2-4-2013 

 

 

JESUÍTAS

 

Denúncias de Mestre Simão (P.e Simão Rodrigues de Azevedo, S.J., 1510-1579)

 

Contra Damião de Góis

 

Em a cidade de Évora, aos cinco dias do mês de Setembro do ano do mil e quinhentos e quarenta e cinco anos, nas casas do despacho da Santa Inquisição, estando aí o senhor Licenciado Pedro Alvarez de Paredes Inquisidor Apostólico neste arcebispado de Évora e sua comarca o qual disse que ele era informado que o mestre da Congregação e Ordem do Jesus estante ora nesta cidade de Évora sabia algumas coisas de algumas pessoas tocantes à nossa santa fé católica, e para saber a verdade disso mandou chamar o dito mestre Simão, o qual pareceu ante ele senhor Inquisidor, do qual mestre Simão o dito senhor Inquisidor recebeu juramento em forma devida de direito pelo qual prometeu dizer verdade mediante o qual foi perguntado se sabe, viu, ou ouviu dizer que alguma pessoa ou pessoas assim presentes como ausentes tenham feito, dito, ou cometido algumas coisas contra a nossa santa fé católica, lei evangélica, e contra o que tem, crê e ensina a santa madre igreja, que dissesse a verdade e inteiramente descarregasse sua consciência disse o dito mestre simão que estando ele em Itália haverá agora oito anos pouco mais ou menos, e tornou a dizer que haverá nove anos pouco mais ou menos, estando na cidade de Pádua conheceu aí a Damião de Góis português que ao presente reside nesta cidade de Évora o qual agora veio de Flandres e ouviu ele testemunha dizer que o dito Damião de Góis era lá casado em Flandres, e que praticando ele declarante com o dito Damião de Góis sobre coisas da nossa santa fé católica lhe ouviu ele declarante dizer muitas coisas que ele testemunha para si tinha que eram heréticas e por haver muito tempo que passou como acima declarado tem, e também por não pensar mais nisso lhe não lembram todas, somente é lembrado que perguntando-lhe ele declarante que se ele Damião de Góis viesse a este reino de Portugal que faria, e se iria à Missa, e se faria as outras mais coisas como os outros cristãos fazem, e que o dito Damião de Góis lhe respondeu que faria como os outros, e que em seu coração lhe ficaria e teria o que havia de ter, e que as práticas que ambos passaram eram sobre os erros e heresias de Lutero, e que isto é o que sabe: e sendo perguntado que quanto tempo praticou e comunicou com o dito Damião de Góis sobre os erros de Lutero, e que declare especialmente sobre que erros do Lutero comunicou com o dito Damião de Góis, disse ele testemunha que praticou com o dito Damião de Góis nas sobreditas heresias de Lutero per espaço de dois meses pouco mais ou menos, e que em o que praticavam ambos era, ao que ao presente lhe lembra a seu parecer de potestate Papae et de confessione, e que nestas coisas todas via ele testemunha que o dito Damião de Góis louvava a doutrina do Lutero, e que ao que ele testemunha via e entendia do sobredito Damião de Góis era que ele tinha a dita seita e heresia de Lutero e via que se deleitava muito e comprazia nela.

E disse mais ele testemunha que o dito Damião de Góis pode fazer muito dano acerca das coisas da nossa santa fé católica, porque é homem avisado e sabe além do Latim alguma coisa da Teologia e sabe a fala francesa e italiana, e lhe parece também que saberá a Flamenga, e Alemã, porque andou muito tempo entre eles.

E também disse elo testemunha que o dito Damião de Góis lhe dissera que ele era grande amigo do um herege que se chamava Symon Grineus o qual habitava em Basileia, o qual Symon Grineus era tido dos luteranos em muita conta e grande reputação, do qual o dito Damião de Góis dizia que recebia carta ou cartas, e que ele Damião de Góis também lhe escrevia e respondia.

E disse mais ele declarante que sabia que o dito Damião de Góis tinha muita autoridade entre os luteranos e que o dito Damião de Góis dissera a ele testemunha que um Cardeal cujo nome ao presente lhe não lembra lhe escrevera a ele Damião de Góis como a pessoa que com os luteranos poderia acabar alguma coisa escrevendo-lhe para que nisso entendesse.  

E também ele testemunha ouviu dizer ao dito Damião de Góis que ele falara com Lutero, e a outras pessoas ouviu também dizer que o dito Damião de Góis fora discípulo de Erasmo, o que pousara com ele dentro em sua casa, e comia e bebia com ele.

E disse mais ele declarante que quando disputava com o dito Damião de Góis sobre as coisas da fé, ele declarante defendia as coisas da nossa santa fé, e o Damião de Góis sustentava os erros do Lutero e se deleitava muito nisso como acima já tem dito e que ao presente não era lembrado doutra coisa que lembrando-lhe o dirá.

E disse mais ele Mestre Simão que no mesmo tempo e na mesma cidade de Pádua, e assim mesmo na cidade de Veneza conversara com frei Roque de Almeida frade da ordem de São Francisco que naquele tempo andava em hábito de homem secular, o qual frei Roque é irmão, a seu parecer dele testemunha, da mulher de Jorge de Barros feitor da casa da India, e que quando praticava com o dito frei Roque algumas vezes era presente o dito Damião de Góis de que acima tem dito, c que ambos de dois a saber, o dito frei Roque e Damião de Góis defendiam a seita de Lutero, e ele declarante disputava contra eles e defendia a nossa santa fé católica, e que ele declarante achava o dito frei Roque mais contumaz e mais azedo em defender as coisas de Lutero.

E que lhe lembra a ele testemunha que praticou e disputou com o dito frei Roque de excommunicatione, em que lhe parece a ele declarante que o dito frei Roque a vinha anichelando, e também falavam de gratia et de predestinatione, e que estas ditas coisas defendia o dito frei Roque ao parecer dele testemunha conforme opinião de Lutero e que em extremo o dito frei Roque louvava a doutrina de Lutero dizendo que era boa doutrina.

E disse mais ele testemunha que querendo um dia rezar suas horas o dito frei Roque lhe dissera que não era obrigado a rezar e despendesse o tempo em ler pela sagrada escritura ou em outras coisas, e que sobre isso disputaram ambos, e que per derradeiro o dito frei Roque, ficou com a dita sua opinião e que o dito frei Roque e assim o dito Damião de Góis em suas palavras desfaziam, e tinham em muito pouca conta as constituições e ordenanças da Igreja tendo-as em pouco.

E sendo perguntado sobre que constituições da Igreja praticara de mais do que tem dito com os seus ditos que eles tinham em pouca conta, disse ele testemunha que lhe parece que era de delectu ciborum, e assim sobre outras coisas de que ao presente não é lembrado que lembrando-lhe, o dirá.

E disse mais ele testemunha que lhe parece que o dito Damião de Góis lhe emprestara um livro de Lutero sobre o Eclesiastes e que ouviu dizer que o dito frei Roque que no presente está no mosteiro de Enxobregas segundo ouviu dizer, se encontra muitas vezes com os frades da dita ordem sobre as coisas da fé, ou doutrina dela, segundo ele testemunha ouviu dizer a um frade que está ao presente no mosteiro da Arrábida, cujo nome não sabia e que as vezes que ele declarante praticou com o dito Damião de Góis e com o dito frei Roque em as coisas e seita de Lutero sempre os viu inclinados aos erros do dito Lutero, e ficarem sempre na dita pertinácia e firmes em seus erros que da dita seita de Lutero tinham.

E sendo perguntado que pessoas estavam mais presentes ao tempo e as vezes que ele declarante comunicava com os sobreditos frei Roque e Damião de Góis em as coisas e erros de Lutero, estando em Pádua, e assim em outras partes, e se comunicou com os sobreditos os mesmos erros de Lutero, Oecolampadio, e outros hereges? disse que em Pádua algumas vezes estava presente um mancebo flamengo que estudava na dita universidade, e pousava com o sobredito Damião de Góis, cujo nome não sabe, o qual mancebo ele testemunha tem para si que também tinha as mesmas opiniões de Lutero como os sobreditos pelos escárnios que lhe via fazer e dizer dos prelados da Igreja.

E que em Veneza quando ele testemunha praticava e disputava com o dito frei Roque sobre as coisas de Lutero como dito tem, não estava ninguém presente de que lembrado seja e que também ele declarante viu na dita cidade de Veneza o dito Damião de Góis, mas que não é lembrado se praticou com ele nas coisas do Lutero como praticou em Pádua, e que não é ele testemunha lembrado que em outras partes praticasse em as ditas coisas com os sobreditos, e que quando ele testemunha praticou com o dito frei Roque que lhe disse que não era obrigado a rezar, como dito tem, estavam ambos sós na pousada do dito Damião de Gois.

E disse mais ele declarante que haverá sete ou oito meses pouco mais ou menos que estando ele declarante em casa do Duque de Aveiro, aqui nesta cidade veio ter um recado do Lucas d’Orta para o Duque d’Aveiro, o qual Lucas d’Orta é Deão da Guarda, no qual recado entre outras coisas o dito Lucas d’Orta mandou ao Duque certos volumes de livros de Lutero, e Oecolampadio sobre a sagrada escritura, e que lhe parece a ele testemunha que eram seis ou sete volumes.

E sendo perguntado que volumes eram, e sobre que partes da sagrada escritura, disse que eram sobre toda a sagrada escritura assim sobre o testamento velho, como sobre o testamento novo, e que uns dos ditos volumes eram de Lutero e outros do Oecolampadio, e que ele testemunha leu os títulos dos ditos livros, e os abriu, e vendo que eram do Lutero, e Oecolampadio disse ao Duque que os não podia ter, e então o Duque os deu e entregou a ele declarante pera que os queimasse, e que ele testemunha os queimou e rompeu, e gastou; somente deu um livrinho d’eles ao padre frei Jorge inquisidor de Lisboa o qual livro era do Melancton, e que também o mesmo Lucas d’Orta mandou um livro ao mesmo Duque d’Aveiro, o qual era escrito de mão o qual livro tratava do uma nova opinião que em Itália se trata, a saber, de gratia, fide et operibus, e assim mandou outro livro de um católico o qual se chama frater Ambrosius Catherinus, o qual escreveu também contra Lutero, o qual livro era contra as opiniões do livro escrito de mão de gratia et fide et operibus, e que ele testemunha  disse ao Duque que aquele livro escrito de mão era de má doutrina, o qual livro era escrito em língua Italiana, e que achando o Duque depois que aquele livro era mau, o queimara segundo lhe dissera e que também parece a ele testemunha que o dito Lucas d’Orta era inclinado à doutrina do dito livro de gratia et fide et operibus, segundo nele via, e em suas práticas entendia, e que isto é o que lhe ao presente lembra, e que se outra coisa lhe lembrar que o dirá.

E que acerca do que ele testemunha diz do Lucas d’Orta, a saber, dos livros só pôde tomar informação do Duque d’Aveiro, e que diz isto por descargo de sua consciência e por serviço de nosso senhor, e não por ódio nem inimizade que tenha a nenhum dos sobreditos, porque lhe não tem, mas antes são todos grandes seus amigos, e ele testemunha deles, e foi-lhe mandado ter segredo sob cargo do juramento que recebeu, e ele assim o prometeu e assinou aqui juntamente com o senhor inquisidor. -- Garcia Lasso Notário Apostólico e da Santa Inquisição, que o escrevi.

E depois disto aos sete dias do mês de Setembro do dito ano de mil e quinhentos quarenta e cinco anos em Évora nas casas do despacho da Santa Inquisição estando aí o senhor Licenciado Pedro Álvares de Paredes Inquisidor Apostólico neste Arcebispado de Évora e sua comarca, etc. perante ele pareceu o dito padre Mestre Simão e disse, que ele é mais acordado que ao tempo que ele praticava com o dito frei Roque em Pádua como dito tem que praticaram de votis monasticis, à qual prática estava também presente o dito Damião de Gois a seu parecer, e que falando na dita matéria o dito frei Roque afirmava que ainda que um frade ou outra qualquer pessoa que tivesse feito voto do castidade, e sentisse em si depois de feito que o não podia guardar que non erat transgressor voti, posto que não guardasse o voto, que assim tivesse feito, e que isto dizia o dito frei Roque com muita veemência e como homem que assim o tinha e cria para si, e assim o disputava e defendia, alegando a este propósito aquela autoridade de S. Paulo que diz, melior est nubere, quam uri, e outras muitas razões de que ele testemunha ao presente não é acordado, que ele testemunha lhe argumentou e resistiu a isso quanto pôde mas que nunca pôde tirar o dito frei Roque daquela opinião e nela ficou, e que isto é o que lhe lembra ao presente, e jurou aos santos evangelhos em que pôs sua mão, que isto que agora diz assim mesmo é verdade, e que isto passou também no mesmo tempo que na primeira sua deposição tem declarado, e al não disse.

Foi perguntado se o dito frei Roque e Damião do Góis ambos juntos ou cada um por si ao tempo que diz que comunicava com eles sobre as heresias de Lutero, se os sobreditos ou algum deles o induzia, e aconselhava, ou persuadia, que ele declarante tivesse os -erros e opiniões de Lutero contra o que tem a santa madre Igreja de Roma e se lhe prometeram e fizeram algumas promessas por isso que diga a verdade e inteiramente descarregue sua consciência; disse ele testemunha que o que compreendeu do dito frei Roque e Damião de Góis é segundo seu parecer pelo que lhe diziam e neles via que eles queriam trazer a ele declarante as sua opiniões tinham contra o que tem a santa madre Igreja, que ele testemunha  tinha os sobreditos ambos de dois por luteranos, por as coisas que lhe via dizer e afirmar dos erros de Lutero, e que isto é o que lhe ao presente lembra, que lembrando-lhe outra alguma coisa mais que ele o dirá, e que isto é verdade pelo juramento que recebido tem, e que o diz por descargo de sua consciência e por serviço de nosso senhor e não por ódio nem inimizade que tenha a nenhum dos sobreditos, porque lho não tem, mas por assim passar na verdade, e al non disse; foi-lhe mandado ter segredo sob cargo do Juramento que recebido tinha, e ele assim o prometeu, e assinou aqui com o dito senhor Inquisidor, Garcia Lasso, notário apostólico e da Santa Inquisição que o escrevi.

Foram tirados e concertados dos próprios originais bem e fielmente por mim dito Notário por mandado do senhor Inquisidor e por certeza de verdade assinei aqui de meu sinal - Garcia Lasso notário Apostólico e da santa Inquisição que o escrevi.

 

Foram vistos estes autos na mesa do Conselho Geral do Santo Ofício estando presentes os Inquisidores e pareceu que as culpas de Damião de Góis eram obrigatórias a prisão e que fosse preso com todo o resguardo que convém a sua pessoa e para se lhe tomarem os livros luteranos que se presume que terá e que contra frei Roque por ser defunto se não procedesse por não haver prova inteira conforme ao Regimento, em Lisboa ao derradeiro de Março de 1571. Manoel de Coadros.

 

Contra Damião de Góis.

Contra frei Roque de Almeida.

Aos vinte e quatro dias do mês do Setembro de mil e quinhentos e cinquenta anos em Lisboa na casa do despacho da santa Inquisição estando aí o Reverendo padre mestre frei Jerónimo da Azambuja, e o doutor Ambrósio Campelo, deputados da Santa Inquisição mandaram vir perante si a Mestre Simão Reitor do Colégio de Jesus e lhe deram juramento dos santos evangelhos e lhe fizeram pergunta se era lembrado de seis ou sete anos a esta parte dizer alguma cousa no santo oficio da Inquisição de algumas pessoas que andavam apartadas da fé, e seguiam os erros luteranos, disse que é lembrado testemunhar o que sabia disso diante o Licenciado Pedro Alvares de Paredes Inquisidor de Évora onde dissera o que sabia de Damião de Góis e de frei Roque de Almeida frade de São Francisco de coisas que lhe ouvira, havia já muito muito tempo em Pádua e em Veneza e que tudo se acharia escrito em seu testemunho, e que por haver muito tempo que testemunhara terá trabalho em tornar a recopilar tudo, que pedia lhe lessem seu testemunho por quanto nele dissera todo o que sabia, e que se lhe agora mais lembrar que ele o dirá, e lhe foi logo lido e declarado todo seu testemunho que tinha dado perante o dito Inquisidor da cidade de Évora dos sobreditos Damião de Góis e frei Roque, e por ele mestre Simão foi dito que aquele era seu testemunho e que assi passara na verdade como nele tinha dito e declarado; e disse ele testemunha e declarou que no artigo onde diz saber ele testemunha que Damião de Góis tinha autoridade entre os luteranos que isto não sabia por outra razão somente por ele Damião de Góis lhe falar em muitos dos luteranos, e amostrar que tinha com eles amizade, e que lhe não lembra o nome dos luteranos salvo de Simão Gryneus, e que assim dizia lembrando-lhe mais que indo ele testemunha um dia em Pádua em casa do dito Damião de Góis no tempo que tem dito em seu testemunho estando aí o padre frei Roque de Almeida só, sendo ausente o dito Damião do Góis, o dito frei Roque o convidou em um dia defeso pela Igreja com coisas defesas que a seu parecer eram queijos frescos e insistiu muito com ele testemunha  que comesse, e que ele nunca quisera comer, e que também lhe parece que o dito frei Roque comia came e que estava mal disposto, e que parece a ele testemunha, que ainda que o fizesse por sua má disposição o fazia por lhe parecer que o podia fazer por as coisas que com ele tinha praticado, e disse mais ele testemunha que estando em Pádua no tempo que tem dito em casa do dito Damião de Góis disputaram um dia ambos a saber, ele e Damião de Góis sobre a certeza da graça, segundo sua lembrança e que ele testemunha lhe alegou uma autoridade de S. Paulo de uma das epistolas a Coríntios a qual ao presente lhe não lembra, e fazia segundo parece ao seu propósito dele Damião de Góis a qual ele testemunha dissera pera lhe amostrar que aquela fazia mais a seu propósito que a que ele dizia mas que nem uma nem outra provavam o que ele Damião de Góis dizia, a qual autoridade ele Damião de Góis alegava depois muitas vezes contra ele testemunha e que em esta disputa o dito Damião de Góis dizia que os homens podiam ser certos que estavam em graça, e al não disse, e que lhe não lembrava mais do que dito tem, nem que os sobreditos mais declarassem suas tenções do que ele testemunha tem declarado em o dito seu testemunho, e do costume disse que é amigo dos sobreditos e foi-lhe mandado ter segredo sob cargo do juramento. Antonio Rodrigues o escrevi.

(Processo n.º 17170, da Inquisição de Lisboa)

 

Contra Duarte Gomes e Agostinho Henriques

 
 

 

Die lune 8 mensis aprilis 1555

 

[Contra Odoardum Gomez et Augustinum Enrichez]. Venerabilis magister Simon de societate lesu Lusitanus, habitator penes monasterium Trinitatis Venetiarum in loco ecclesie qui nuncupatur Humilitate [1], testis ex officio assumptus, iuratus, monitus et examinatus super infrascriptis suo iuramento quod prestitit, respondit ut infra videlicet.

Et primo interrogatus an cognoscat vel quanto tempore cognoverit quemdam Odoardum Gomes et quemdam Augustinum <Muches> Miches sive Enriches Hispanos sive Lusitanos, a quanto tempore circa et qui fuerit et sit eam cognitionis illorum aut alterius ipsorum et pro quibus personis illos habeat et teneat circa fidem christianam, respondit: Quanto al primo, cioè Odoardo Gomez, lo cognosco poleno esser da 6 in sette mesi et Agostino sono dui overo tre mesi de più che lo cognosco et li ho cognosciuti per esser tutti portoghesi et ancho perchè in el mio viaggio che facevo in Hierusalem Augustino mi ha fatto apiacer in parlar alli mercanti et in convenir del precio. Et essendo poi venuto detto Odoardo et essend’io restato de andar al viaggio per respetto de 1’Armata, el mi ha aiutato a recuperar parte deli denari che havevo dato al mercante. Et quanto alla fede io dubito che siano giudei <benchè sono christiani battezati essendo> anchor che essi dicano che sono christiani et ne dubito perché non tengono tanta pratica con Portoghesi naturali christiani come con li altri et ancho perchè l ho veduto el detto Agustin alcune volte praticar con Giudei che portano la baretta overo el turbante zali et ancho perchè sono fattori della Beatrice de Luna che sta in Costantinopol giudia et con lei sta un fratello de detto Odoardo et credo che sia giudio anchor che ‘1 fusse prima christiano et si chiamava Gulielmo. Et ancho perchè il detto Odoardo, ragionando con me, me disse che l’haveva la tradution delli psalmi de David del Mustero [2] qual nel cathaolo [3] è reprobato et questo me disse pocho avanti <el de> la publication del detto cathalo et credo che chi li cercasse in casa li trovaria molti libri prohibiti. Et altra informacion non vi so dar, ma ne potreste haver informacion da misser Thomaso da Zernuzzo consolo delli Spagnoli, quali sa de molti altri Marani et specialmente de uno che se chiama el Costa .[Contra Licentiato Costa.] el qual sta in casa della Brianda de Luna marrana. Et aliud et cetera. Et iuravit de silentio.

 

 

[1] La chiesa ed il convento di S. Maria dell’Umiltà, sestiere di Dorsoduro, sorgevano nell’area attualmente occupata dal giardino del Seminario patriarcale alla Salute. Furono demoliti nel 1842. Cfr.TASSINI, Edifici, p. 98.

 

[2] S. MUENSTER, Liber Psalmorum cum translationibus quatuor et paraphrasibus duabus, Argentorati, ex Officina Knoblochiana per G. Machaeropoeum 1545.

 

[3] Cathalogus librorum haereticorum, Venetiis, apud G. Iulitum de Ferraris et Fratres 1554.

 

 

 

Segunda-feira, 8 de Abril de 1555

 

Contra Duarte Gomes e Agostinho Henriques

 

O Venerável Mestre Simão, Português, da Companhia de Jesus, morador no Mosteiro da Trindade em Veneza, no lugar da Igreja que chamam da Humildade, testemunha nomeada oficiosamente, juramentado, advertido a examinado sobre o que se segue com o seu juramento que prestou, respondeu como consta a seguir.

Interrogado primeiro se conhece e há quanto tempo conhece um certo Duarte Gomes e um certo Agostinho Micas ou Agostinho Henriques, Espanhóis ou Portugueses, há quanto tempo mais ou menos e qual o conhecimento que tem deles ou de um deles e por que tipo de pessoas os tem no que respeita à fé cristã, respondeu: Quanto ao primeiro, isto é, Duarte Gomes, conheço-o talvez há seis ou sete meses e a Agostinho, mais uns dois ou três meses, e conheci-os por serem ambos portugueses e também porque na minha viagem que ia fazer para Jerusalém, Agostinho me fez o favor de falar aos mercadores e combinar o preço. E vindo depois o Duarte e tendo eu ficado de partir com a Armada, me ajudou a recuperar parte do dinheiro que tinha dado ao mercador. Quanto à fé, penso que sejam judeus (sendo, porém, cristãos baptizados) embora eles digam que são cristãos e duvido deles porque não convivem tanto com naturais portugueses, como com os outros e também porque vi algumas vezes o dito Agostinho falar com Judeus que trazem o barrete ou o turbante e também porque são feitores de Beatriz de Luna, que é judia em Constantinopla e com ela está um irmão do referido Duarte, que creio seja judeu, embora antes fosse cristão e se chamava Guilherme. E também porque o referido Duarte, falando comigo, me disse que tinha a tradução dos Salmos de David de Münster, que está proibida pelo Índice; disse-me isso pouco antes da publicação do referido Índice e creio que se se fizesse uma busca a sua casa se encontrariam muitos livros proibidos. Não vos sei dar outras informações, mas podereis pedir informações ao senhor Thomaso da Zernuzzo, Cônsul dos Espanhois, o qual sabe de muitos outros Marranos, em especial de um que se chama Costa, que está em casa de Brianda de Luna, cristã nova. E o resto e etc. E jurou segredo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Zorattini, Pier Cesare Ioly, (a cura di), Processi del S. Uffizio di Venezia contro Ebrei e giudaizzanti, Firenze, Leo S. Olschki Editore, 1980, vol. 1.º (1548-1560),  pags. 226-227)

 

 

Carta a el-rei D. João III, escrita de Veneza por mestre Simão ׀ Rodrigues ׀ da Companhia de Jesus, sobre os judeus portugueses que viviam em Ancona e em outras cidades de Itália.
(ANTT, Inquisição, Conselho Geral, Papéis Avulsos, maço 7, n.º 2645) fl. 212 rr


Copia de hũa carta do mestre Simão Religioso da Companhia de Jesvs, Escrita de Veneza a el-Rey Dom João 3.º, a qual está na Torre do Tombo na gaueta dos extras, em que lhe dá conta dos christãos-nouos bautizados deste Reyno, que estão nas Sinagogas de Italia. Anno 1554.

Senhor. Em hũa peregrinação que faço a Hiejusalem para ver a terra, que Christo entre todas escolheo para nella obrar os misterios de nossa Redempção, passei por Ancona, e como as couzas, que se vem com os olhos mais se sentem, que as que se ouvem, os trabalhos espirituaes, que vi nesta terra antre a gente Hebrea, que desse Reyno veio, me forçarão a dar esta informação a Vossa Alteza, e não quero que de outra cousa sirua mais que de informação, qua este negocio, a qual darei a Vossa Alteza não sem grande dor e compaixão de tantas almas, quantas vejo que se perdem nesta terra, podendo-se Remedear por christaos, e não o fazerem elles he causa doutro nouo sentimento a aquelles, que algum zelo tem da gloria, e honra de Jesu christo nosso Rey, e senhor Hauera em a cidade de Ancona Portuguezes Judeos, e Judeos, e com publicas esnogas, e com titulo de Judeos dous mil e quinhentas, ou athe tres mil almas, segundo a informaçâo que dos mesmos tiue, e todos estes receberão a agoa do santo Baptismo nesse Reyno de Vossa Alteza, tirando alguns meninos que cá nascerão, couza muito para sentir, e chorar ver os Meninos fallar Portugues, e dizer hum, que se chama Samuel, outro Abraham, outro Izac, os quais lá se chamauão Pedro Antonio, e Francisco, e outros nomes de santos, e assi se chamarão se lá estiverão; e alguns o forão por Misericordia de Deos, que agora cá estão em estado de infedelidade, e condenação. quantos destes, e quantos multiplicados dos descendentes destes se lá estiuerão houuerão de morrer em a fé de christo, e louuar seu Santo nome e todos agora estão em caminho de damnação: Misericordioso he Deos para destas pedras Resossitar alguns verdadeiros filhos de Abraham: Abalou-me ver a desolação, e perdição desta gente, e isto me moueo escreuer a Vossa Alteza; estiue para lhe ir fazer hũa pratica as suas sinagogas, e quasi o tinha concertado, dipois pareceu-me melhor fallar com alguns particularmente e saber que desculpas dauão a seus erros, e a tanta segueira, e infedelidade, hauendo tanto tempo viuido Christaos, dizem-me são christaos em o animo, e Judeos no publico, por não poder viuer de outra maneira, dizem que se são christaos que os Italianos os tem por Marranos, e não se podem delles ajudar e que os Judeos os tem por christaos, e não os ajudão; de maneira que dizem ׀ ׀ 212 v ׀ ser-lhes forçado serem Judeos: não se entendem, nem são Judeos nem Christaos, tem por ley viuer e ganhar; ha entre estes quem está Cá judeo, e tem lá os filhos Christaos; outros Irmaos, Primos, Tios e outros parentes: hé hũa confusão, e porem o Demonio fes, e fas nelles melhor seu negocio, que nós o de Christo: elles estão perdidos nesta terra, nem tem exemplo dos christãos, nem occazião para o serem: cada dia hãode ir em peior, e hãode trazer outros atrás si; acheios com saudade, e dezejo de tomar a Portugal, e só este meio humano, e esta occazião segundo parece os podera reduzir outra ves a fé de Christo, e dizem que se Vossa Alteza lhes der licenca liure para se tornar, que hauerão perdão do Papa de todo o passado, e se tornarão, e serão christaos, e que os seus Meninos assi o dezejão, que por se tornar irião descalços com os pés ensanguentados; este dezejo os faria ser Christaos: troixerão escrauas, e escrauos que também cá são Judeos, e entre estes vierão algũas moças pobres christas velhas as quais também se fizerão Judias. Creia Vossa Alteza que he grão compaixão ver esta dezauentura, e alguns delles a chorão, mas escuzão-se com não poder viuer de outra maneira, perderão a fé, estão cegos, cahirão nesta enfermidade, tem necessidade de quem os ajude a leuantar, se forão fortes não tiuerão necessidade de Portugal, pois em toda a parte, e em toda a occazião o christão há-de ter a fé de Christo, mas estes estão enfermos, nao lhes abastão os pés a sosterem-se sem bordão, convem que se arrimem a algũa parede, bem aventurada sera a parede, que os sostiuer em a fé de Christo, e o bordão, que os tirar de tal atolleiro. Vossa Alteza he Rey, e inclinado a piedade, e Misericordia, veja se convem perdoar a esta gente, e dar-lhes licença para se tornar com perdão do Papa, e por alguns particulares, se hos ahi ouuer; os quais se podem exceptuar: não percão todos, e sera necessairo algũa que entenda neste negocio, hauendo Vossa Alteza por seruiço de Deos, e seu, e que esforce alguns fracos, e vá a Ferrara onde tambem há grande multidão delles, e outras partes Onde elles estão, e proceda destramente, para que este serviço de Deos não se perca pello mao modo, que nisso se pode ter, a qual pessoa seguirá a ordem ׀ ׀ 213 r ׀ que nisso Vossa Alteza quiser que se tenha secreta, ou publica, e certo que em cazo de tão extrema necessidade esperitual parece obrigação, e tanto mais quanto menos elles por outra via parece não tem outro Remedio; certificarãome alguns que todos, ou quasi todos se tornarião, e como elles forem desta maneira e com saber que ha hi Inquisição, guardar se hão melhor, que os outros, e hão de dar milhores mostras de si que os outros, e quando as não dem Nihil ocultum, quod non Reueletur: elles estão já fartos de ser Judeos e como homens enfastiados do Manâ que cuidauão achar, e dos trabalhos deste Egipto, darão graças a Deos se se virem em a terra de promição, e certo essa o será para elles, nella hão-de achar a Christo; e Vossa Alteza não Recebe gente noua no Reyno, senão a que se sahio; ao menos ganhar se hão os Meninos destes e seus multiplicados descendentes, os quais no cabo da jornada serão muitos; e atalhar-se-ha a outros perderem as saudades das suas esnogas, Vendo que estes sahem dellas, e se fazem christaos. Vossa Alteza veja se conuem perdoar a este pouo cego inorante, e Rebelde, e lembre-se da paciencia, que Moysés com elle teue, e com quantos trabalhos lhe deram; e com quanto o queriam apedrejar, desia a Deos: Parce, Domine, parce populo huic, aut dele me de libro vitae; em o qual liuro da vida peço a nosso Senhor, que Vossa Alteza cada dia se escreua com nouos desejos e nouas obras, acrecentando merecimentos, e desejos constantes e firmes de uer a Deos, como creio que agora o vem alguns, com os quaes espero que Vossa Alteza ha-de Reynar com mais alegria e contentamento do que dá este Mundo, que por muitas vias nos dá a entender seos tristes, vãos, fracos, e pouco duraueis fundamentos e prazeres. Bom Pregador, que assi nos prega e dis as uerdades, näo com palauras, mas com obras nos ensina a ser todo o ser mudauel, e incerto. Vossa Alteza ponha seu cuidado, e desejo em a vontade de Deos, como creio que fas, donde vem stabelidade, e firmeza de todas nossas cousas; E dé pressa a sua saluação; não espere por tempo, porque elle soe faltar, quando menos se cuida e espera; e pois ou sempre em meos sacrificios, e orações peço a Nosso senhor saluação de sua alma (nem para isso me impedem terras estranhas). tambem a poderei pedir e lembrar a Vossa Alteza; para que minha petição tenha effeito, porque dis Santo Agostinho Qui fecit te sine te, non saluabit te sine te. E sem sem ׀ ׀  sic ׀ ׀ Vossa Alteza abastara deligencia ou perigrinaçöes de Jherusalém, esta minha folgara eu que fora a primeira. Mas em tanto quanto ella pode aproueitar. (e aproueitara muito, se fora feita por outro melhor, que eu). Vossa Alteza tenha por certo, que tem nisso muita parte, assi como a tem em minhas outras orações, trabalhos, e peregrinações. De Veneza a des dias de Julho Mil, e quinhentos sinquenta, e quatro.

                                                                                                                           Mestre Simão

(António Borges Coelho, Inquisição de Évora: dos primórdios a 1668, 2 vols. Editorial Caminho, 1987, 2.º volume, pags. 100 a 103)

 

 

S. Francisco Xavier (1506-1552), pedindo a D. João III a Inquisição para a Índia

 

JOANNI III, LUSITANIAE REGI

Ex Amboino 16 Maji 1546

Sennhor,

1 . Por outra via tenho scripto a Vosa Alteza da muita nesecydade que a Yndia tem de preguadores, porque à minguoa d'eles a nosa samta fee, amtre nosos portugeses vay muito perdemdo-çe a ffee [sic]. Ysto diguo por a muita espiriemçia que tennho por as fortalezas domde amdo: he tamta [a] comtratação comtinoa que temos com os ymfies, he tão pouca nosa deuação, que mais azinha se trata com eles proueitos temporais, que misterios de Cristo noso Redemtor e Saluador. As molheres dos casados naturais da terra, e filhas e filhos mestiços, comtemtam-se em dizer que são purtugeses de jeração e não da lei: a causa hé a mimguoa que hé quá de prégadores, que emsinnão a lei de Xpo.

2 . A segumda nesecydade, que a Ymdia tem pera serem bons xpos os que n'ela viuem, hé que mande V. A. a samta Ynquizisão; porque ha muitos que viuem a ley mozaica e seita mourisca, sem nenhum temor de Deos nem verguonha do mundo: e porque ysto[s] são muitos e espalhados por todas as fortalezas, he neseçaria a samta Ymquizisão e muitos préguadores: proueija V. A. seus leaes e fies vaçalos da India de cousas tão necesarias.

3. Com Fernnão de Sousa, capitão mor d’uma armada, quue veio da Yndia a Malluco em soquoro da fortaleza, por causa dos castelhanos que vierão da Noua Espanha, vierão tres capitães leas e fies vaçalos de V. A.. D'estes matarão huum os mouros de Yeilolo d'uma bombardada, chamado por nome Yoam Gualuão: dous outros, por nomes chamados Manoel de Mesquita  e Lionel de Lima, seruirão muito a V. A. em ajudar a librar a presão, em que estaua a fortaleza de V. A.  de Maluco, gastamdo ho seu e de seus amiguos em dar de comer a pobres lascarins, e aguasalhamdo os castelhanos que da Noua Espanha vierão, prouemdo-os de uestidos e comer, mais como a proximos que como ymiguos. Estes capitães de Uosa Alteza, co[mo] são mais caualeiros que chatis nem mercadores, não se soubérão aproueitar pera ajuda de seus guastos do fruto do crauuo, que Deos n'esta terra daa, esperão ho gualardão de seus seruuiços de Deos primeiramente, e despois de V. A, pois tem tamto bem seruido en ista trabalhosa viagem de Maluco, com tamto periguo de suas almas e vidas. Lembre-se V. A. de Manoel de Mesquita que vay n’uma nnaao com muitos castelhanos e purtugeses, a quem da de comer a suua fusta, e asy leua a sua fusta em que veo a carguo  a quem da de comer. Lionel de Lima leua tãobem muito gasto. Lembre-se V. A. d'eles pera lhes fazer merçês, pois tão bem Ihas merecem. Deos noso Sennhor acresemte o estado e vida de V. A. por muitos annos, pera muito seruiço de Deos e acrecemtamento da nosa samta fee.

 

D'Amboino a dezaseys de Mayo ano de 1546.

 

Seruo inutil de Vossa Alteza,

 

Francisco

 

 

Inscriptio.  P.a el Rei, do padre M.re Framcisco ".

 

(Monumenta Xaveriana, ex Autographis vel antiquoribus exemplis collecta, vol. 1.º, Sancti Francisci Xaverii Epistolas aliaque scripta complectens, Madrid, 1899-1900, pag. 421)