2-11-2018
Como os 
Inquisidores tratavam os Réus que consideravam inocentes 
	1.
	Quando os 
	Inquisidores se convenciam que o preso estava inocente, não 
	o libertavam. Pelo contrário, levavam-no ao tormento. Se nada confessasse no tormento, 
	consideravam que tinha provado estar inocente. Dizia-se então que purgava as suas culpas com o tormento. 
	 
Esta norma não 
consta dos Regulamentos, mas sim do Manual dos Inquisidores, impresso em francês 
em Lisboa em 1762: 
Le Manuel des Inquisiteurs à l’usage des Inquisitions d'Espagne et de Portugal
Lorsqu’un 
Accusé 
a supporté 
la question 
 
(isto 
é, o 
tormento) 
sans rien avouer, l’Inquisiteur 
doit lui donner la liberté 
par une Sentence qui portera 
qu’après 
un examen soigneux de son procès, 
on n’a 
rien trouvé 
de légitimement 
prouvé 
contre lui sur le crime dont on l’avait 
accusé. 
Portanto, o Réu 
era libertado, mas a Inquisição 
queria que tivesse para toda a vida uma lembrança 
da sua passagem pela Inquisição, 
ficando muitas vezes aleijado para toda a vida, encurtada pelo sofrimento e 
pelas doenças 
resultantes dos tratos. 
Isto não 
bastou aos autores do Regimento de 1640 que no Artigo XIII do Título 
XIII do Livro II, determinam: 
Assento 
do tormento
XIII. Quando se 
assentar que o réu 
seja posto a tormento, ou pelo crime não 
estar provado, ou pelas diminuições 
de sua confissão, 
no assento se tratará 
somente do grau de tormento que há-de 
ter, e se dirá 
que seja a juízo 
do Médico e Cirurgião, 
e arbítrio 
dos Inquisidores; e que depois de satisfeito a ele se tornará 
a ver o processo em Mesa, para se despachar em final; e não 
se votará 
então 
sobre a resolução 
que se há-de tomar, depois de executado o tormento, nem se votará 
em tal tormento que por ele se purgue toda a suspeita, que houver contra o réu, 
antes se terá 
sempre respeito a que fique lugar para a abjuração 
que deve fazer.
Significa esta 
norma:
Que em termos práticos, ainda que o tormento tenha purgado as faltas o Réu tem 
de ter uma pena nem que seja a abjuração. Aliás diz duas coisas: 
- que na sentença do tormento não se pode decidir logo que pelo tormento se 
purgue toda a suspeita;
- que apesar de purgada a falta muito ou pouco deve ter lugar sempre a 
abjuração. 
É esta a única norma que fala de purgar as suspeitas pelo tormento.
Na prática, quando o tormento tinha a função de purgar as faltas entendo eu que o 
Réu era despachado sem ir à presença dos Inquisidores já que as consequências do 
potro o impediam de assinar o nome (neste caso na abjuração)
 por uns bons três meses ou mais - os 
próprios processos o dizem – “não assina por não poder”. Foi o caso do Dr. 
Simão Lopes Samuda - Pr. n.º 2784 - e de Mariana Morales Penso – Pr. n.º 8413 - a filha de 
Fernão Rodrigues Penso – Pr. n.º 2332
“MENINA E MOÇA: A PENÚLTIMA VÍTIMA CRISTÃ-NOVA ASSASSINADA PELA INQUISIÇÃO PORTUGUESA, ÉVORA, 31 DE AGOSTO DE 1760” e está nas páginas 213 a 262 do livro mencionado.
O texto está 
bem documentado, a partir do estudo dos dois processos que o Autor consultou. 
Referir-me-ei apenas ao processo de Genovefa. 
Genovefa ou Genoveva 
(no registo) foi baptizada em 1 de Setembro de 
1737 na Igreja Matriz da Vila de Sousel conforme está 
registado a fls. 87 do livro de registo dos Baptismos da Paróquia. 
Foi filha de António 
Pacheco da Silveira e de sua mulher Josefa Maria. Foi presa em 18-7-1752 e 
garroteada no 
Auto da Fé 
de 31-8-1760.
Apenas escaparam 
à Inquisição 
os três 
irmãos 
mais novos de Genovefa: Veríssimo, António e Jorge. Pela Inquisição 
passaram, além de Genovefa, os pais e os três 
irmãos 
mais velhos: 
Pais
António 
Pacheco da Silveira 
– Pr. n.º 6882 
– 
AdF de 23-7-1752 
- 56 anos 
– n.º 
12 
Josefa Maria - Pr. n.
º 7387 - AdF de 23-7-1752 - 48 anos – n.º 22
Filhos
Hip
ólito Pacheco - Pr. n.º 8552 – 21 anos – AdF de 27-4-1755 – n.º 7Inoc
êncio Pacheco da Silveira – 26 anos - não aparece o processo – AdF de 20-6-1756 - n.º 28Venceslau Pacheco
– Pr. n.º 4503 – 22 anos – AdF de 25-9-1757 – n.º 18
O artigo acima mencionado descreve em detalhe as andan
ças do processo. Foram libertados com penas não muito pesadas todos os membros da família com excepção da pobre Genovefa ou Genoveva que foi relaxada.De facto, todos confessaram o seu credo na doutrina judaica e acusaram amigos e parentes, incluindo a pr
ópria Genovefa. Esta nada confessou nem acusou ninguém.Seguindo a praxe da Inquisi
ção, só foi ao patíbulo em 31 de Agosto de 1760, depois de completar 22 anos, apesar de ter sido condenada à morte por Assento do Conselho Geral de 27 de Outubro de 1758.Salta
à vista a extrema ferocidade do Conselho Geral. A Mesa da Inquisição de Évora concluíra pela inocência da Ré no Assento da Mesa de 11 de Agosto de 1758 e propusera que fosse submetida a tormento donde sairia “absolvida” (embora aleijada) se nada confessasse nos termos do Manual dos Inquisidores. De facto as culpas que lhe assacavam eram anuladas por coarctadas, isto é, alibis, pois provou-se que a Ré não se encontrava nos locais indicados na data em que lhe davam as culpas.O Conselho Geral n
ão concordou nem avançou justificação para a decisão da condenação à morte. A Ré foi entregue ao algoz.