2-4-2014

 

 

Padre Manuel Lopes de Carvalho (1682 - 1726) na Inquisição

 

 

O Padre Manuel Lopes de Carvalho nasceu em 1682 na freguesia de N.ª Sr.ª da Conceição da Baía e pelo Brasil andou até que em 1720 embarcou para a Metrópole a caminho da sua desgraça.

A biografia dele foi já estudada pela Prof. Adriana Romeiro na sua tese de doutoramento e num artigo publicado em Dezembro de 2010 e mais extensamente na tese de doutoramento bem investigada do Doutor Adalberto Gonçalves Araújo Junior, apresentada à Universidade de S. Paulo em 2006. Entendo, porém,  que ambos os autores pecam por dar às ideias do Padre uma importância que certamente não têm, como direi a seguir.

O pai de Manuel Lopes de Carvalho era reinol, mas os seus ascendentes maternos estavam no Brasil já há muito tempo. A Inquisição quis saber se ele tinha alguma parte de cristão novo, mas não pôde chegar a uma conclusão. Na prisão, o Padre disse aos companheiros do cárcere que sim, tinha parte de cristão novo, mas possivelmente seria para confirmar o que dizia ser a sua crença judaica.

Estudou Filosofia e Teologia com os Jesuítas, tomando Ordens e sendo depois ordenado Sacerdote em 1707. Desempenhou as funções de Coadjutor na Paróquia de S. Miguel de Cotegipe durante dois anos. O Pároco Custódio Rodrigues Landim não tinha muita consideração por ele, como disse no depoimento de 16 de Junho de 1725 (fls. 353 img. 711). Deverá ter sido obrigado a ir para longe dali como se depreende deste depoimento de um Cónego da Baía: “(…) teve o emprego de Coadjutor da freguesia de S. Pedro, onde por se dar a vícios chegou a tal publicidade com uma mulher, que daqui se lhe originou o ausentar-se da Baía (…)” (fls. 360 img. 725).

Foi para Minas Gerais e figura como Pároco da freguesia de Ouro Branco até cerca de 1719, altura em que se começou a cogitar em ir para a Metrópole. Partiu para o Rio de Janeiro, onde terá compilado alguns dos textos que depois trouxe para Lisboa.

Chegou a Lisboa no início de Novembro de 1720. No dia 6 desse mês apresentou na Cúria Episcopal um requerimento para poder usar das Ordens de Presbítero em Lisboa. O pedido é deferido, apesar de não trazer as dimissórias do Brasil, como deveria. Fica autorizado por seis meses, devendo apresentar-se ao Pároco da área da sua residência.

Não se deve ter saído muito bem, pois, passados dois anos, aparece a entrar como noviço no Convento dos Frades Capuchos de Alferrara, perto de Setúbal, através de uma qualquer recomendação. Não teve ali bom ambiente. Continuou a redigir textos com as suas ideias, mas a partir de certa altura, esses textos começaram a ser copiados por outros frades, nomeadamente um Fr. Paulo de S. Francisco, que mais tarde transmitiu as cópias à Inquisição (Processo n.º 13345). Passado algum tempo, chegou ao Convento um Fr. José de Jesus Maria vindo do Brasil que o conhecia de fama e começou a dizer mal dele, sobretudo que tinha ascendência judia. Acabaram por o impedirem de fazer os votos, apreenderam-lhe os seus escritos, tiraram-lhe o hábito e expulsaram-no do Convento. Os escritos foram entregues à Inquisição, juntamente com os apontamentos de Fr. Paulo de S. Francisco.

Terá estado alojado em Lisboa por aqui e por ali, ao mesmo tempo que escrevia de novo o seu texto. Preparou assim um Memorial que tencionava entregar ao Rei. D. João V tinha o costume de fazer audiências abertas ao povo e o Padre Manuel Lopes de Carvalho aproveitou para aparecer um dia a entregar o seu Memorial ao Rei. Houve alguma confusão na altura e o Rei mandou que o Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão falasse com ele. O Padre da “Passarola” que, ainda esse ano, cairia em desgraça, não lhe deu grande abertura.

Chegavam entretanto denúncias à Inquisição de Fr. João de S.to Agostinho, Religioso de N.ª Sr.ª da Assunção e sobretudo outra de Francisco Mendes Carvalho, assistente de Nuno da Silva Teles, membro do Conselho Geral, muito concreta nas heresias que lhe atribuía. No início de Dezembro de 1723, a Inquisição delibera prendê-lo para o cárcere de penitência, mas, certamente atendendo a que ele estivera na audiência com o Rei, dão-lhe como cárcere o Convento de S. Domingos, encarregando Fr. João de S.to Agostinho de o interrogar.

Inicialmente, as heresias do Padre não eram de grande monta. Dizia que os católicos deveriam aceitar a circuncisão, guardar os sábados em vez do domingo, que, se não fosse a Inquisição, não haveria tanto judeu e pouco mais.  Mas os Inquisidores acharam que havia já matéria para o julgar e condenar e em 27 de Maio de 1724, passou para os cárceres secretos. Aí, começou a extremar sempre mais as suas posições heréticas: negou a divindade de Cristo, a SS.ma Trindade e daí a pouco estava a dizer também que era ele o Messias e que era Judeu. Deixou de jurar pelos Evangelhos, para o fazer pelo Deus de Israel. E nunca voltou atrás.

No seu processo, a Inquisição tinha como preocupação implícita documentar muito bem a condenação do Réu porque afinal ele tinha estado numa audiência com o Rei; e outra muito explícita que era provar que ele não tinha lesão física no entendimento, isto é, que não era louco. Era um princípio do Direito Penal e também do Regimento que um louco não se condena, cura-se. São dezenas de depoimentos a dizer que ele não tem lesão no entendimento, só mesmo um rapazola de 18 ou 19 anos, Sebastião de Lucena,  é que diz claramente que ele é completamente louco  (fls. 340 img. 685). Mas o Réu estava completamente desfasado da realidade, como se vê pelos seus depoimentos.

Embora uma ou outra testemunha o dê por inteligente, o P.e Fr. Manuel Guilherme, por exemplo, diz que ele era “de mui poucas ou nenhumas letras e futilíssimo entendimento” (fls. 519 img. 1043). E o Pároco com quem ele trabalhou na Baía, Custódio Rodrigues Landim, diz que nunca o viu estudar (fls. 353 img. 711).  Resta saber se ele sabia bastante ou pouco Latim e se o texto nesta língua de fls. 98 (img. 197) do Proc. n.º 13345, foi passado para Latim por ele ou por outra pessoa; a letra não é dele.

É preciso desvalorizar bastante as heresias por ele proferidas no processo.  Se ele está furioso por estar preso, a tendência será dizer asneiras em jeito de heresias para invectivar os seus carcereiros (em geral, com inclusão dos Inquisidores). O mesmo aconteceu com Fr. Diogo de Assunção e Pedro de Rates Henequim.

Sendo o Réu louco, nada se aproveita do que ele disse no cárcere ou mesmo o que escreveu antes de para lá ir.

A narrativa do Auto da Fé em que ele foi queimado vivo aparece num livro do francês David François de Merveilleux,  Memoires instructifs pour un voyageur dans les divers Etats de l'Europe, edição de 1738, tomo I, pags. 139 e 159. Não me parece que o autor mereça muita fé no que diz, pois se até diz bem da Inquisição portuguesa comparada com a de outros países…  Não tem sentido que o Rei no Auto da Fé fosse falar com o Réu, dizendo-lhe para confessar e se converter, como ele conta.

Uma peça muito interessante deste processo é uma repreensão do Conselho Geral à Mesa da Inquisição (fls. 565 img. 1137). A Mesa tinha entrado em campos de que o Conselho Geral nada gostava. Designadamente, a ideia de exorcizar o Réu porque estava possesso ou vexado do demónio. Nesse caso, o Réu não teria culpa, mas o sim o demónio que estava dentro dele.

Quem interpreta bem a saga do Padre Manuel Lopes de Carvalho é João Lúcio de Azevedo, na História dos Cristãos Novos Portugueses:

“Em 1714 conta-se entre os brasileiros um clérigo; outro clérigo natural da Baía e morador em Lisboa, Padre Manuel Lopes de Carvalho, morre, em 1726, queimado vivo por impenitente partidário da lei mosaica.

O processo, exibindo um caso de aberração mental no padecente, verdadeiro alienado, fica um monumento da cegueira dos fanáticos, que o condenaram à expiação barbara. Não procedia o desditoso da raça dos conversos, mas por certo as ideias que lhe causaram a ruina, e em que se lhe extraviou a razão, tiveram sua raiz no ambiente onde pairava o judaísmo. Preso por expor em certo escrito interpretações da Bíblia, contrárias ao catolicismo, continuou a polémica com o Inquisidor, que o interrogava, e teólogos encarregados de o reduzirem á ortodoxia. O corpo de delito era um memorial a D. João V, em que o dizia escolhido para estabelecer o reinado de Cristo na terra, pela reforma da Igreja. Para isso cumpria tornar às práticas do culto judaico, que foram seguidas pelos Apóstolos e pelo próprio fundador do cristianismo. Entre outras cousas, queria se guardasse o sábado, em lugar do domingo e se mudasse a data da Páscoa. Se até este ponto o governava o raciocínio, um mês depois de recolhido ao cárcere delirava. Em sonhos lhe aparecera a Virgem, dando-lhe a saber que se achava compilada nos profetas a história da sua vida (*). Profeta era ele próprio, enviado por Deus do Brasil a Roma, como Jonas a Ninive, para anunciar a destruição da cidade réproba pelo fogo. Mais tarde considerava- se já o Messias, qualidade que lhe asseguravam vários sucessos, antes e depois do seu nascimento. No ventre materno tinha chorado três vezes de modo audível. Sentia-se circunciso, não como os filhos de Israel e na forma que a lei manda, mas de modo misterioso. Preceitos judaicos nunca tinha praticado, sem embargo de saber que por não observá-los seria castigada a Igreja católica. O seu judaísmo consistia em pretender que revertesse a religião de Cristo aos usos israelitas. Com isto a convicção de ser o Messias verdadeiro, como verificava em passos de Jeremias e do profeta rei.

Já perto do desfecho trágico, pretendeu saber dos Inquisidores se estava para haver auto da fé, e porque o não castigavam, como aos demais presos, sendo ele o procurador dos mesmos pelo Deus de Israel. Ainda lhe não tinham anunciado a sentença, mas pouco teve de esperar. Fizeram-lhe a vontade. Na Relação, os Desembargadores, vendo nele um apóstata incontrito, mandaram que fosse queimado em vida. E contudo, não passava de um maníaco, que discutia empregando as regras da lógica.    

 

(*) História da minha vida achada nos profetas, que em um enigma por algarismos me foi demonstrada em sonhos aos onze do mês de Janeiro de 1724. Junta ao processo n." 9255 da Inq. de Lisboa, assim como o memorial. “

 

PROCESSOS

 

Processo n.º  /CX1623/16272 – Rascunhos da Sentença

 

Processo n.º 13345 – Papéis diversos separados do processo:

 

Até img. 58 – Papéis vários escritos pelo Réu no cárcere, de difícil leitura e manchados.

img. 59 a 66 – Texto sobre a determinação dos equinócios

img. 67 a 112 – Texto de Fr. Paulo de S. Francisco, Religioso Arrábido, que transcreve as proposições dele e as contradiz

img. 119 a 171 – Texto do mesmo frade, nos mesmos termos e com conteúdo que deve ser quase igual

img. 173 a 178 – texto do Réu sobre a averiguação dos equinócios

img. 183 a 188 – parece o mesmo texto, possivelmente com redacção algo diferente

img. 189 a 196 – Papel que fez um clérigo que dizem ser natural da cidade da Bahia, sobre a emenda do tempo solar e lunar

É o mesmo papel com melhor letra e apresentação.

img.197 a 235 – Thesis 1.ª Disquirens; Quid et Quotuplex Dies Sit. -- Texto redigido pelo Réu em Latim, copiado com boa letra. No final, esta nota de um anónimo:

Este infeliz, malditamente obstinado, cego, e pertinaz, morreu queimado vivo confessando e professando a Lei de Moisés, no Auto da Fé que se celebrou em S. Domingos de Lisboa Ocidental, em o dia 13 de Outubro de 1726. Ele denotou a entranhável pertinácia com que se precipitou no Inferno, se é certo o que se disse que na Relação se lhe prometera a vida confessando os seus erros e detestando-os, o que nunca quisera aceitar. autem homini illi !

img.237 a 324 – Carta dirigida ao Rei (introduzindo o seu texto?)

img. 327  a  338   - Texto do Réu aparentemente escrito por ele, de leitura difícil

img. 339 a 384 -  Outro texto do Réu copiado com boa letra

 

 

Processo n.º 9255, do Padre Manuel Lopes de Carvalho

 

fls. 3 img. 5 – 11-12-1723 – Mandado de prisão para o cárcere da Penitência

fls. 5 img. 9 – “Tratado teológico” escrito pelo Réu quando estava no cárcere da Penitência, no Convento  da Ordem de S. Domingos. Começa “In nomine Jesus et Mariae Virginis, eius dignissimae Matris, História da minha vida achada nos profetas, que em hum enigma por algarismos me foi demonstrado em sonhos ” - são 33 páginas e está dividido em 66 parágrafos.

fls. 21 v img. 42 – Nesta folha, está um requerimento ao Patriarcado de Lisboa para usar das ordens de Presbítero na cidade, feito em 6 de Novembro de 1720. Foi despachado no dia seguinte, com a autorização dada pelo prazo de seis meses, devendo apresentar-se para o efeito ao Pároco da freguesia monde estivesse a morar. No requerimento refere a sua intenção de ir depois para Roma.

A mesma folha de papel foi aproveitada depois para apontamentos do Réu, disparatados, por exemplo: “Advirto que a mesma Igreja assim profeticamente afirmou com não meter santo nenhum nem ainda simplex entre os sete dias que vão de São Matias apóstolo até o de São Casimiro com que foi o meu nascimento para assim dar testemunho em que em mim como Jonas pelo evangelho caiu a sorte de profeta.”

fls. 22 img. 43 – 2-9-1723 – O Promotor de Justiça requer que sejam ouvidas diversas testemunhas cujo nome indica para que digam dos ditos do P.e Manuel Lopes de Carvalho. O Inquisidor João Pais do Amaral concorda.

fls. 24 img. 47 – 20-9-1723 – Informação de Fr. João de S.to Agostinho. Diz que a primeira conferência que teve com o P.e Manuel Lopes foi quarta-feira, dia 15 de Setembro. A 2.ª conferência foi no dia 19. Perguntou-lhe quem o aconselhava para ir logo com o seu assunto à audiência de Sua Majestade. Disse o Réu que chegara a conclusões interessantes sobre a reforma do Calendário que facilitariam a navegação e por isso deveria dar conta ao seu Rei. Fora mandado falar com o P.e Bartolomeu Lourenço (de Gusmão) “em quem não achara boa aceitação.” No Convento da Arrábida, onde tomara o hábito, encontrou um seu inimigo, Fr. José de Jesus Maria, que o conhecia do Rio de Janeiro, que o foi acusar ao Provincial. Este pediu-lhe os papéis que tinha escritos e depois expulsou-o do Convento. Aquele frade infamou-o  de judeu.

Diz o denunciante: “Os seus papéis (…) estão muito públicos porque começaram a vulgarizá-los sujeitos não obrigados ao segredo do S.to Tribunal da Inquisição.” Diz mais: “O sujeito não é ignorante, tem muito, acerbo, improbo estudo nestas matérias, inclinado às coisas do P.e António Vieira e com alguma presunção de subtil (…).

fls. 26 img. 51 – 16-8-1723 – Francisco Mendes Carvalho, ao serviço do Deputado Nuno da Silva Teles – Refere os ditos do P.e Manuel Lopes heréticos ou estranhos:

- Que o Concílio (de Trento) era herético

- Que os judeus só erravam em negar a vinda do Messias, pois quando à guarda dos sábados e à circuncisão, estavam certos.

- Se não houvesse Inquisição, não haveria tantos judeus.

- Que o Anti-Cristo já viera e não era homem

- Que dava quatro anos aos teólogos para lhe responderem a estas dúvidas.

Disse que já dera um memorial da sua autoria a Sua Majestade o Rei.

27 img. 53 – 22-9-1723 – Outra informação de Fr. João de S.to Agostinho :

"Meu senhor estou com grande cuidado neste clérigo porque sendo-me entregue por um contínuo com uma carta da Mesa amanhã faz 8 dias no meio da igreja de Santa Mónica, aí me disse então que para conferirmos tinha uns papéis que me mostrar, eu lhe disse mos trouxesse com toda a brevidade possível e até aqui o não tem feito. Bem é verdade que me consta viera sábado de tarde procurar-me e estando eu na livraria com o Senhor Deputado Brochado os porteiros lhe disseram que eu era fora, mas como ouço dizer a alguns religiosos que ele anda espalhando as suas proposições e isto contenha dano irreparável e possa ir lavrando o veneno judaico em alguns corações simples e indoutos ou afeiçoados à dita Lei dou a Vossa Senhoria conta para saber o como me hei de haver, se hei-de esperar por ele para ter as conferências que se me ordenam ou se hei-de qualificar as proposições da memória inclusa remetendo-a e avisando em papel separado do que entender. O Padre Mestre frei João de Azevedo deste convento é um a quem ouvi que em casa de um letrado de fronte de São Crispim em presença de outras pessoas estava o dito clérigo falando nestas coisas e se calava tanto que ele entrou e na Sala dos Tudescos com uns capitães também foi ouvido falar nas mesmas. Eu bem tomara conferir primeiro com ele para avisar do que com ele passei e o estado em que ficar ele nas suas dúvidas, mas se for com estes vagares três ou quatro conferências levarão muito tempo. Eu havia de ir pessoalmente aos seus pés, mas os meus não me permitem muito nem lhe quero tomar o tempo, basta que aqui mesmo me diga que bem posso esperar por ele ou não. Deus guarde a Vossa Senhoria.  Convento da Graça. 4.ª feira."

fls. 28 img. 55 – 20-9-1723 – O Inquisidor João Pais do Amaral pede para ser informado logo após a 2.ª conferência. À margem responde Fr. João de S.to Agostinho dizendo que o P.e Manuel Lopes estivera ali na véspera  e com ele agendara nova conferência para Domingo, dia 26 de Setembro.

fls. 29 img. 57 – Nota incompreensível do P.e Manuel Lopes. Fala de um Tesoureiro-mor José Ferreira de Matos que sucedeu no cargo a um seu irmão falecido, de nome Manuel Ferreira de Matos.

fls. 30 img. 59 – 20-9-1723 – Depoimento do Desembargador Fernando Pereira de Vasconcelos. Disseram-lhe que o papel não é da autoria do padre que o apresentou.

fls. 34 img. 67 – 22-9-1723 –Dep. de  Francisco Mendes Carvalho, Bacharel em Cânones, de 31 anos.  Disseram-lhe que o dito Padre pelo que dizia parecia louco.

fls. 39 img. 77 – 23-9-1723 – Dep. do P.e António Pereira de Noronha, de 45 anos – Ouviu as proposições que o Padre defende.

fls. 42 img. 85 – mesma data – Dep. do P.e Domingos de Almeida. Pelo que ouviu ao Padre, acha que ele tem “alguma variedade no entendimento” ou então não é obra sua o que diz e escreveu.

fls. 46 img. 93 – mesma data – Dep. do P.e José Esteves do Amaral  - Tem a certeza que as proposições do Padre contrariam o Evangelho.

fls. 52 img. 105 – 24-9-1723 – Dep. do P.e Paulo de Mesquita e Sousa, Beneficiado. Disse que o Cónego Ferraz ouvira o P.e Manuel Lopes dizer que Cristo não derrogara a Lei antiga.

fls. 57 img. 115 – mesma data – Dep. do P.e Manuel Pinto Vieira, de 31 anos. Ouviu o Padre dizer que a circuncisão não estava revogada. O Concílio de Trento não tem valor porque ofende o Concílio Viceno.

fls. 62 img. 127 – Proposições do P.e Manuel Lopes de Carvalho, tiradas dos seus escritos pelos frades arrábidos.

fls. 64 img. 131 – 7-9-1723 – Em face do Memorial que tinha sido entregue ao Rei D. João V, os Padres da Congregação do Oratório, Francisco Xavier, Manuel Ribeiro e Paulo Álvares fazem uma denúncia formal das heresias que contém o papel, que veio de casa do P.e Martinho de Barros.  Escrevem eles que “o motivo da denunciação é porque o tal papel todo está cheio de proposições perigosíssimas e perniciosíssimas de doutrinas falsas mas propostas com tal sofisteria, alegando textos, erudições e discursos que por serem os pontos da fé embaraçados podem fazer duvidas os menos instruídos, que sempre são os mais. Deixando outras muitas proposições, tiramos as que se contêm nesse papel, as quais reputamos escandalosas, ofensivas dos ouvidos pios; arrogantes, temerárias, sediciosas, cismáticas, ímpias, blasfemas, falsas, erróneas, sequentes haeresiam e heresias respectivas e quase todas manifestamente judaicas ou sumamente proclives ao judaísmo.” Acrescentam: parece que o autor era chamado doido. Pode ser que o seja, mas no seu papel não mostra ser doido.

fls. 66 img. 135 – Memorial entregue na audiência de Sua Majestade o Rei D. João V. São 31 páginas, divididas em 41 parágrafos. No final:

“‘E tu, ó ditoso rei, com Vossa Majestade, falo Senhor, pois és aquele por Deus escolhido para em ti se estabelecer o reinado do mesmo Cristo, anima-te a aceitares esta Empresa que para o teu grandioso nome será o de maior glória que quantas façanhas hajam de todos teus antecessores porque sei assim que a tomares a teu cargo patrociná-la para com o vigário do mesmo Cristo e cabeça de toda a Igreja, o Pontífice Romano todas essas nações que já foram católicas e que hoje se acham apartadas do seu grémio que essas mesmas te venham a tributar obséquios confessando a João por seu reformador quando um Constantino fora o seu devorador e também seguro-te que se acabem de todo as heresias e que todas essas gentilidades se reduzam ao verdadeiro culto do nosso Deus e redentor Cristo Senhor Nosso para o que te dará todo o esforço para assim o conseguires e muita graça em que acabas para mereceres dignamente o prémio da glória com que por isso te espera na sua bem-aventurança.  Oh Utinam! E para que tudo assim suceda peço a Deus guarde a real pessoa de Vossa Majestade com longa vida, para prazer de todos os seus vassalos como de todos o mais amantíssimo.

a) Pe. Manoel Lopes de Carvalho”.

fls. 82 img. 167 – 23-9-1723 – O Memorial é enviado a Fr. João de S.to Agostinho para dar parecer.  Este informa à margem que  deve ser queimado e o autor do papel repreendido e castigado, obrigando-o a arrepender-se e pedir perdão.

fls. 83 img. 169 – Resumo das ideias do P.e Manuel de Carvalho elaborado pelos Frades arrábidos nomeadamente por Fr. Paulo de S. Francisco, entregue na Mesa do Santo Ofício em 9 de Novembro de 1722. Nessa altura ainda o Padre se encontrava no Mosteiro dos Arrábidos.

fls. 85 img. 173 – 28-9-1723 – Proposições do Memorial a Sua Majestade, coligidas por Fr. João de S.to Agostinho, do Convento de N.ª Sr.ª da Graça.

fls. 87 img. 177 – 3-12-1723 – O Promotor de Justiça requer a prisão do Réu nos cárceres secretos com sequestro de bens, qualificando-o como heresiarca. Pede também a prisão do advogado Francisco Trigueiros de Góis, já anteriormente processado (Pr. n.º 3374 e 3374-1).

fls. 88 v img. 180  - 3-12-1723 – Assento da Mesa

O Inquisidor João Álvares Soares foi de parecer que o delato fosse preso nos cárceres secretos. O Inquisidor João Pais do Amaral, atendendo a que o delato tinha apresentado o Memorial a Sua Majestade e parecendo que ele está disposto a submeter-se às determinações da Igreja, alvitra que seja mandado recolher no Convento de S. Domingos, com ordens para que não saia dali nem contacte com ninguém de fora.  Quanto a Francisco Trigueiros, ambos os Inquisidores foram de opinião que as culpas não eram suficientes para a prisão.

fls. 91 img. 185 – 10-12-1723 – Assento da Mesa do Conselho Geral

Manda o Conselho que o delato seja mandado vir para os Cárceres da Penitência e neles examinado pela matéria das proposições que tem proferido e praticado; e volte depois à apreciação da Mesa e do Conselho.

fls. 92 img. 189 – 22-12-1723 – 1.º exame pelo Inquisidor João Álvares Soares

Sobre os seus estudos disse ter estudado Filosofia e depois quatro anos de Teologia especulativa e moral no Colégio dos Padres da Companhia na cidade da Baía.

Nesta sessão ficou-se pelas questões de Matemática, Astronomia e Astrologia. O Réu diz que o ano solar tem só 354 dias e meio.

fls. 98 img. 201 – 14-1-1724 – 2.º exame com o mesmo Inquisidor.

Diz que não tem nada que confessar. Disse ter apresentado o seu papel a El-Rei para que ele o comunicasse ao Sumo Pontífice. Não afirma a verdade do que se contém no papel, pois muitas vezes exprime apenas dúvidas. Na audiência com o Rei, Fr. Miguel de Santa Maria disse-lhe que o conteúdo do papel era contra as determinações da Igreja.

Disse que a Igreja primitiva fora toda judaizante. Sabe bem que a circuncisão já não existe na Igreja Católica. Disse que S. Jerónimo louva a Igreja de Alexandria por mais bem instruída por ser judaizante.  Discutiu depois com o Inquisidor o sentido da palavra “judaizante”.

fls. 104 img. 213 – 9-2-1724 – 3.º exame com o mesmo Inquisidor

Disse que não tem culpas que declarar. Repetiu que ser judaizante é observar os ritos judaicos.  Os Apóstolos evangelizaram o mundo defendendo o Baptismo e a circuncisão e a ceia do Cordeiro com a Ceia do Sacramento e as mais cerimónias judaicas como a expiação do templo e abster-se de carne de porco. Os católicos hoje seguem os costumes dos Arianos e não os costumes dos Apóstolos. Mas ele próprio nunca fez cerimónias judaicas.

fls. 110 img. 225 – 21-2-1724 – 4.º exame com o mesmo Inquisidor

Não tem nenhum peso na consciência. A extinção dos ritos judaicos foi invenção dos gentios. Foi um erro deixar de celebrar a Páscoa do Cordeiro e de guardar o sábado.  Diz que leu sobre isto na Clavis Prophetarum  do P.e António Vieira, livro que viu nas mãos do P.e António Correia da Companhia de Jesus e ainda num livro do P.e Mateus Faletti, também da Companhia. Disse que errou a Igreja e pecaram todos os que contribuíram para a extinção dos ritos judaicos.

fls. 117 img. 239 – Nota dizendo “Foram dadas ao P.e Manuel Lopes de Carvalho quatro folhas de papel rubricadas”.

fls. 118 img. 241 – 8-3-1724 – Declarações do Réu

Pediu audiência para declarar um seu sonho.  Foi na noite de 11 de Janeiro. Apareceu-lhe em sonhos seu pai, “abraçando-o com muito gosto e mostrando-se saudoso de ele declarante com tão larga absência, viu que lhe falava sua mãe e lhe dizia nesta forma com muitas lágrimas: - Filho meu, aqui neste cárcere vos venho achar! Como assim? Fizestes algum crime contra a nossa Santa Fé Católica? Não foi esse o ensino que eu e vosso pai vos demos: Não há nisso algum remédio? Vosso pai anda todo aflito procurando quem lhe dê uma letra de onze mil para mandar a Roma e ao Sumo Pontífice, queixando-se desse Tribunal, porque não há-de permitir que não sejais ouvido na vossa defença (…)

Apareceu-lhe depois em sonhos Nossa Senhora o que ele descreve assim:

“(…) o vestido que a senhora trazia reparou que era uma roupa roxa que tirava a azul escuro com ramos brancos ao modo de estrelas de prata à vista de cuja cor ele declarante se lembrava de uma rosa grande e mui cheirosa com veios brancos; que a mesma senhora no coro dos religiosos Arrábidos de Alferrara junto de Setúbal lhe dera a cheirar em uma manhã, ao tempo em que ele declarante, como noviço que era no dito Convento, estava em oração com a Comunidade e deprecava a Senhora o livrasse de uma tentação que o demónio lhe sugeria para se enforcar com a corda do relógio, que ele declarante por ser no dito tempo Relojoeiro, punha em o braço para despertar, tentando-o o demónio a que o atasse ao pescoço para que desta sorte morresse dormindo sem sentir a morte, pois não tinha outro remédio vistos os desprezos que lhe faziam os religiosos e que para tornar para o século à presença de Fidalgos, era não ter vergonha depois de ser noviço; ao que a Senhora acudiu dizendo-lhe que aquelas eram as rosas das mortificações que seus escolhidos lhe ofereciam e de que a mesma Senhora mais gostava; cujas palavras ouvindo ele declarante, teve tanta alegria e prazer que dali em diante, desejou que os frades e o guardião muito mais o desgostassem  até que quase por todos os votos o expulsaram fora do dito Convento. “

fls. 126 img. 257 – 14-3-1724

Disse o Réu que o expulsaram do Convento, acusando-o de ser judeu. Foi sobretudo Fr. José de Jesus Maria, Religioso Arrábido, quem andou a dizer isso. Mas ele declarante não se despreza de ser judeu católico. 

fls. 136 img. 277 – 26-3-1724

O Inquisidor deixa o Réu à vontade a falar sozinho, deixou de o interrogar.

fls. 143 v img. 292 – 29-3-1724

fls. 150 img. 305 – 31-3-1724

fls. 168 img. 341 – 10-4-1724

Nesta sessão, assinou “Emmanuel Lopes de Carvalho”, escrevendo mais umas palavras latinas à volta do seu nome.

fls. 175 img. 355 – 26-4-1724 – Assento da Mesa

“(…) e pareceu a todos os votos que, visto o delato nas ditas respostas e declarações aprovar os ritos judaicos e afirmar que a Igreja Católica erra em os não seguir, e mandar observar, e que por essa razão está excomungada pelo Apóstolo São Paulo (…) seja mandado vir dos cárceres da penitência para os secretos (…)”

fls. 177 img. 359 – 26-5-1724 – Assento da Mesa do Conselho Geral

“(…) e assentou-se que é bem julgado pelos Inquisidores em determinarem que as culpas eram bastantes para o delato ser preso  nos cárceres secretos, com sequestro de bens e deles processado na forma do Regimento. Mandam que assim se cumpra.”

fls. 179 img. 363 – 27-5-1724 – Mandado de prisão

fls. 180 img. 365 – 27-5-1724 – Auto de entrega

fls. 181 img. 367 – 11-10-1724 – Depoimento de Sebastião de Lucena, de 18 anos – Pr. n.º 11399-1 – companheiro de cárcere

Disse o Padre “que os que viviam na lei e na doutrina da Santa Madre Igreja de Roma iam mal encaminhados, e que o Messias ainda não tinha vindo ao mundo; porque Cristo Senhor nosso não era o Messias, mas o Anti-Cristo; e que só a Lei dos Judeus é boa e que ele dito Padre era o que havia de ser Messias, e outros mais erros de que ele denunciante se não lembra”. Parece-lhe que ele está louco e tem lesão no entendimento.

fls. 183 img. 371 – 16-1-1725 – Padre Francisco Rodrigues Pereira – Pr. n.º 7354, da Inq. de Coimbra – companheiro de cárcere

O Réu disse-lhe que tinha sonhos em que Deus lhe falava e mandava que viesse à Mesa dizer que cessassem as Missas, os ofícios divinos e a Lei de Cristo. Que lhe apareceu Nossa Senhora, chamando-lhe filho e lhe disse que fosse acudir a Cristo Senhor nosso, porque Deus estava a castigá-lo por se ter tornado soberbo e por se fazer Deus. O deponente disse-lhe que as ideias dele eram ilusão do demónio, mas ele insistiu nelas. Disse que o Padre tudo o que diz são loucuras, mas em tudo o mais mostra não ter lesão no entendimento.

fls. 185 img. 375 – 24-5-1725 – António Dias Fernandes – Pr. n.º 1437 – companheiro de cárcere

O Padre disse-lhe que tinha renegado da fé e que agora era judeu e que lhe pesava o tempo em que tinha sido católico. “E que em Domingo que se contaram vinte deste dito mês (20-5-1725), sucedendo ir dentro em um frango que se lhe deu à ceia uma porção de toucinho, o dito Padre se enfadara muito, e não quisera comer o restante do dito frango depois de nele achar a dita porção de toucinho, dando por razão de ser contra a sua Lei o comê-lo”. A propósito da leitura do Breviário, disse o Padre “que a reza católica que ele costumava rezar já se havia acabado para ele, porquanto de presente se encomendava a Deus de Israel, de Abraão, de Isac e de Jacob”. Disse que se acha circuncidado por via de uma achaque que lhe ocorreu ao prepúcio, que Deus lhe fala em sonhos e que lhe tem dito que ele há-de ser o Messias.

Entende ele denunciante que o Réu delira, mas que não é louco. Disse que ele dorme bem, não faz vigílias e se acorda algumas vezes, é por causa da tosse que o persegue.

fls. 189 img. 383 – 7-10-1726 – José Pereira da Cunha – Pr. n.º 8786 – companheiro de cárcere

Disse-lhe o Padre que no auto da fé se iria queixar ao Rei e ao Padre Martinho de Barros do mau modo com que tinha sido tratado pela Mesa da Inquisição. Também lhe disse que tinha parte de cristão novo pelo lado de sua mãe.

fls. 193 img. 391 – 11-10-1626 – José Pereira da Cunha, de novo, por pedir audiência..

Disse o Padre que “os Inquisidores o não tinham mandado por medo, e ser um tribunal de ladrões e não acharem justiça para o condenarem; e que apelando ele deste Tribunal para Sua Majestade que Deus guarde, os Inquisidores responderam que Sua Majestade era incapacíssima de tomar conhecimento de causas eclesiásticas”. Disse depois “que o Eminentíssimo Senhor Cardeal Inquisidor Geral tivera trato ilícito com uma presa, à qual ajudou muito na sua causa e a regalava com galinhas, afirmando que assim o ouvira mas não quis declarar a pessoa que lhe havia dito; e acudindo ele declarante pelo crédito de Sua Eminência e do Tribunal, o dito Padre o descompôs de palavra, chamando-lhe cão e gentio e da nação dos Inquisidores.”

fls. 196 img. 397 – 31-5-1724 – Inventário

Tem 400 000 réis numas casas de seu pai que valerão um conto de réis, sitas na praia da Baía, e que estão alugadas.

Não tem bens móveis. É credor de 40 050 réis que emprestou ao capitão reformado Rodrigo Nogueira de Almeida da Fonseca Borges. É devedor a José de S. Boaventura, do Rio de Janeiro, de 300 000 réis, mas para satisfação dessa dívida deixou-lhe um escravo preto da Mina, de nome Francisco, de 30 anos, que tinha custado nas Minas 200 oitavas de ouro, valor que deve exceder o da dívida. Deve a Manuel Álvares Caminha, da Baía,  60 000 réis de fazenda que lhe adquiriu. Deve também uma importância a Manuel Ferreira Caminha, da Baía, mas consignou a essa dívida o rendimento que lhe pertence nas casas alugadas por seu pai.

fls. 199 img. 403 – 26-6-1724 – Genealogia

Disse ser natural da Baía e ter 42 anos. Seus pais chamam-se João Lopes de Araújo e Maria da Assunção, ele natural de Viana e ela da cidade da Baía, onde são moradores. Seus avós paternos, já defuntos, foram João Araújo e Mariana Lopes, ele natural de Viana ou de Braga, e ela de Viana, onde foram ambos moradores e faleceram. Os avós maternos foram Manuel de Carvalho Lima, natural de Viana e Ângela da Cruz Quaresma, natural da cidade da Baía, onde ambos viveram e faleceram.   Disse que são todos cristãos velhos.

Tem irmãos, mas no processo só aparece um que é também sacerdote, José Lopes de Carvalho ou José Lopes de Araújo, uma irmã cujo nome não é mencionado e um sobrinho chamado Salvador.

Foi presbítero na Baía e no Rio de Janeiro, depois veio para Lisboa e daqui foi para o Convento dos Arrábidos em Setúbal, onde esteve quatro meses, e negaram-lhe os votos com o pretexto de que era judeu.  Acha que está preso pelo que escreveu num papel que entregou a Sua Majestade.

fls. 203 img. 411 – 17-7-1724 – 5.º exame, que é o 1.º depois de o Réu estar preso.

O Réu insistiu em dizer que tivera uma revelação em sonhos de que a Igreja Católica deveria voltar aos ritos judaicos. O Inquisidor perguntou-lhe o que lhe dava a certeza que a sua revelação era de Deus e não era ilusão do demónio.  Respondeu ele que as revelações divinas aos profetas eram feitas em sonhos.

fls. 207 img. 419 – 27-7-1724 – 6.º exame

Perguntado se cuidou em suas culpas, respondeu que, para descargo de sua consciência e bem da sua causa, deve seguir o que Deus lhe ensina e não o que lhe dizem na Mesa. Reconheceu depois que as suas afirmações eram heréticas, porque iam contra os ensinamentos da Santa Igreja.  Mas que ele tem um especial favor de Deus que lhe mandou defender o contrário.

fls. 211 img. 427 – 17-8-1724 – 7.º exame

Prosseguiu a mesma conversa de surdos com o Réu a insistir nas suas revelações e alegorias e o Inquisidor a defender a autoridade da Igreja.

fls. 218 img. 441 – 26-8-1724 – Declaração do Réu

Revoga a afirmação de que o capítulo 15.º dos Actos dos Apóstolos era apócrifo.  Declarou abjurar o mistério da SS.ma Trindade, o baptismo e os outros sacramentos, os Evangelhos e o testamento novo. Cristo não foi o Messias, mas o Anti-Cristo; “e que ele declarante é o Messias mandado por Deus. ”E prosseguiu dizendo mais insanidades do mesmo género.

fls. 221 img. 447 – 29-8-1724 – Mais declarações do Réu

Falou de um sonho que tivera no sábado, dia 26 de Agosto, em que Deus lhe apareceu, dando-lhe com uma espada na cabeça. Sonhou que viu uma Igreja, onde as imagens, o sacrário, os altares, tudo estava deitado por terra.

fls. 223 img. 451 – 31-8-1724 – 8.º exame

Disse não ter erros ou culpas de que se arrepender. Disse que nenhuma das profecias do Testamento Velho diz que o Messias há-de ser Deus. Uma pura criatura elevada por Deus pode ter merecimentos infinitos.

fls. 227 img. 459 – 1-9-1724 – 9.º exame

Não tem dito erros nenhuns na Mesa, porque o que tem dito é o que Deus lhe tem ensinado. “O Messias há-de vir de terras novamente descobertas além do mar.” O Messias será Deus inerente e não Deus substancial.

fls. 233 img. 471 – 4-9-1724 – 10.º exame

Entende que Cristo andou no mundo e ressuscitou ao 3.º dia. Cristo tinha os dotes de glorioso, mas não foi glorioso. Mas Cristo foi divinizado e não Deus consubstancial.

fls. 242 img. 489 – 26-9-1724 – Certidão

O Notário Manuel Rodrigues Ramos certifica que, tendo o Réu sido chamado à Mesa nesta data, “mandando-lhe o Senhor Inquisidor João Álvares Soares que se pusesse de joelhos e tomasse juramento, o dito Réu se pôs de joelhos virado para o dito Senhor Inquisidor e dizendo-lhe este o fizesse para Cristo Senhor nosso, cuja imagem lhe mostrou no painel que está na dita 3.ª casa das audiências, o Réu se escusou a fazê-lo respondendo que ele não cometia idolatria, porque Cristo não era Deus e instando-lhe que se pusesse de joelhos para Cristo Senhor nosso, o Réu o fez dizendo que o fazia por obediência a ele dito Senhor Inquisidor e não por acto de Religião (…).

fls. 243 img. 491 – 27-9-1724 – Visto da Mesa

Os Inquisidores mandam averiguar da qualidade de sangue do Réu:  quando aos avós paternos e avô materno, na vila de Viana; quando à avó materna, na cidade da Baía; e na mesma cidade e na do Rio de Janeiro se averigue sobre a sua capacidade e entendimento.

fls. 244 img. 493 – 31-10-1724 – Comissão a Viana ou Braga, através da Inquisição de Coimbra.

fls. 250 img. 505 – 8-1-1725 – O Doutor Manuel Carneiro de Lima, Prior da Colegiada de Ponte de Lima, interrogou as testemunhas na sua casa, em Viana:

- Joana de Amorim, mulher de Francisco da Silva, carpinteiro, de 52 anos, natural e residente em Viana – Não conheceu pessoalmente a João Lopes de Araújo, mas ouviu dizer a seus pais que ele foi moço para a Baía. De igual modo ouviu falar de João Araújo da Costa e conheceu pessoalmente sua mulher Mariana Lopes que eram pais do dito João Lopes de Araújo. Eram todos cristãos velhos “e de limpo sangue e geração, sem raça alguma de cristão novo, judeu, mouro, mourisco, negro, mulato, ou infiel nem de outra alguma infecta nação”.

- Cónego Manuel Fernandes da Cruz, Cónego da Colegiada da Vila de Viana, de 77 anos – Conheceu aquelas pessoas e da limpeza de sangue, declarou o mesmo que a testemunha anterior.

- Capitão Paulo de Araújo Soares, viúvo, de 43 anos – Como a testemunha anterior.

- Maria Correia, casada com José Soares, de 76 anos – Como as testemunhas anteriores.

- Bartolomeu Gonçalves, de 75 anos, - como as testemunhas anteriores.

- Isabel de Abreu, casada com Bartolomeu Gonçalves, de 70 anos- como as testemunhas anteriores.

fls. 262 img. 529 – 9-1-1725

- Domingos Brandão Marinho, Cavaleiro professo com o hábito de Cristo, de 50 anos – como as testemunhas anteriores.

- Maria de Torres, viúva de Domingos Rodrigues Seixas, de 74 anos,  - como as testemunhas anteriores.

- Maria Maior da Cunha, viúva de Domingos da Silva Ribeiro, de 53 anos – como as testemunhas anteriores.

- Bartolomeu de Araújo, mestre carpinteiro de 58 anos - como as testemunhas anteriores.

-Bento Vaz da Silva, de 52 anos - como as testemunhas anteriores.

fls. 273 img. 551 – 13-2-1725

- António Rodrigues Fontão, de 87 anos - como as testemunhas anteriores.

- Manuel Correia Seixas, viúvo, de 56 anos - como as testemunhas anteriores.

- João Rodrigues Lima, de 56 anos - como as testemunhas anteriores.

- Domingos Barroso, de 51 anos - como as testemunhas anteriores.

- Ana de Barros, viúva de António Fernandes Feitosa, de 70 anos - como as testemunhas anteriores.

- Isabel da Silva, viúva de Manuel Ferreira, de 60 anos - como as testemunhas anteriores.

fls. 288 img. 581 – 6-3-1725 – Certidão de baptismo e casamento dos ascendentes do Réu.

fls.289 img. 583 – 6-5-1725 – Recepção na Baía da comissão enviada de Lisboa

fls. 290 img. 585 – 31-10-1724 – Comissão para a Baía da Inquisição de Lisboa

fls. 295 img. 595 – 6-5-1725 – Audição de testemunhas na Baía, pelo Dr. João Calmon, Comissário do Santo Ofício

- Inácio Álvares, solteiro, Familiar do Santo Ofício, de 72 anos – Apenas interessa referir que a testemunha imputa à avó materna, Ângela da Cruz Quaresma a fama de cristã nova.

- Lázaro Nogueira da Silva, Capitão de Infantaria, de 73 anos – Tal como a anterior. Acrescenta que a fama tem mais de 30 anos e vinha sobretudo da bisavó materna, Sabina da Cruz, mãe da Ângela da Cruz Quaresma, meretriz, que sempre foi tida por cristã nova.

- Padre António Ribeiro, de 77 anos – Como o anterior.

- Padre Baltazar da Costa e Silva, de 64 anos – Conhece o rumor de que a avó materna era cristã nova, mas não confirma nem desmente.

- Jerónimo Pinheiro, solteiro, de 80 anos – Conhece o rumor de que a avó materna e a bisavó eram cristãs novas, mas pode ser que tenha sido levantado pelos inimigos delas. Disse que Ângela da Cruz Quaresma, avó do Réu ainda é viva e que Sabina da Cruz morreu com mais de 100 anos.

- Jerónimo Jorge, viúvo, de 80 anos – Sabe do rumor que o Padre Manuel Lopes de Carvalho tem fama de ter parte de cristão novo, mas nada tem que o confirme.

fls. 303 v img. 612 – 15-5-1725

- Padre Fr. Manuel do Nascimento, frade de S. Bento, de 83 anos – Não conheceu o pai do Réu, mas conheceu muito bem a mãe e os avós maternos dele, e nenhum deles teve alguma vez fama de cristão novo. Disse que a bisavó do Réu, Sabina da Cruz, depois da morte do marido, Heitor Nunes Quaresma se juntou com um Fulano de Leão, cristão novo e deste teve dois filhos, mas tal geração não tem que ver com o Padre.

fls. 305 img. 615 – 18-5-1725

- Capitão de Infantaria Miguel Rebelo Machado, Cavaleiro da Ordem de Cristo, viúvo, de 74 para 75 anos – Entende que a bisavó do Réu tinha fama de cristã nova.

fls. 307 img. 619 – 26-5-1725

- Cónego Ascenso de Sousa, da Sé da Baía, de 66 anos  -A mãe do Réu, Maria da Assunção vive ainda na cidade da Baía. Sabe que atribuíam a Sabina da Cruz, bisavó do Réu, a fama de cristã nova, mas que tal fama poderá provir do facto de ela se ter amantizado com um cristão novo, depois da morte do marido.

fls. 308 v img. 622 – 8-6-1725

- Capitão Luis Fernandes Vale, de 71 anos – Disse que o Réu tinha contra si fama e rumor de cristão novo, mas não sabe por que razão.

- Francisco Álvares Seixas, de 57 anos – Ouviu dizer que a avó materna do Réu tinha fama de cristã nova, “e também sabe pelo ver, que, estando em casa de seu parente, o Capitão Nicolau Lopes Fiúza, já falecido, sabendo este que um Manuel de Sousa, por alcunha o Camboqueiro, já falecido, que havendo este jurado em uma Inquisição pertencente à limpeza de sangue desta família, e que o seu testemunho não fora sem nota de limpeza de sangue como desejava, o mandara chamar o dito Capitão e lhe pedira que se fosse retractar, para cujo fim lhe dera uma escrava, e que com efeito o fizera, e o dito Manuel de Sousa recebeu a dita escrava, o que ele tudo sabe por assistir na casa de seu parente, sendo seu caixeiro, e isto é o que ele sabe e de que tem notícia e não lhe consta como ou por que via, ou por que pessoas se originou esta fama que tem declarado e al não disse.”

- P.e Fr. Francisco de S. Franco, Religioso professo de N.ª Sr.ª de Monte do Carmo, de 63 anos. – É afilhado da avó materna do Réu, Ângela da Cruz Quaresma. Sabe que esta tinha fama de cristã nova, por ser filha de Sabina da Cruz. Mas também ouviu dizer que teria havido na cidade duas Sabinas da Cruz, uma cristã nova e outra cristã velha, e que ela seria filha da cristã velha.

fls. 312 img. 629 – Certidões de baptismo:

- P.e Manuel Lopes de Carvalho – em 14 de Março de 1682

- Maria da Assunção, mãe – em 30 de Agosto de 1667

- Ângela da Cruz Quaresma, avó – em 14 de Junho de 1643

Certidão do casamento de João Lopes de Araújo com Maria da Assunção em 1 de Junho de 1681.

Certidão do casamento de Manuel Carvalho Lima com Ângela da Cruz Quaresma em 24 de Setembro de 1660

Certidão do casamento de Francisco Dias com Guiomar Quaresma em 8 de Janeiro de 1640.

fls. 317 img. 639 – 13-3-1726 – Assento da Mesa

Estava em causa decidir qual a qualidade de sangue do Réu. Os elementos probatórios não permitiam chegar a uma conclusão. Mas um grupo (1 Inquisidor e 3 Deputados) foi de opinião que se pusesse no processo que “o Réu seja havido por pessoa de cuja qualidade ao certo não consta” enquanto um 2.º grupo (3 Inquisidores e 3 Deputados) foram de opinião que a qualidade de sangue do Réu não fosse mencionada. Mas era a Mesa do Conselho Geral quem tinha de decidir.

fls. 321 img. 647 – 29-3-1726 – Assento da Mesa do Conselho Geral

Foi decidido que o processo deveria prosseguir contra o Réu como “pessoa cuja qualidade de sangue não consta ao certo”.

fls.323 img. 651 – 19-10-1724 – Diligência sobre a capacidade

- Padre Manuel Moreira de Sousa, Prior de Santo André de Barrô, termo de Coimbra, de 31 anos – Conheceu o Réu em Lisboa há três anos e falou com ele três vezes. Nas suas conversas, o Réu demonstrou suficiente juízo e capacidade; nem nas suas acções nem nas palavras, mostrou ter lesão alguma no entendimento; só demonstrava alguma leveza, pois “sem ter estudos fundamentais, disputava sobre matérias gravíssimas”.

- Rodrigo de Almeida da Fonseca Borges, Cavaleiro professo do Hábito de Cristo, natural dee Bragança, residente em Lisboa, de 53 anos – Conhece o Réu há três anos e falou com ele muitas vezes. Acha que não tem lesão no entendimento; tinha bastante juízo e capacidade e era muito dado à lição dos livros.

fls. 326 img. 657 - 23-10-1724

- Pedro de Sousa Correia de Benevides, natural e morador em Lisboa, de 41 anos –Conhece o Réu vai para quatro anos. Ao falar com ele, parecia-lhe ser “simples e insensato” e que algumas coisas que escrevia deveriam ser transcritas de alguns livros.

fls. 328 img. 661 – 26-10-1724

- Doutor Manuel Guerreiro Camacho e Foyos, Cavaleiro professo do Hábito de Cristo, Familiar do Santo Ofício, de 32 anos – Conhece o Réu de três para quatro anos e falou com ele algumas vezes. Pareceu-lhe que ele tinha pouco fundo e pouca ciência, mas nunca lhe pareceu louco e desassisado. A opinião em que era tido não era uniforme: uns o reputavam por pessoa de inteira capacidade e outros por louco.

- Fr. Miguel de S.ta Maria, Religioso dos Eremitas de S.to  Agostinho, de 66 anos – Conhece o Réu há um ano e falou com ele algumas vezes e uma delas em presença do Rei. Acha que o Réu não tem lesão no entendimento, antes, tem suficiente entendimento, capacidade e juízo. Diante do Rei lhe deu parte de algumas proposições que tinha num seu manuscrito, que ele testemunha lhe censurou por “ímpias, blasfemas, judaicas e dogmatistas”, mas ele persistia nas suas razões.

fls. 331 img. 667 – 30-10-1724 –

- Fernando Cardoso, Alcaide dos cárceres, de 45 anos – Disse que o Réu é pessoa normal e não tem lesão nenhuma no entendimento; assistiu inclusive à visita que lhe fez o Médico.

- António João, guarda dos cárceres, de 56 anos – O Réu tem perfeito entendimento sem a menor lesão.

- José Teixeira, guarda dos cárceres, de 26 anos – O Réu tem perfeita capacidade de entendimento.

- Pedro Rodrigues, guarda dos cárceres, de 46 anos – O Réu tem bom juízo e capacidade, assim nas palavras, como nas obras.

fls. 335 img. 675 – 3-11-1724

- Francisco Carvalho, guarda dos cárceres, de 39 anos – O Réu tem bom juízo e capacidade.

- Diogo Vieira, Alcaide dos cárceres da penitência, de 66 anos – Não sabe fazer um juízo da capacidade do Réu. Quando este tinha autorização para ter papel e tinta na cela, quis ele mostrar-lhe o que escrevera, que ele testemunha se negou a ouvir ou ler. No que dizia, parecia por vezes não ter toda a capacidade, mas por outro lado observava que ele se portava como pessoa de bom juízo.

- Luis de Matos, guarda da penitência, de 45 anos – O Réu mostrava ter boa capacidade.

fls. 339 img. 683 – 6-12-1724

- José Moreira, guarda dos cárceres – Não lhe parece que o Réu tenha lesão alguma no entendimento. Só o viu alterado uma vez que o Alcaide lhe tirou o papel que tinha para escrever. Disse então "que ele tinha poderes de Deus para escrever e que só ele o podia fazer, por saber, e os Inquisidores não sabiam nada.

fls. 340 img. 685 – 6-12-1724

- Sebastião de Lucena, preso nos carceres secretos (Proc. n.º 11399-1), de 19 anos – Foi companheiro de cela do réu cerca de mês e pouco. Disse que o Réu ou estava doido ou estava para endoidecer. Falava muitos “desconcertos”. Encolerizava-se muito quando o contrariavam. Porém comia e dormia muito sossegado.

fls. 342 img. 689 – 26-1-1725

- Padre Manuel Rodrigues Pereira, preso nos cárceres secretos (Pr. n.º 7354), de 47 anos – Está com o Réu no mesmo cárcere há 17 dias. Disse que o Réu parece louco, profere heresias sem conexão nenhuma. De resto, está sossegado, come e dorme bem.  Com excepção das heresias que profere, não mostra lesão no entendimento.

fls. 344 img. 693 – 18-11-1724 –

- Dr. Manuel Baptista da Cunha, Cavaleiro professo do Hábito de Cristo, Médico dos cárceres, de mais de 50 anos – Visitou e curou o Réu no cárcere. Não percebeu que ele tivesse indício algum de loucura e pareceu-lhe que tinha juízo perfeito.

fls. 345 img. 695 – 18-11-1724

- Dr. Roque da Costa e Silva, Médico dos cárceres, de 48 anos – Nas vezes que visitou o Réu, “não lhe percebeu alguma variedade ou lesão no entendimento”.  e mostrava ter juízo perfeito.

- Dr. Manuel da Costa Pereira, Médico dos cárceres, de 69 anos – Visitou o Réu na prisão, mas já o conhecia desde há dois anos e meio quando ele foi a uma audiência Real dar um papel que tinha escrito.  Nunca lhe pareceu que tivesse lesão física no entendimento.

fls. 348 img. 701 – 12-5-1725 – Termo de juramento de segredo do P.e José Moreira Teles, que vai ser escrivão de uma diligência na cidade da Baía.

fls. 349 img. 703 – 28-9-1724 – Comissão ao Dr. João Calmon, Chantre da Cidade da Baía e Comissário do Santo Ofício, para inquirir testemunhas sobre a capacidade do Réu. Secretário, o P.e José Moreira Teles.

fls. 353 img. 711 – 16-6-1725 – Audição das testemunhas

- L.do Custódio Rodrigues Landim, sacerdote vigário da Igreja de N.ª Sr.ª da Conceição, na Baía, de 50 anos de idade- O Réu foi coadjutor da Igreja de S. Miguel de Cotegipe, onde ele testemunha era Pároco durante cerca de ano e meio e ali conviveu com ele. O réu era imprudente, temerário e muito presunçoso, fiado no seu saber que não era muito. E nunca o viu estudar. Mas nunca o teve por louco nem tinha lesão no entendimento.

- Inácio de Araújo de Gois, de 56 anos, natural da freguesia de S. Miguel de Cotegipe – Conviveu com o Réu há cerca de dezasseis anos, quando ele foi coadjutor do pároco de S. Miguel de Cotegipe. Pareceu-lhe  ser pessoa com bom entendimento, juízo e capacidade.

- Padre Diogo Coelho de Oliveira, de 39 anos, morador na praia da cidade da Baía – Achava o Réu do  bom entendimento juízo e capacidade, mas algo imprudente e inconstante nas suas decisões.

- L.do Padre António Gonçalves Pereira, de 41 anos, Vigário da Matriz de N.ª Sr.ª do Rosário – Achava o Réu leviano e por vezes mostrava variedade no entendimento, pouco persistente, sendo reputado por vário.

- Luis Ferreira da Costa, viúvo, de 67 anos, morador na freguesia de S. Miguel de Cotegipe – Disse que o Réu falava com juízo, mas era leviano nas suas acções, sendo reputado por pessoa de pouco assento e capacidade, mas não lhe consta que tivesse lesão no entendimento.

- João de Barros Machado, fidalgo, de 57 anos, Vereador da Câmara da Baía – O Réu tinha bom juízo e capacidade, só às vezes parecia ser leve e ligeiro por ser moço de poucos anos.

22-6-1725

- P.e Francisco Rebelo dos Reis, de 40 anos, morador na cidade da Baia – O Réu tinha bom juízo e capacidade, mas era ligeiro e tinha pouco assento.

- José Ferreira de Sousa, Mestre em Artes, de 45 anos, morador na freguesia de S.to António Além do Carmo, que se anda a habilitar para ser ordenado Sacerdote – Disse que andando o Réu a estudar Filosofia, tinha pouco assento na forma como punha as dúvidas, causando riso nos condiscípulos, porém que não tinha lesão no entendimento.  Mais tarde, quando ele lhe pôs uma dúvida sobre um texto do breviário, pareceu-lhe que ele estava doido.

fls. 359 img. 723 – 3-1-1726 – Inquisição de Lisboa

- Francisco de Oliveira Aranha, Cónego da Sé da Baía, de 44 anos – Conheceu o Réu por estudarem juntos. Disse que o Réu tinha bom juízo e capacidade, mas que sempre foi reputado por demasiado teimoso a defender a sua opinião. Teve também a leviandade de sair de casa e pôr demandas a seu pai. Depois teve de se ausentar da Baía por se dar a vícios com muita publicidade com uma mulher.

fls. 361 img. 727 – 30-9-1724

O Notário Tomás Feio Barbuda certifica que o Réu pedira Mesa onde veio dizer “por assim lho ordenar Deus, que havia um mês que em Lisboa se comia o pão amassado em sangue, porque se não dava execução à ordem que mandou a esta Mesa, por ele dito Padre, a qual se escreveu na sessão que com ele se teve em 29 de Agosto, a qual era que cessassem os sacrifícios da Missa, e a frequência deles, e que não tinha mais que dizer.

fls. 362 img. 729 – 10-10-1724

Os Inquisidores pedem ao Conselho Geral que mande estar com o Réu os P.es Carlos António Cernada  e Gregório Barreto, da Companhia de Jesus e Fr. João de S.to Agostinho, dos Religiosos de N.ª Sr.ª da Assunção.

Na mesma data, o Conselho despacha que se chamem o P.e Gregório Barreto, da Companhia; o P.e Manuel Ribeiro, da Congregação do Oratório e Fr. Pedro Monteiro, da Religião de S. Domingos, para estarem com o Réu.

fls. 364 img. 733 – 12-10-1724

O Réu pediu Mesa para fazer outra revelação “divina”: Deus dissera-lhe que viesse à Mesa como Seu embaixador, avisar que o Senhor Cardeal (Inquisidor Geral) e o Inquisidor João Álvares Soares (que dirigia a sessão) tinham incorrido em crime de lesa Majestade divina, e humana, por não se fazerem os sacrifícios da Missa, e as mais cerimónias católicas, e adorações às imagens, por ser tudo uma idolatria. Por isso veio intimar a Mesa, por descargo da sua consciência.

fls. 365 img. 735 – 26-10-1724 – Termo de como se perguntou ao Réu se queria estar com Padres.

Disse que aceita estar com Padres doutos para lhes comunicar as suas ideias e as suas interpretações das Escrituras.

fls. 367 img. 739 – 26-10-1724 – Termo de como foi mandado estar com o Réu o P.e Gregório Barreto, da Companhia de Jesus.

fls. 368 img. 741 – 16-11-1724 – O P.e Gregório Barreto, de 55 anos, após estar com o Réu.

Disse ter estado com o Réu cinco tardes. Descreve-o  como sendo de estatura proporcionada, cara comprida, magra e pálida, aparentando ter cerca de 40 anos.  Fez toda a diligência para que ele abandonasse os seus erros heréticos e se reduzisse à Fé católica. Mas ele mostrou-se pertinaz no judaísmo, negando o mistério da SS.ma Trindade, e dizendo que Cristo foi mera criatura e não o verdadeiro Messias e Redentor do mundo.

Dizendo o Réu que seguia a Lei de Moisés, o Padre fez-lhe ver a contradição de ele aceitar o Testamento Novo, que é rejeitado pelos judeus.  O Réu voltou à afirmação de que ele era próprio era o Messias escolhido por Deus.

Sobre a capacidade do réu, disse que, prescindindo da loucura dos seus erros, não lhe parecia que o Réu tivesse loucura física. Ficou-lhe a suspeita que o Réu estaria possesso ou vexado pelo demónio e por isso, exprimiu a opinião de que se lhe fizesse um exorcismo.

Este longo depoimento foi acompanhado de uma informação escrita do mesmo Padre, que não figura no processo, da qual se encontra uma cópia no livro de sentenças da Inquisição – II, 1.ª parte de António Joaquim Moreira, imagens 319 a 322. Repete os mesmos dados no depoimento e na informação.

fls.377 img. 359 – 18-11-1724 – Certificado do Notário Fabião Bernardes, do que se passou com o P.e Gregório Barreto

O Notário diz que acompanhou o Padre nas cinco sessões e foi testemunha dos esforços dele para convencer o Réu, que teimou sempre nas suas heréticas ideias. Disse  o Réu que os Santos Padres alucinaram na interpretação das Escrituras e que ele é que conhece o verdadeiro sentido delas por revelação divina.

fls. 378 img. 761 – 23-11-1724 – Termo de como foi mandado estar com o Réu o P.e Manuel Ribeiro.

fls. 379 img. 763 – sem data

O Notário Manuel Rodrigues Ramos certifica que o Réu pedira Mesa em 22-12-1724, onde veio dizer “que a Natureza Divina se há-de unir substancialmente à natureza humana, com aquele composto que há-de ser o Messias, o qual há-de ser ele declarante. E que a controvérsia que há entre ele Réu e o Padre da Congregação, com quem tem estado, é querer o dito Padre que Deus se fizesse homem, e ele Réu que o homem quatenus homem é que se há-de exaltar a ser Deus".

O Inquisidor João Álvares Soares mandou que o Réu fosse ter com o P.e Manuel Ribeiro e lhe pusesse todas as suas dúvidas.

fls. 380 img. 765 –4-1-1725 -  O P.e Manuel Ribeiro, da Congregação do Oratório, após estar com o Réu.

Fez cinco ou seis sessões com o Réu, procurando reduzi-lo à Fé católica. Os três principais erros dele são: intitular-se Messias, negar a divindade de Cristo e negar a SS.ma Trindade.

Sobre a capacidade, entende que ele é vário, ou sumamente imaginativo, é malicioso e muito teimoso e põe mesmo a hipótese de ele precisar de um exorcismo.

fls. 410 img. 825 – 8-1-1725 – Certificado do Notário Manuel Rodrigues Ramos, que acompanhou o P.e Manuel Ribeiro.

O Notário diz que acompanhou o Padre nas cinco sessões e foi testemunha dos esforços dele para convencer o Réu, que teimou sempre nas suas heréticas ideias.

fls. 411 img. 827 – 9-12-1724 -

O Notário Tomás Feio Barbuda certifica que em 9-2-1724 foi o Réu à Mesa por a ter pedido e, sendo mandado ajoelhar para fazer o juramento, não o quis fazer, não queria reconhecer Cristo como Deus nem jurar pelos Evangelhos, porque não cria neles e só jurava pelo Deus de Israel. Disse que os Teólogos que haviam estado com ele argumentavam com outros Padres alucinados, quando ele Réu é iluminado. Disse que notificava os membros da Mesa para que se deixassem de idolatrias. O que tudo disse com cólera e enfadado.

fls. 412 img 829 – 20-12-1724 – Declaração do Réu

O Réu pediu Mesa, não jurou pelos Evangelhos, pois não cria neles, mas sim pelo Deus de Israel. Disse que vinha referir as conclusões que havia tirado das conferências com o P.e Manuel Ribeiro, da Congregação do Oratório. Referiu depois mais uma série de insanidades.

fls. 414 img 833 – 2-1-1725 – Mais declarações do Réu

Prosseguiu com o mesmo tipo de insanidades.

fls. 416 img. 837 – 8-1-1725 - Termo de como foi mandado estar com o Réu o P.e Mestre Fr. Pedro Monteiro.

fls. 417 img. 839 – 24-1-1725 – O P.e Mestre Fr. Pedro Monteiro, após estar com o Réu.

O Réu repetiu as mesmas ideias que já tinha dito aos outros Teólogos.

No que refere à sua capacidade, disse Fr. Pedro Monteiro que o Réu lhe parece louco, furioso e apaixonado, mas, pelo seu raciocínio se vê que não é louco.

fls. 420 img. 845 – 24-1-1725 - Certificado do Notário Manuel Rodrigues Ramos, que acompanhou o P.e Mestre Fr. Pedro Monteiro.

O Notário certifica que acompanhou o Padre nas três conferências que ele teve com o Réu e foi testemunha dos esforços dele para convencer o Réu, que teimou sempre nas suas heréticas ideias. O Réu falou muitas vezes encolerizado e disse que não lhe mandassem mais Padres.

fls. 421 img. 847 – 25-1-1725 – O Inquisidor perguntou ao Réu se ele queria estar com outros Teólogos que o desviassem dos seus erros. Respondeu que não tinha erros e que os Teólogos é que viviam errados  pela má inteligência que davam às Sagradas Escrituras.

fls. 422 – img. 849 – 26-1-1725 – O Inquisidor perguntou ao Réu  que se passou nas reuniões com os Religiosos. Todos tentaram persuadi-lo de que os seus sonhos e revelações eram falsos, mas ele Réu soltara toas as dúvidas que eles lhe tinham posto.  Disse que ele Réu já não está obrigado à obediência à Igreja Católica porque Deus o dispensara disso.

fls. 424 img. 853 – 5-4-1725 - Exame

fls. 434 img. 873 – 23-5-1725 – O Notário Fabião Bernardes certifica que o Réu pediu para vir à Mesa e disse que “lhe fizessem justiça e que se merecesse a morte, que o queimassem e que, se não, que não lhe fizessem pirraças porque, sabendo muito bem que ele era observante da Lei de Moisés, e sendo proibido aos observantes dela comer toucinho, lho deram a ele Réu a comer com um frango cozido. E também sentia mal não o queimarem no Auto da Fé que em seis deste presente mês e ano, se fez nesta cidade de Lisboa, em que queimaram judeus, e que, sem embargo de que ninguém lhe dissera tinha havido o dito Auto da Fé, ele Réu o conjecturara assim por o haverem mudado do seu cárcere para outro, como também por ouvir duas mulheres, nem de não ver umas luzes nos cárceres, como dantes via”.

Houve de facto um Auto da Fé em 6 de Maio de 1725, sem relaxados.

fls. 435 img. 875 – 4-6-1725 – Sessão in specie

fls. 438 v img. 882 – Admoestação antes do libelo. Libelo. Lido o libelo disse o Réu que “apelava e agravava da iniquidade desta Mesa em continuar a proceder contra ele Réu, e contra os mais que abraçam a Lei de Moisés, antes de se averiguar se é ou não verdade os seus sonhos e visões e as ordens que à mesma Mesa tem intimado da parte de Deus, para o Tribunal de Sua Majestade, para que a todo o tempo que Deus mostrar a verdade dele Réu, quando Sua Majestade se deixar também da cegueira, em que ele e esta Mesa e os mais Católicos vivem, conhecendo e confessando que Deus é um em essência e trino em pessoas, e os mais mistérios da Fé, para que então se cumpra a profecia de David no Salmo 68 onde diz  fiat mensa eorum coram ipsis in laqueum et in retributiones et in scandalum.

Disse que queria estar com procurador. Foi-lhe dado como procurador o L.do Jacinto Robalo Freire, que prestou juramento em 31 de Julho de 1725 e se reuniu então com o Réu.

fls. 445 img. 895 – Traslado do libelo, devolvido pelo procurador

fls. 450 img. 905 – 31-7-1725 – O procurador escreveu: “O Réu P.e Manuel Lopes de Carvalho não tem justa defesa, com que vir, e só com grande obstinação quer confirmar o que se contém no libelo, e assim o não devo defender. V. S. usará com ele de toda a piedade para que Deus lhe inspire a retractação que deve fazer.” e depois  “e [o Réu] não assina por dizer está escusado.“

fls. 451 img. 907 – 31-7-1725

Depois de estar com o procurador, o Réu não quis voltar para o cárcere sem ir falar à Mesa. Jurou de novo pelo Deus de Israel. Disse que o procurador que lhe fora dado não o quis defender nem aprovar a sua doutrina. Disse que as suas razões devem ser examinadas por pessoas doutas, mas depois diz que não quer estar com mais Padres. Quer que o seu procurador exponha as suas razões.

fls. 452 v img. 910 – mesma data – O Inquisidor mandou vir o procurador. Perguntou-lhe o que se tinha passado na reunião com o Réu.  Disse ele que o Réu queria que ele expusesse as suas razões e as suas ideias religiosas. O procurador disse que preferia perder mil vidas a escrever tais coisas. Reputa o Réu por totalmente alucinado.

Sobre a capacidade do Réu, acha que ele é perfeitamente louco, pois só um louco pode afirmar tão grandes absurdos.  Se o Réu não tem lesão no entendimento, como parece não ter, então está iluso ou possesso do demónio, pela grande audácia e atrevimento com que fala.

fls. 454 img. 913 – 29-8-1725 – Citação

Citado o Réu da prova da justiça que havia contra ele, perguntando-se-lhe se queria estar com o procurador. Ele disse que sim, pelo que o Inquisidor mandou recado ao procurador para vir estar com o Réu.

fls. 455 img. 915 – 30-8-1725 – Estância com o procurador

fls. 456 img. 917 – Cópia da prova da justiça devolvida pelo procurador

fls. 459 img. 923 – O procurador declara que o Réu não quer vir com interrogatórios e acha que são verdadeiras as declarações das testemunhas.

Em despacho de 1 de Setembro de 1715, os Inquisidores mandam interrogar de novo as testemunhas.

fls. 460 img. 925 – Interrogatórios ex officio

fls. 465 img. 927 – Reperguntadas as testemunhas António Dias Fernandes, Francisco Rodrigues Pereira, Sebastião de Lucena, Desembargador Fernando Pereira de Vasconcelos,  Francisco Mendes Carvalho, Padre Domingos de Almeida, Padre Paulo de Mesquita e Sousa, Padre Manuel Pinto Vieira.

fls. 494 img. 993 – 2-10-1725 – Declaração em como o P.e António Pereira de Noronha era já falecido.

fls. 495 img. 995 – 2-10-1725 – Declaração em como o P.e João Esteves do Amaral tinha ido para o Rio de Janeiro.

fls. 496 img. 997 – 3-10-1725 –O Notário Fabião Bernardes certifica que o Réu foi à Mesa queixar-se  de a Mesa não lhe dar outro cárcere como tinha pedido. O Inquisidor disse que tal era falso. O Réu pediu “que o mudassem do dito cárcere, porque sentia por cima dele passadas de pessoas do sexo feminino,  que lhe desinquietavam a consciência”.

fls. 497 img. 999 – 10-10-1725 – Requerimento do promotor para publicação da prova da justiça. Admoestação antes da publicação. Publicação da prova da justiça. Ouvida a leitura, o Réu disse que não tinha contraditas com que vir, nem queria estar com o procurador. No entanto, o Inquisidor mandou que se encontrasse com o procurador.

fls. 503 img. 1011 – 13-10-1725 – Estância com o procurador

fls. 504 img. 1013 – Cópia da prova da justiça devolvida pelo procurador

fls. 508 v img. 1022 – 15-10-1725 – Despacho dos Inquisidores: Não tendo o Réu vindo com contraditas, dão-no por lançado das com que pudera vir.

fls. 509 img. 1023 – 16-10-1725 – Informação dos quatro Inquisidores.

Nos termos do Regimento, pedem que o Réu seja novamente visitado por Padres doutos.

O Conselho Geral despacha dizendo que a Mesa poderá chamar os Padres Mestres Fr. José do Nascimento, Religioso de S. Jerónimo, Manuel de S. Boaventura, Religioso de S. Francisco e Manuel Guilherme, Religioso de S. Domingos, todos qualificadores do S.to Ofício.

fls. 511 img. 1027 – 17-10-1725 –

O Inquisidor perguntou ao Réu por que persiste nos seus erros. Ele respondeu que tudo o que diz é baseado nos seus sonhos. E as pessoas doutas com quem falou abriram-lhe os olhos para conhecer a verdade dos seus sonhos. O Inquisidor disse-lhe que fora decidido mandar falar com ele mais Padres doutos.

fls. 514 img. 1033 – 20-10-1725 –

O Réu pediu Mesa para dizer que tivera um sonho segundo o qual as mãos dele Réu seriam lavadas no sangue do Inquisidor (João Álvares Soares) e do Cardeal Inquisidor Geral, “e de todas as mais pessoas que protegessem e amparassem a iniquidade deste Tribunal”. E prosseguiu no mesmo tom, com muitas citações em Latim.

fls. 515 v img. 1036 – 20-10-1725 – O Notário Manuel de Figueiredo certifica que, na sessão antes mencionada, que quando o “Réu acabou de dizer as últimas palavras do Salmo 65, começou a exclamar, dando em seu rosto grandes bofetadas, e dizendo: quem era ele para Deus dele fazer tanto caso, sendo uma criatura tão vil e pecadora: e que assim se conhecia se tinha ele razão para afirmar e perseverar em o que tem dito”. Em outra nota a seguir diz o mesmo Notário:  “que sem embargo do Réu, dito Padre Manuel Lopes de Carvalho dar em si próprio as bofetadas sobreditas, disseram que não as julgavam os Senhores Inquisidores e mais Ministros  que estavam na Mesa, por efeito de loucura, que o Réu tivesse, mas por furor diabólico e efeito da contumácia e cegueira do Réu; o mesmo “conceito” fiz eu, Notário”.

fls. 517 img. 1039 – 22-10-1725 – Termo de como foi mandado estar com o Réu o P.e Fr. Manuel Guilherme.

fls. 518 img. 1041 – 31-10-1725 – O Notário Alexandre Henrique Arnaut certifica que o Réu pediu para vir à Mesa e disse “que tinha passado com um Religioso com que o mandaram estar, dizendo o pouco que o satisfizera as suas proposições, e respondendo-lhe o dito Senhor Inquisidor que tornará a estar com o dito Religioso, disse que não era necessário, que de duas, uma, ou ele havia de ser queimado, ou esta Lei havia de ser levada do diabo, ao que o dito Senhor Inquisidor lhe disse que cuidasse bem no que dizia (…)”

fls. 519 img. 1043 – 22-11-1725 – Padre Fr. Manuel Guilherme, após estar com o Réu.

Teve com o Réu seis sessões. Disse-lhe ele que era judeu dos quatro costados  e que era o Messias prometido aos judeus.  Elencou todas as fantasias que o Réu lhe dissera e terminou: “E que este é em suma o lamentável estado em que se acha o dito preso e ele depoente o deixou persuadido que era irremediável a sua contumácia e cegueira.” Sobre a capacidade do Réu, disse “que o dito preso está obcecado e desamparado de Deus e é pessoa de mui poucas ou nenhumas letras e futilíssimo entendimento; não se atreve a fazer juízo no que toca a ser ou não ser louco, porquanto tem já visto muitos, que falam muitas horas sucessivas a propósito e são verdadeiros loucos, e al não disse”.

fls. 522 img. 1049 – 22-11-1725 - Certificado do Notário Manuel Rodrigues Ramos, que acompanhou o P.e Fr. Manuel Guilherme.

O Notário certifica que acompanhou o Padre nas seis conferências que ele teve com o Réu e foi testemunha dos esforços dele para convencer o Réu, que teimou sempre nas suas heréticas ideias. Quis dar-lhe um rosário, que ele não aceitou.

fls. 523 img. 1051 – 24-11-1725

O Notário Alexandre Henrique Arnaut certifica que o Réu pediu para vir à Mesa onde disse que era escusado mandarem-no estar com mais Padres; que para ver se os seus sonhos são verdade ou mentira, pedia à Mesa que lhe trouxessem as obras do Católico que fora Judeu, Nicolau de Lira e as concordâncias.

fls. 524 img. 1053 – 27-11-1725 – Informação da Mesa ao Conselho Geral

Os quatro Inquisidores referem a pretensão do Réu e dão a opinião de que se lhe não mandem mais Padres.  o Conselho Geral responde na mesma data, dizendo que se continue a mandar-lhe os Padres e que estes poderão levar os livros de Nicolau de Lira, mas que se não deixem no cárcere os mesmos livros.

fls. 525 img. 1057 – 29-11-1725 –

O Notário Alexandre Henrique Arnaut, certifica que, sendo notificado o Réu da decisão do Conselho Geral ele não quis aceitar, porque queria consultar os livros no cárcere e sem a presença do Padre que os levaria.

fls. 526 img 1059 -  29-11-1725 - Termo de como foi mandado estar com o Réu o P.e Fr. José do Nascimento.

fls. 527 img. 1061 – 2-1-1726 – Padre Fr. José do Nascimento, após estar com o Réu

Teve cinco sessões com o Réu. Explanou todas as ideias extravagantes do Réu, e terminou dizendo que ele está profitente da Lei de Moisés e num estado lastimoso. Perguntado sobre a capacidade do Réu, disse que, embora os seus erros “sejam tão disparatados que não cabem no entendimento humano”, contudo acha que ele não tem lesão física no entendimento. Referiu ainda de passagem que ouviu dizer a um Cónego da Baía que está em Lisboa e conheceu o Réu na Baía que o Réu era adoudado.

fls. 539 img. 1085 – 8-1-1726 - Certificado do Notário Manuel Rodrigues Ramos, que acompanhou o P.e Fr. José do Nascimento

O Notário certifica que acompanhou o Padre nas seis conferências que ele teve com o Réu e foi testemunha dos esforços dele para convencer o Réu, que teimou sempre nas suas heréticas ideias.

fls. 540 img. 1087 – 9-1-1726 - Termo de como foi mandado estar com o Réu o P.e Fr. Manuel de S. Boaventura.

fls. 542 img. 1089 – 27-1-1726 – Padre Fr. Manuel de S. Boaventura, após estar com o Réu.

Teve cinco sessões com o Réu. Este não mostrou qualquer sinal de abandonar as suas ideias extravagantes. Sobre a capacidade do Réu, acha que ele não tem nenhuma lesão física no entendimento.  O que ele tem é muita presunção e soberba. Também julga que o preso tem poucas ou nenhumas letras.

fls. 550 img. 1107 – 28-1-1726 – Certificado do Notário Tomás Feio Barbuda que acompanhou Fr. Manuel de S. Boaventura nas cinco sessões em que esteve com o Réu.

O Notário certifica que acompanhou o Padre nas cinco conferências que ele teve com o Réu e foi testemunha dos esforços dele para convencer o Réu, que teimou sempre nas suas heréticas ideias.

fls. 551 img. 1109 – 30-1-1726 –

Interrogado o Réu, disse que não está decidido a seguir a Religião Católica e está convicto que as suas ideias o conduzem à salvação. Sabe, porém, que o demónio utiliza todos os meios para a perdição das almas.

fls. 556 img. 1119 – 14-3-1726 – Declaração do Réu

Perguntado por que pediu audiência, disse que queria saber se estava apresentado no Tribunal de Cristo ou de Mafoma.  O P.e Manuel Guilherme disse-lhe que a Mesa estava hesitante em sentenciar a sua causa e de tudo o referido colhe ele Réu a sua inocência.

fls. 559 img. 1125 – 1-4-1726 – O Notário Alexandre Henrique Arnaut certifica que o Réu foi à Mesa fazer a mesma pergunta que Elias fez ao povo idólatra: quem era o Messias, se era ele Réu, por que não estava destruído o ceptro de Cristo e se era Cristo, por que não estava ele Réu queimado.

fls. 560 img. 1127 – 5-4-1726 – Processo concluso

fls. 561 img. 1129 – 5-4-1726 – 2.º Assento da Mesa

O Assento é muito longo, pois tem seis páginas em letra miudinha. Além disso é inconclusivo e deu origem a uma acção do Conselho Geral que nunca tinha visto: uma repreensão à Mesa da Inquisição.

Todos os votos foram no sentido de que o Réu estava convicto de heresia e apostasia, pois tinha consigo 20 testemunhos nesse sentido.  O Réu não tem lesão física no entendimento  e a maior parte dos testemunhos dizem que ele não é louco. O Réu defende o Judaísmo e é profitente da Lei de Moisés. Apesar disso, a Mesa ainda quer tentar a sua “redução”, com duas sessões apertadas, ou com um exorcismo, ou outro meio. Acham que ainda é cedo para uma decisão definitiva. O Réu só tem dois anos de prisão. Afinal, se ele persistir, a todo o tempo se poderá executar a sentença.

fls. 565 img. 1137 – 16-5-1726 – Carta do Conselho Geral à Mesa

O Conselho Geral reagiu com severidade. Exorcismos não são para a Inquisição e os qualificadores que neles falaram não conhecem a prática do S.to Ofício. O tempo que estão os presos antes de sentenciados não tem relevância, não tem regra certa, nem estilo. Somente não devem ser relaxados os Réus antes de um ano de prisão e antes dos 21 anos. Se a Mesa quer introduzir novos meios de reduzir os Réus, deve consultar o Conselho.  O Cardeal Inquisidor Geral “declarou que a liberdade com que se costuma votar no Santo Ofício, sempre foi regulada pelo Regimento, é prática observada e tudo o mais são doutrinas novas que não quer ver introduzidas”.

fls. 568 img. 1143 – 11-4-1726 – Assento da Mesa do Conselho Geral

“(…) e assentou-se que antes de outro despacho, seja o Réu chamado à Mesa e nela se lhe diga que, desejando o Santo Ofício a sua redução  e parecendo-lhe que com o benefício de mais largo tempo  melhorará do miserável estado em que se acha, sem embargo de estar a final a sua causa, lhe dá quatro meses de tempo para ele deliberar  em seguir e confessar por verdadeira a Lei de Cristo Senhor nosso: e que tenha entendido que, passado o dito termo, se tomará na sua causa a última resolução, como parecer justiça, do que se fará termo nos autos por ele assinado. Mandam que assim se cumpra.”

fls. 570 img. 1147 – 12-4-1726 –

Dois Inquisidores citam o Réu do Assento do Conselho Geral.

fls. 572 img. 1151 – 16-7-1726

O Réu pediu audiência para fazer um requerimento. Antes queria saber se já estava decidida a sua ida ao Auto da Fé. Os Inquisidores disseram que ainda não tinham passado os quatro meses. Disse então o Réu que, vista a impiedade e a injustiça daquele Tribunal, apelava para o Rei da sua causa.

fls. 574 img. 1155 – 17-7-1726

Perguntado o Réu se reconhece os seus erros, disse que não tem erros. Todas as diligências que a Mesa fez com ele, não visaram a salvação da sua alma, mas a sua perdição.  Queixa-se da Mesa por não lhe fazer justiça.

fls. 578 img. 1163 – O Notário Manuel Lourenço Monteiro certifica que em 29 de Julho de 1726, o Réu pediu para ir à Mesa e perguntou como estava a sua apelação para o Rei, da sua causa. Nada lhe foi respondido e ele rompeu em imprecações e injúrias dizendo que aquele era um Tribunal de ladrões.

fls. 580 img. 1167 – 30-7-1726 –

O Réu pediu audiência para protestar por a sua apelação não ter sido transmitida ao Rei. Requer que venha um Ministro de Sua Majestade falar com ele.

fls. 582 img. 1171 – 6-8-1726 – O Notário Alexandre Henrique Arnaut certifica que nesta data o Réu pediu para vir à Mesa perguntando pelo seu requerimento de oito dias antes. Foi-lhe dito que o requerimento fora visto na Mesa. Disse ele que a resposta era incongruente.

fls. 583 img. 1173 – 12-8-1726 - O Notário Alexandre Henrique Arnaut certifica que nesta data o Réu pediu para ir à Mesa onde disse que haviam terminado os quatro meses e queria saber qual a resolução a seu respeito. E queria também saber do seu pedido para falar com um Ministro de Sua Majestade. Foi-lhe respondido que na Mesa se viam os seus requerimentos e se lhe não havia de faltar com a justiça.

fls. 584 img. 1175 – 13-8-1726 –

O Réu pediu Mesa para perguntar qual a razão por que tinha sido preso, pois não podia deixar de ser por uma das três, a saber, ou por doido, ou por Réu, ou por mártir. E entende ele que é mártir, pois nem tem culpas, nem é doido e isso é que requer na Mesa.

fls. 586 img. 1179 – 13-8-1726 – A Mesa refere ao Conselho que se esgotaram os quatro meses.  Que o Réu levantou suspeições  a toda a Inquisição, mas não se lhe deu letrado para as formar, uma vez que ele acusara a instituição e não pessoas identificadas. Pede orientação de como prosseguir o processo.

Na mesma data, o Conselho diz que a Mesa deve tomar novo Assento e enviá-lo ao Conselho.

fls. 588 img. 1183 – 19-8-1726 - O Notário Alexandre Henrique Arnaut certifica que nesta data o Réu pediu para ir à Mesa  e disse que ele não queria ser sentenciado por esta Mesa nem que os mais do povo judaico o sejam, se não por Sua Majestade e para seguir a dita apelação pedia que se lhe desse procurador.

fls. 589 img. 1185 – 20-8-1726 – A Mesa  (com a assinatura de quatro Inquisidores) pede orientação ao Conselho sobre se se deve atender a apelação para o poder Real do Réu ou se deve despachar o processo.

O Conselho Geral manda notificar o Réu de que o seu pedido não pode ser deferido porque só os Inquisidores é que são juízes da sua causa.

fls. 591 img. 1189 – 21-8-1726 –

O Réu pediu audiência para perguntar do destino das suas apelações e suspeições e se lhe davam procurador. Foi-lhe dito que apenas os Inquisidores podiam decidir a sua causa. O Réu soltou imprecações repetindo que aquele era um tribunal de ladrões e que apelaria para o tribunal Divino.

A seguir, o Notário Manuel Rodrigues Ramos certifica que ao ouvir esta resposta, o Réu gritou “com vozes mui altas e desentoadas batendo com as mãos sobre o missal da Mesa, se enfureceu muito mais com extraordinários ditos e arremeteu a janela da mesa que estava fechada para a querer abrir e com efeito a abriu correndo-lhe ambos os fechos pedreiros inferior e superior, chegou a lançar meio corpo fora da janela sem embargo de já neste tempo estar o solicitador Carlos Nunes que serve de porteiro. que acudiu chamado ao toque da campainha abraçado com o dito preso que o impediu a dar mais passos adiante juntamente com o alcaide e guardas que também acudiram e o recolheram para a casa da mesa tornando-se-lhe a fechar a janela e o réu continuou com os mesmos gritos fazendo acções de querer investir ao senhor inquisidor João Alvares Soares sem embargo de terem pegado nele todos os ditos ofícios. e por nestes termos ser mandado ao seu cárcere, não assinou a sessão acima”.

fls. 593 img. 1193 – 21-8-1726 - O Notário Manuel Rodrigues Ramos certifica que nesta data o Réu pediu para ir à Mesa, e entrou na casa respectiva com “muito sossego e sesudeza”. Disse-lhe o Inquisidor que apenas os Inquisidores eram os juízes da sua causa e por isso as apelações e suspeições que tinha apresentado não podiam ter seguimento.  Então enfureceu-se. O Notário descreve depois o incidente já referido anteriormente.

fls. 594 img. 1195 – 22-8-1726 –

 - Fernando Cardoso, de 46 anos, Alcaide dos cárceres - O Inquisidor pediu ao Alcaide para descrever por palavras suas o incidente do dia interior com o Réu.  Disse que, quando foi chamado pela campainha, viu o solicitador Carlos Nunes, que serve de porteiro e Tomás de Aquino que, com grande força sustinham o Réu, que se queria atirar ao Inquisidor João Álvares Soares, “dando altas e descompassadas vozes, dizendo-lhe fizessem justiça e gritando há aqui d’El-Rei, e que nestes termos foi mandado para o cárcere”. Foi para o cárcere quieto e sossegado.

Perguntado pela capacidade do Réu, disse que sempre o considerou de boa capacidade, atribuindo o excesso do dia anterior a desespero, e não a falta de capacidade, “porque se fora loucura, havia de perseverar em fazer acções descompostas “. Disse que o Réu esteve depois todo o dia sossegado.

- António João, guarda dos cárceres – Este guarda ajudou o Alcaide a segurar o Réu na Mesa e fez um depoimento igual ao deste.

- José Teixeira, guarda dos cárceres – Disse que lhe contaram o incidente que se deu com o Réu na Mesa, e que, depois disso, ele ficou sossegado no cárcere. O Alcaide pôs-lhe uns “anillos” (algemas) que ele aceitou e, quando mais tarde o Alcaide lhos mandou tirar, quis beijar-lhe os pés e abraçou-o em agradecimento.

- Pedro Rodrigues, guarda dos cárceres – Também lhe contaram o incidente da véspera na Mesa. Perguntado se acha que o Réu tem capacidade, disse que acha que ele não tem lesão no entendimento.  Só uns dias antes em que se tinha dado tormento, ouvindo-se os gritos nas celas, indo levar o jantar ao Réu, disse este “se ficava aquilo bem feito” e perguntando-lhe ele o quê, chamou os guardas “velhacos e algozes”. Não acha isto loucura, mas que fora por ouvir gritar na casa do tormento.  E que em todo o mais tempo, está com muita quietação.

- Luis de Matos, guarda dos cárceres – Soube também do incidente com o Réu na Mesa. Disse que lida com ele há três meses e nunca viu palavras ou acções que denotassem lesão no entendimento.

fls. 605 img. 1217 – 22-8-1726 – 3.º Assento da Mesa

“(…) depois da admoestação que de ordem do Conselho Geral de que passado que lhe foi feita em 12 de Abril deste presenta ano, em que lhe foi dito que passado o termo de quatro meses se tomaria em sua causa a última resolução e a resposta que a ela deu e o mais que respondeu às perguntas que lhe foram feitas e os requerimentos e insultos que mais fez nesta mesa e constam por certidões: pareceu a todos os votos que o assento da mesa de 5 de Abril deste dito ano em que se assentou que o réu como herege profitente do judaísmo e outros erros fosse relaxado à justiça secular, sendo primeiro degredado actualmente de suas ordens não estava alterado antes mais confirmado com o que depois do mesmo tem dito e protestado: sem que lhe obste o insulto e arremesso que fez de querer fugir pela janela fora e gritos que deu na mesa. por ser tudo o referido originado de sua desesperação e não de lesão no entendimento.”

fls. 607 img. 1221 – 26-8-1726 –

- José Pereira da Cunha, ou José de Almeida ou Fr. José de S. Pedro (Pr, n.º 8786, de Lisboa), de 36 anos era companheiro do réu no cárcere e pediu audiência para dizer que o Réu lhe dissera que iria pedir para vir à Mesa todos os dias e havia de ali gritar bem alto para os outros presos ouvirem e mortificar os Inquisidores. Disse ainda que o Réu está muito confiado no patrocínio de Sua Majestade. Que o Réu antes de ser preso teria sido avisado por um Pedro de Sousa Benevides e teria pedido a protecção do Rei.

Disse que o Réu não tem lesão no entendimento e dorme bem de noite.

fls. 611 img. 1229 – 30 de Agosto de 1726 - Assento da Mesa do Conselho Geral

Relaxado à justiça secular.

fls. 613 img. 1233 – 29-9-1726 -  Auto de notificação, prevista no ponto II, XV, I do Regimento

fls. 614 img. 1235 – 11-10-1726 - Auto de notificação de mãos atadas, prevista em II, XV,V do Regimento. Ficou com ele o Padre Mestre Gregório Barreto, da Companhia de Jesus.

fls. 617 img. 1241 – Sentença

fls. 648 v img. 1304 – Conta de custas: 27$675 réis

 

Sentença do Tribunal da Relação:

Acordam em Relação, etc. Vista a Sentença junta dos Inquisidores, Ordinário e Deputados e por ela se mostra o Réu preso Manuel Lopes de Carvalho, Clérigo e Sacerdote que foi do hábito de S. Pedro, ser Herege Apóstata da Nossa Santa Fé Católica e por tal relaxado à Justiça secular, depois de ser actualmente deposto das suas ordens, e, como sendo apresentado neste Senado, nele declarou ser herege confitente, negando o principal Mistério de Nossa Santa Fé Católica: portanto, visto a sua pertinácia e impenitência, e ser herege afirmativo, o condenam a que, com baraço e pregão, pelas ruas públicas e costumadas o levem ao lugar da Ribeira, sítio destinado para o suplício dos delinquentes, e nele levantado em um poste alto, se lhe ponha o fogo, que vivo o consuma, para que dele e de sua sepultura não fique memória; e outrossim o condenam em perdimento de seus bens para o Fisco e Câmara Real, posto que tenha ascendentes ou descendentes, aos quais declaram por inábeis, incapazes e infames, na forma de um e outro Direito, e pague as custas. Lisboa Oriental, em 13 de Outubro de 1726.  Sanches. Álvares Pereira. D.or Coelho. Almeida. Cardeal. Vaz de Carvalho.

 (De António Joaquim Moreira, Sentenças da Inquisição, volume II-1, imagem 316 do software)

 Online: http://purl.pt/15392/4

 

ADENDA: Depois de escrito este texto, apareceu-me, sobre este assunto, a Tese de Mestrado em História apresentada à Universidade Federal Fluminense, por Tarso Oliveira Tavares Vicente em 2008. O texto, que tem o título “Heresia e martírio: A trajetória de um sacerdote baiano preso pela Inquisição”, está escrito em modo escorreito, mas não chegou ao cerne do problema: que a Inquisição condenou à morte um alucinado, que não podia ser responsabilizado por aquilo que dizia ou fazia.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

 

Adriana Romeiro, Um visionário na corte de D. João V: revolta e milenarismo nas Minas Gerais. Tese de doutoramento apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 1996

Online: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000109259

 

Adriana Romeiro, De Minas para a morte, Dois profetas saídos das Gerais não conseguiram se livrar da execução, mesmo com previsões otimistas para Portugal, in Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro – 1-12-2010, pgs. 27-33

Online: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/de-minas-para-a-morte

  

Adalberto Gonçalves Araújo Júnior,  No ventre da baleia: o mundo de um padre judaizante no século XVIII -, Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de S. Paulo em 2006.

Online: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-04072007-115155/publico/TESE_ADALBERTO_GONCALVES_ARAUJO_JUNIOR.pdf

 

Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1640

Online: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/7/20/p267

 

António Baião, Episódios dramáticos da Inquisição Portuguesa, 3.ª ed., Lisboa, Seara Nova, 1972-1973, 3 vols.

 

J. Lúcio de Azevedo, História dos Cristãos Novos Portugueses, Clássica, Lisboa, 1975.

 

David François de Merveilleux,  Mémoires instructifs pour un voyageur dans les divers Etats de l'Europe, Amsterdam, 1738

Online: http://books.google.com

 

Tarso Oliveira Tavares Vicente,  Heresia e martírio: A trajetória de um sacerdote baiano preso pela Inquisição,  Tese de Mestrado em História apresentada à Universidade Federal Fluminense, em 2008.

Online: http://www.catedra-alberto-benveniste.org/_fich/17/dissertacao_Tarso_Tavares_1_.pdf