2-3-2001

 

 John Donne

(1572 – 1631)

 

Poems:

The Ecstasy

A Lecture Upon The Shadow

A Valediction - Forbidding Mourning

The Sun Rising

To his mistress going to bed

The Flea

 

 

The Ecstasy

Where, like a pillow on a bed
A pregnant bank swell'd up to rest
The violet's reclining head,
Sat we two, one another's best.

Our hands were firmly cemented
With a fast balm, which thence did spring;
Our eye-beams twisted, and did thread
Our eyes upon one double string;

So to'intergraft our hands, as yet
Was all the means to make us one,
And pictures in our eyes to get
Was all our propagation.

As 'twixt two equal armies fate
Suspends uncertain victory,
Our souls (which to advance their state
Were gone out) hung 'twixt her and me.

And whilst our souls negotiate there,
We like sepulchral statues lay;
All day, the same our postures were,
And we said nothing, all the day.

If any, so by love refin'd
That he soul's language understood,
And by good love were grown all mind,
Within convenient distance stood,

He (though he knew not which soul spake,
Because both meant, both spake the same)
Might thence a new concoction take
And part far purer than he came.

This ecstasy doth unperplex,
We said, and tell us what we love;
We see by this it was not sex,
We see we saw not what did move;

But as all several souls contain
Mixture of things, they know not what,
Love these mix'd souls doth mix again
And makes both one, each this and that.

A single violet transplant,
The strength, the colour, and the size,
(All which before was poor and scant)
Redoubles still, and multiplies.

When love with one another so
Interinanimates two souls,
That abler soul, which thence doth flow,
Defects of loneliness controls.

We then, who are this new soul, know
Of what we are compos'd and made,
For th' atomies of which we grow
Are souls. whom no change can invade.

But oh alas, so long, so far,
Our bodies why do we forbear?
They'are ours, though they'are not we; we are
The intelligences, they the spheres.

We owe them thanks, because they thus
Did us, to us, at first convey,
Yielded their senses' force to us,
Nor are dross to us, but allay.

On man heaven's influence works not so,
But that it first imprints the air;
So soul into the soul may flow,
Though it to body first repair.

As our blood labors to beget
Spirits, as like souls as it can,
Because such fingers need to knit
That subtle knot which makes us man,

So must pure lovers' souls descend
T' affections, and to faculties,
Which sense may reach and apprehend,
Else a great prince in prison lies.

To'our bodies turn we then, that so
Weak men on love reveal'd may look;
Love's mysteries in souls do grow,
But yet the body is his book.

And if some lover, such as we,
Have heard this dialogue of one,
Let him still mark us, he shall see
Small change, when we'are to bodies gone.

 

 

                                                                                         O Êxtase

 

Onde, qual almofada sobre o leito,
A areia grávida inchou para apoiar
A inclinada cabeça da violeta,
Nós nos sentamos, olhar contra olhar.

Nossas mãos duramente cimentadas
No firme bálsamo que delas vem,
Nossas vistas trançadas e tecendo
Os olhos em um duplo filamento;

Enxertar mão em mão é até agora
Nossa única forma de atadura
E modelar nos olhos as figuras
A nossa única propagação.

Como entre dois exércitos iguais,
Na incerteza, o Acaso se suspende,
Nossas almas (dos corpos apartadas
Por antecipação) entre ambos pendem.

E enquanto alma com alma negocia,
Estátuas sepulcrais ali quedamos
Todo o dia na mesma posição,
Sem mínima palavra, todo o dia.

Se alguém - pelo amor tão refinado
Que entendesse das almas a linguagem,
E por virtude desse amor tornado
Só pensamento - a elas se chegasse,

Pudera (sem saber que alma falava
Pois ambas eram uma só palavras),
Nova sublimação tomar do instante
E retornar mais puro do que antes.

Nosso Êxtase - dizemos - nos dá nexo
E nos mostra do amor o objectivo,
Vemos agora que não foi o sexo,
Vemos que não soubemos o motivo.

Mas que assim como as almas são misturas
Ignoradas, o amor reamalgama
A misturada alma de quem ama,
Compondo duas numa e uma em duas.

Transplanta a violeta solitária:
A força, a cor, a forma, tudo o que era
Até aqui degenerado e raro
Ora se multiplica e regenera.

Pois quando o amor assim uma na outra
Interanimou duas almas,
A alma melhor que dessas duas brota
A magra solidão derrota,

E nós que somos essa alma jovem,
Nossa composição já conhecemos
Por isto: os átomos de que nascemos
São almas que não mais se movem.

Mas que distância e distracção as nossas!
Aos corpos não convém fazermos guerra:
Não sendo nós, não convém fazermos guerra:
Inteligências, eles as esferas.

Ao contrário, devemos ser-lhes gratas
Por nos (a nós) haverem atraído,
Emprestando-nos forças e sentidos.
Escória, não, mas liga que nos ata.

A influência dos céus em nós atua
Só depois de se ter impresso no ar.
Também é lei de amor que alma não flua
Em alma sem os corpos transpassar.

Como o sangue trabalha para dar
Espíritos, que às almas são conformes,
Pois tais dedos carecem de apertar
Esse invisível nó que nos faz homens,

Assim as almas dos amantes devem
Descer às afeições e às faculdades
Que os sentidos atingem e percebem,
Senão um Príncipe jaz aprisionado.

Aos corpos, finalmente, retornemos,
Descortinando o amor a toda a gente;
Os mistérios do amor, a alma os sente,
Porém o corpo é as páginas que lemos.

Se alguém - amante como nós - tiver
Esse diálogo a um ouvido a ambos,
Que observe ainda e não verá qualquer
Mudança quando aos corpos nos mudamos.

 

 Tradução de Augusto de Campos

 

 

A Lecture Upon The Shadow

Stand still, and I will read to thee
A lecture, love, in love's philosophy.
These three hours that we have spent,
Walking here, two shadows went
Along with us, which we ourselves produc'd.
But, now the sun is just above our head,
We do those shadows tread,
And to brave clearness all things are reduc'd.
So whilst our infant loves did grow,
Disguises did, and shadows, flow
From us, and our cares; but now 'tis not so.
That love has not attain'd the high'st degree,
Which is still diligent lest others see.

Except our loves at this noon stay,
We shall new shadows make the other way.
As the first were made to blind
Others, these which come behind
Will work upon ourselves, and blind our eyes.
If our loves faint, and westwardly decline,
To me thou, falsely, thine,
And I to thee mine actions shall disguise.
The morning shadows wear away,
But these grow longer all the day;
But oh, love's day is short, if love decay.
Love is a growing, or full constant light,
And his first minute, after noon, is night.

 

Prelecção Sobre a Sombra

 

Espera, que uma prelecção eu vou te ler,
Amor, sobre o amor e sua filosofia.
Nessas três horas de nosso lazer,
Aqui vagando, um par nos precedia
De sombras, que eram por nós mesmos projectadas;
Ora o sol está a pino sobre nós, tu vês,
E nossas sombras, sob nossos pés;
E tudo se reduz à brava claridade.
Assim, ao que nosso amor infante crescia,
Nossas sombras, o nosso disfarce, sumia
De nós e nossos medos; mas avança o dia.
Nenhum amor atinge o seu mais alto grau
Enquanto a vista alheia teme, como um mal.

A menos que o amor no zénite haja parado,
Produziremos novas sombras do outro lado.
Se as primeiras servem a nos ocultar,
Aos outros cegando; estas, a actuar
Atrás de nós, é qual a nós mesmos cegar.
Se nosso amor definha e declina no poente.
Tu a mim e eu a ti, falsamente,
Nossas acções deixamos se disfarcem
Entre nós. As sombras da manhã se desfazem;
Estas crescem sempre mais, todavia,
Pois, ai! se o amor se esvai, curto é o seu dia.
O amor é uma luz sempre crescente e constante;
Seu primeiro minuto após meio-dia é noite.

 Tradução de Aíla de Oliveira Gomes

 

 

A Valediction - Forbidding Mourning

As virtuous men pass mildly away,
And whisper to their souls to go,
Whilst some of their sad friends do say
"The breath goes now," and some say "No";

So let us melt, and make no noise,
No tear-floods, nor sigh-tempests move;
'Twere profanation of our joys
To tell the laity our love.

Moving of th' earth brings harms and fears;
Men reckon what it did and meant;
But trepidation of the spheres,
Though greater far, is innocent.

Dull sublunary lovers' love
(Whose soul is sense) cannot admit
Absence, because it doth remove
Those things which elemented it.

But we, by a love so much refined
That ourselves know not what it is,
Inter-assurèd of the mind,
Care less, eyes, lips, and hands to miss.

Our two souls, therefore, which are one,
Though I must go, endure not yet
A breach, but an expansion
Like gold to airy thinness beat.

If they be two, they are two so
As stiff twin compasses are two:
Thy soul, the fixed foot, makes no show
To move, but doth, if th' other do.

And though it in the center sit,
Yet when the other far doth roam,
It leans, and hearkens after it,
And grows erect, as that comes home.

Such wilt thou be to me, who must
Like the other foot, obliquely run;
Thy firmness makes my circles just,
And makes me end, where I begun.

 


Uma Despedida: Proibido Chorar

 

Como homens de virtude passam sem alarde,
Meio a sussurros em que entregam a sua alma,
Enquanto alguns amigos tristes dizem, é tarde,
"Já não respira; e outros, inda não, tem calma:

Assim choremos nós, quietos, sem alarido,
Sem dilúvios causar ou mover tempestade,
Que nossa emoção se profana em alheio ouvido -
Falar de nosso amor, só muito à puridade.

Os movimentos da terra causam tremores,
E o homem calcula seus efeitos consequentes;
Mas trepidações nas esferas, tão maiores
Que abalos sísmicos, estas são inocentes.

No amor, os amantes do mundo sublunar
(Cuja alma está só nos sentidos) não suportam
Ausência - que ela pode desarticular
Os elementos que no seu amor se entrosam.

Mas nós - o nosso amor é tão mais refinado
Que nem podemos sondar seus múltiplos folhos,
Nosso espírito é tão coeso e afinado
Que nem ligamos para mãos, lábios ou olhos.

Embora eu tenha de partir, eu te asseguro
Que em nossas almas não haverá separação.
Elas são uma, e, assim como bloco de ouro
Que é distendido em folha, juntas ficarão.

Ou se elas são duas, serão duas apenas
Como duas, as hastes gémeas de um compasso:
Tu és a haste fixa, mas moves-te em verdade
Todas as vezes que a outra alma avança um passo.

E, enquanto a outra lã bem longe circunvaga,
Essa em seu centro, p'ra ela inclina-se depressa,
Solícita; e só se ergue de novo erecta
Quando a outra haste de sua viagem regressa.

Assim és tu p'ra mim, que, como a haste oblíqua,
Obliquamente vago distante de ti;
Tua permanência faz perfeitos meus circuitos
E ajuda-me a voltar ao ponto de que parti.

Tradução de Aíla de Oliveira Gomes

 

 

The Sun Rising

Busy old fool, unruly Sun,
Why dost thou thus,
Through windows, and through curtains, call on us?
Must to thy motions lovers' seasons run?
Saucy pedantic wretch, go chide
Late school-boys and sour prentices,
Go tell Court-huntsmen that the King will ride,
Call country ants to harvest offices;
Love, all alike, no season knows nor clime,
Nor hours, days, months, which are the rags of time.

Thy beams so reverend and strong
Why shouldst thou think?
I could eclipse and cloud them with a wink,
But that I would not lose her sight so long.
If her eyes have not blinded thine,
Look, and to-morrow late tell me,
Whether both th' Indias of spice and mine
Be where thou left'st them, or lie here with me.
Ask for those kings whom thou saw'st yesterday.
And thou shalt hear, "All here in one bed lay."

She's all states, and all princes I;
Nothing else is;
Princes do but play us; compar'd to this,
All honour's mimic, all wealth alchemy.
Thou sun art half as happy as we,
In that the world's contracted thus;
Thine age asks ease, and since thy duties be
To warm the world, that's done in warming us.
Shine here to us, and thou art everywhere;
This bed thy centre is, these walls, thy sphere. 

 

 

 

O Nascer do Sol

 

Velho sol bisbilhoteiro, importunador,
Por que hás de assim acordar-nos,
Pelas janelas e cortinas convocar-nos?
Teu curso acaso rege os horários do amor?
Pedante, audaz vilão, vai acordar
Alunos tardos, acres aprendizes,
Vai lembrar à corte que o rei sai a caçar,
Vê se as formigas às colheitas tu conduzes.
O amor, um todo igual, não tem clima ou estação,
Nem horas, dias, meses - do tempo, ilusão.

Teus raios, por que tu os crês também
Tão possantes, venerandos?
Eu podia eclipsá-los, olhos fechando,
Se com isso não perdesse a visão de meu bem.
Se os olhos dela inda não te cegaram,
Contempla-os, e amanhã tu me dirias
Se os tesouros das índias e as especiarias
Ainda lá estão, ou se a mim não vieram.
Pergunta pelos reis que ontem mesmo viste;
Dirão: Tudo só neste leito aqui existe.

Ela, todos os reinos; todos os príncipes, eu,
Nada mais permaneceu.
Príncipes nos imitam; em cotejo, se diria
Sua glória é mímica, seu ouro é alquimia.
Tu, sol, terás parte do benefício,
Caso teu mundo se contraia assim;
Descansa a tua velhice, e se teu ofício
É aquecer o mundo, aquece a ela e a mim,
Brilha em nós - que este é o mundo todo à tua espera;
Este leito teu centro, estes muros tua esfera.

Tradução de Aíla de Oliveira Gomes

 

 

 

ELEGY XX.

TO HIS MISTRESS GOING TO BED.


Come, madam, come, all rest my powers defy ;
Until I labour, I in labour lie.
The foe ofttimes, having the foe in sight,
Is tired with standing, though he never fight.
Off with that girdle, like heaven's zone glittering,
But a far fairer world encompassing.
Unpin that spangled breast-plate, which you wear,
That th' eyes of busy fools may be stopp'd there.
Unlace yourself, for that harmonious chime
Tells me from you that now it is bed-time.
Off with that happy busk, which I envy,
That still can be, and still can stand so nigh.
Your gown going off such beauteous state reveals,
As when from flowery meads th' hill's shadow steals.
Off with your wiry coronet, and show
The hairy diadems which on you do grow.
Off with your hose and shoes ; then softly tread
In this love's hallow'd temple, this soft bed.
In such white robes heaven's angels used to be
Revealed to men ; thou, angel, bring'st with thee
A heaven-like Mahomet's paradise ; and though
Ill spirits walk in white, we easily know
By this these angels from an evil sprite ;
Those set our hairs, but these our flesh upright.
Licence my roving hands, and let them go
Before, behind, between, above, below.
O, my America, my Newfoundland,
My kingdom, safest when with one man mann'd,
My mine of precious stones, my empery ;
How am I blest in thus discovering thee !
To enter in these bonds, is to be free ;
Then, where my hand is set, my soul shall be.
Full nakedness ! All joys are due to thee ;
As souls unbodied, bodies unclothed must be
To taste whole joys. Gems which you women use
Are like Atlanta's ball cast in men's views ;
That, when a fool's eye lighteth on a gem,
His earthly soul might court that, not them.
Like pictures, or like books' gay coverings made
For laymen, are all women thus array'd.
Themselves are only mystic books, which we
—Whom their imputed grace will dignify—
Must see reveal'd. Then, since that I may know,
As liberally as to thy midwife show
Thyself ; cast all, yea, this white linen hence ;
There is no penance due to innocence :
To teach thee, I am naked first ; why then,
What needst thou have more covering than a man?

Elegia: indo para o leito

 

 

Vem, Dama, vem que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens. Tu, meu anjo, és como o Céu
De Maomé. E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu Anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.
Deixa que minha mão errante adentre.
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra a vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem
Vestes. As jóias que a mulher ostenta
São como as bolas de ouro de Atalanta:
O olho do tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira, abre-
Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante.

   

 

 

The Flea


MARK but this flea, and mark in this,
How little that which thou deniest me is ;
It suck'd me first, and now sucks thee,
And in this flea our two bloods mingled be.
Thou know'st that this cannot be said
A sin, nor shame, nor loss of maidenhead ;
Yet this enjoys before it woo,
And pamper'd swells with one blood made of two ;
And this, alas ! is more than we would do.

O stay, three lives in one flea spare,
Where we almost, yea, more than married are.
This flea is you and I, and this
Our marriage bed, and marriage temple is.
Though parents grudge, and you, we're met,
And cloister'd in these living walls of jet.
Though use make you apt to kill me,
Let not to that self-murder added be,
And sacrilege, three sins in killing three.

Cruel and sudden, hast thou since
Purpled thy nail in blood of innocence?
Wherein could this flea guilty be,
Except in that drop which it suck'd from thee?
Yet thou triumph'st, and say'st that thou
Find'st not thyself nor me the weaker now.
'Tis true ; then learn how false fears be ;
Just so much honour, when thou yield'st to me,
Will waste, as this flea's death took life from thee.

 

A pulga

Repara nesta pulga e aprende bem
Quão pouco é o que me negas com desdém.
Ela sugou-me a mim e a ti depois,
Mesclando assim o sangue de nós dois.
E é certo que ninguém a isto aludo
Como pecado ou perda de virtude.
Mas ela goza sem ter cortejado
E incha de um sangue em dois revigorado:
É mais do que teríamos logrado.

Poupa três vidas nesta que é capaz
De nos fazer casados, quase ou mais.
A pulga somos nós e este é o teu
Leito de núpcias. Ela nos prendeu,
Queiras ou não, e os outros contra nós,
Nos muros vivos deste Breu, a sós.
E embora possas dar-me fim, não dês:
É suicídio e sacrilégio, três
Pecados em três mortes de uma vez.

Mas tinge de vermelho, indiferente,
A tua unha em sangue de inocente.
Que falta cometeu a pulga incauta
Salvo a mínima gota que te falta?
E te alegres de dizes que não sentes
Nem a ti nem a mim menos potentes.
Então, tua cautela é desmedida.
Tanta honra hei de tomar, se concedida,
Quanto a morte da pulga à tua vida.