do oficio se fazem na igreja e dela saem duas procissões que fazem os irmãos, a saber, Domingo da Paixão e dos Passos e Sexta Feira Santa e do Enterro. Também se faz outra nesta igreja, que é Quinta Feira do Corpo de Deus adonde tem obrigação assistir a Câmara e as cruzes, clérigos de suas freguesias. Tem mais a vila dentro em si três capelas, uma de particular com a invocação de S. António e tem dele uma boa imagem e de uma [que tem o Senhor, eles são] de jaspe e de outra S. Ana, São José e São Joaquim, aquela é do Espirito Santo. E tem dele uma grande e formosa imagem e uma [que está] S. Eufémia e de outra Nossa Senhora dos Remédios. Tem mais do alto para baixo dois altares, um que está São Paio e outro S. Antam e outra é do Calvário, adonde se recolhe a procissão dos Passos e é o seu orago Santa Cruz. E no seu dia se lhe faz a festa, é muito frequentada de gente esta capela pela grande devoção move uma grande e devota imagem do Senhor Morto que está debaixo do altar. Tem mais outra, fora da vila, particular de S. Cornélio frequentada também de muita gente, principalmente de maleitosos e levando-lhe uma ponta de um boi conseguem muitas melhoras. Tem mais a freguesia três, duas no Carvalhal, uma de S. Sebastião que é do povo e outra particular de S. Pedro e outra na ermida de S. Silvestre. E logo na freguesia de S. Pedro de Molelos pegada nesta, está uma de S. Luzia, romagem de grande concurso por todos os segundos Domingos do ano haver ali hum grande mercado e no seu dia três dias de feira franca, é muito bem provida de todos os géneros que se procuram e muito mais abundante de [grãos]. Junto a esta freguesia está outra em hum alto monte que é de Nossa Senhora da Esperança, adonde de presente se anda fazendo hum convento de anacoretas do Carmo, e já lá habitam sete e com leigos, porém a Religião do Carmo lhe põem ali confessor e pregador. Esta capela todos os Domingos e dias santos é muito frequentada de gente de várias partes pela grande devoção que tem à dita Senhora e se vão fazendo as obras com as esmolas que para ali concorrem. E esta capela é da freguesia de Mouraz e a dotaram os tais anacoretas para nela fundarem o convento, mas sempre com obrigação de conservarem uma irmandade que ali tem. E no dia que se lhe faz a sua festa que é a seis de Agosto, também lá há feira e esta abundante de bons pêssegos e melancias. Também pouco distante da mesma freguesia, fora do lugar de S. Ovaia está outra capela de S. Maria Madalena, muito antiga e nela se acha uma pedra com hum letreiro que diz Eulaliduus de tradição que aquele território foi habitação de mouros e ainda hoje se acham por debaixo da terra em certos sítios muitas pedras de cantaria e com tanta abundância e grandeza que deles se fazem varias obras e muitos […] lavradas com arte. Estas são as que se acham nos arrabaldes do meu distrito, e das mais que há no concelho […] das mais cousas dele não falo por tocar isto aqueles que sei se acham com a mesma incumbência de escrevê-las. E não falo também da serra do Caramulo que desta vila dista uma légua [e meia] e ai também que outro escritor dela há-de dar conta e só agora passo a dar a que falta que é a do rio.

Tem este o seu nascimento na serra do Caramulo por cima de Caparrosa e correndo por espaço de hum quarto de légua não tem mais nome que de hum pobre regato, até que juntando-se com outros que de diversas partes manam da mesma serra, passa já de pobre regato a hum pequeno rio a que chamam o Paul e até junto ao lugar da Reguenga conserva este nome, com uma légua de distância do seu nascimento. E sendo ali já mais crescidas as suas correntes pelos vários regatos e nascentes que se lhe juntam toma outro nome a que chamam o Dinha e o conserva por espaço de duas léguas e meia que se mete por baixo de [Ferreiras] em o Dão donde o perde.

Este rio que corre pelas faldas desta vila deixando-a muito fertilizada com suas águas de uma e outra parte quase tudo são regadas. E desde onde toma o nome até donde o perde hão 26 rodas de moinhos, sete lagares de azeite, três boas pontes de pedra e duas de pão e todas [termo] desta vila. Tem uma grande de pedra, dois lagares de azeite e quinze rodas de moinhos que todas moem de Verão, pois não é tão pobre de cabedais o rio que não conserve bastantes para Estio. As suas margens são vistosas e agradáveis por correr por sítio plano e aprazível e por isso não é muito violenta a sua corrente que é do Poente para o Nascente. E ao pé dele está muitas árvores silvestres e tem parreiras que dão muito vinho, tem cinco levadas e é abundante de peixe e quotidianamente anda nele pescando e dá bons barbos e boas bogas e também algumas enguias e nas sobreditas levadas se fazem de Verão muito boas pescarias. E é livre a todos o uso de pescar nele.

Estas são as notícias que em suma recopilei de 28 laudas de papel do que tenho escrito sobre o que se procura e remetido a D. Francisco de Almeida, que me pediu quisesse tomar por minha conta a sobredita diligência, donde se achara lá tudo com mais estendida clareza e verdade.

Tondela e de Agosto 26 de 1732.

Silvério Pereira Teles.

 

Referências documentais:

 

IAN/TT, Memórias Paroquiais, vol. 43, memória 440, fls. 323-326.

 

NOTA: Segui a transcrição de José Viriato Capela e Henrique Matos, modificando algumas palavras e actualizando a ortografia.