14-9-2007

 

Sobre este assunto, ver página anterior neste site, aqui            

 

 

Pedro Hispano,  autor das "Summulæ Logicales"

 

 

Desde há algumas dezenas de anos que se discute a identificação do Pedro Hispano, referido por Dante na Divina Comédia (Paraiso, XII, 133-135) como autor das Summulæ Logicales, livro célebre de Lógica que foi estudado durante centenas de anos nas universidades da Europa. De facto, é hoje seguro que o autor do livro não foi o Papa João XXI, conhecido em Portugal como Pedro Julião, mas que também adoptava o nome de Pedro Hispano. A confusão deverá ter surgido pelo facto de o livro ter sido escrito na época em que viveu aquele Papa e também pela homonimia entre o seu nome de adopção e o referido por Dante.

O desdobramento dos autores da enorme quantidade de obras atribuídas ao Papa João XXI começou por ser feito em 1996 pelo Prof. José Meirinhos, do Porto, num artigo publicado em Espanha, citado abaixo. Naturalmente, o artigo levanta mais questões do que as que resolve, mas foi de facto um bom ponto da situação.

Em seguida, o Prof. Angel D’Ors, da Universidade Complutense de Madrid, escreveu três artigos intitulados Auctor Summularum, em que, como o nome indica, se propõe identificar o autor das Summulae Logicales. Para isso, começa por identificar a época em que se começou a atribuir a autoria ao Papa João XXI. Depois, parte de várias hipóteses relativas a outros tantos personagens de Espanha (no sentido largo de Hispania, compreendendo também Portugal) e testa-as com os documentos da época. É uma tarefa ingente, porque o nome Pedro era na época muito comum e contam-se por muitas dezenas os literatos da altura que assim se chamavam.

Constata o Prof. Angel D’Ors que vários autores já desde o sec. XIV, dizem que o Pedro Hispano autor das Súmulas era um frade dominicano. Desde logo,  Benvenuto de Imola (c.1338-1390), um dos primeiros comentadores de Dante, diz que Pietro Spano era” frater Prædicator”.  Refuta depois quatro argumentos que poderiam negar essa qualidade de dominicano a Pedro Hispano e daí por diante adopta praticamente a premissa de que o autor das Súmulas foi na realidade um frade dominicano da Ordem dos Pregadores.

Esta uma curta síntese do primeiro artigo publicado em 1997 (que tem 51 páginas).

Em 1999, Simon Tugwell, um teólogo dominicano do Istituto Storico Domenicano, de Roma, publicou o artigo abaixo citado, rejeitando a possibilidade de serem autores das Súmulas, quatro personagens indicados por Angel D’Ors.  Este publicou mais dois artigos em 2001 e 2003 contradizendo Tugwell, mas também revendo algumas das suas afirmações no primeiro artigo. Manteve, porém, a opinião de que Pietro Spano terá de ser procurado entre os Dominicanos (de Espanha e de Portugal).

Recentemente, o Padre Simon Tugwell voltou ao assunto com um pequeno artigo intitulado “Auctor Summularum, Petrus Hispanus OP Stellensis?”, publicado no número de 2006 da publicação Archivum Fratrum Prædicatorum.  Nesse artigo, conclui que não está provado que o autor das Súmulas tenha falecido e muito menos vivido no convento Dominicano de Estella.

O autor espanhol Juan Lopez (1524 – 1632) na Tercera parte de la Historia General de Sancto Domingo, y de su Orden de Predicadores, Valladolid, 1613, pags. 297, diz:

 

Ay tradicion recibida de mano en mano, que el padre Maestro fray Pedro Hispano, hombre tan conocido en las escuelas de los Philo[so]phos, fue hijo deste convento de santo Domingo de Estella. Lo que a favor desta opinión se dize, es que al salir de la Iglesia para el claustro, a la mano yzquierda, esta un arco dentro de la red arrimado a la misma Iglesia, y en el hueco del arco esta un letrero que dize Hic facit (sic) reverendus pater frater Petrus Hispanus. El padre Maestro fray Baltasar Sorio historiador grave en el libro que hizo de los varones ilustres de la Provincia de Aragón, y el padre fray Antonio de Sena en su Biblioteca dizen que el Maestro fray Pedro Hispano fue hijo deste convento. (de santo Domingo de Estella).

O original pode ser lido aqui, a pags. 299 do software.

 

Tugwell nega valor a esta afirmação, em primeiro lugar, pelo lapso de ortografia em “facit”, que não tem sentido. Se se refere a uma sepultura, terá de ser “iacet”, como corrige Angel D’Ors.  Mas Tugwell põe também a hipótese de a correcção ser para “Hoc fecit”. Para além disso, retira valor ao depoimento de Baltasar Sorio, referindo alguns exemplos, dos quais se conclui que este deve ser considerado um autor não credível.

Já agora, podemos ir ver o que diz o português António de Sena O.P.(1520? -1585)  sobre o assunto, na sua Bibliotheca Ordinis Fratrum Praedicatorum : virorum inter illos doctrina insignium nomina & eorum quae scripto mandarunt Opusculorum, Titulos & Argumenta complectens / authore R.P. MAGISTRO FRATRE Antonio Senensi, eiusdem dominicanæ familiæ alumno, Parisiis, apud Nicolaum Niuellium, via Iacobæa, ad insigne Columnarum, M D LXXX V.

 

Frater Petrus Hispanus, re et nomine talis, vir non minori observantia dignus,  ob vitam probatissimam, quam propter eruditionem singularem. Nam et in theologica doctrina, et in facultatibus aliis fuit insigniter versatus. Hic dicitur auctor summularum eo quod industria non modica Aristoteles doctrinam in epitomen et methodum facilimam eamque optimam reduxit. Plurium tamen virorum gravium et doctrina insignium conflati sunt commentarii ad exponendum ipsius Petri Hispani opera in Logicalibus. Claruit circa annum 1250. P.P. mon. ord.

O original pode ser lido aqui, a pags. 197 do software.

 

Não, encontrámos, porém, no texto uma referência ao convento de Estella, como afirma Juan Lopez. Também desconhecemos a fonte indicada como “P.P. mon. ord.”.

10-7-2008 - NOTA: O P.e Simon Tugwell em Archivum Fratrum Praedicatorum (2007, pag. 61, nota 107), refere que a fonte indicada é De insigniis Ordinis Praedicatorum, de Ambrose Taegio, mas deverá referir-se à entrada seguinte, de Petrus Falconis.

A identificação do Pedro Hispano que foi o autor das Summulæ Logicales é tarefa extremamente difícil, embora esteja já perfeitamente estabelecido que não foi Pedro Julião, mais tarde Papa João XXI.

 

10-7-2008 - No recente número de Archivum Fratrum Praedicatorum (AFP) (Vol. LXXVII, de 2007), foi publicado mais um artigo do P.e Simon Tugwell, O.P. (pags. 19-100), com o título Petrus Ferrandi and his legenda of St. Dominic, em que ele, comentando o texto do Dr. Angel D’Ors publicado em Vivarium (2003), expande os argumentos já inseridos, quer em Vivarium (1999), quer em AFP (Vol. LXXVI, 2006).

Por um lado, insiste em que conversus em Petrus Hispanus conversus, deve ser entendido como “Irmão laico” e por outro, que Pedro Ferrando ou Petrus Ferrandi terá sido o autor da Legenda prima ou Legenda Sancti Dominici (que o autor designa como LQ - Legenda in Question) e não foi o Auctor Summularum.

 

As primeiras Vidas de S. Domingos escritas em Latim, foram as seguintes:

 

1. Libellus de initiis Ordinis Predicatorum, de Jordano de Saxónia  (1190-1237)

2. LQ = Legenda in Question = Legenda prima ou Legenda Sancti Dominici, escrita entre 1234 e 1242, atribuída a Pedro Ferrando ou Petrus Ferrandi, utilizada na Ordem dos Pregadores até 1247, data em que foi substituída pela

3. Legenda de Constantino de Orvieto –  Legenda Sancti Dominici - O Capítulo Geral de 1245 havia-o encarregado de redigir nova Legenda, o que fez entre 1246 e 1248.

4. Humberto de Romanos (1200-1277), 5.º Geral da Ordem (1254-1263) – Legenda Sancti Dominici - Texto aprovado nos Capítulos Gerais de 1254, 1255, 1256 – Mandada utilizar com exclusividade a partir de 1260.

 

Transcrevo a Conclusão final desta monografia do P.e Tugwell:

 

"The  number of genuinely attested lives of Dominic in the period before 1260 tallies with the number of genuinely attested writers of such lives. The only writer without an identified text is Petrus Ferrandi, and the only text without an identified author is LQ. LQ is attributed to “Frater Petrus hyspanus” in Humbert first lectionary, and his editing of the lectionary is unusually scrupulous. LQ was the legenda officially in use in the early 1240s, i.e. it falls between  Joardan’s Libellus and Constantine’s legenda, and the legenda occupying this position is attributed to Petrus Ferrandi by Bernard Gui, most probably on the basis of information received from Spain; his inability to quote a correct incipit is most explicable if the legenda he had not seen for himself was LQ. There is no discernible incompatibility between what we know of Petrus Fernandi and what we can infer about the author of LQ. If we accept the principle that “legendae non sunt multiplicandae praeter necessitatem”, LQ may safely and confidently be attributed to Petrus Fernandi.”

 

 

LINKS:

 

Página do Prof. José Meirinhos dedicada ao estudo de Pedro Hispano

PAPA JOÃO XXI  (Pedro Julião). (1215 ? - 1277)

Comentaristas de Dante

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

MEIRINHOS, J. F., Pedro Hispano Portugalensis? Elementos para uma diferenciação de autores, Revista Española de Filosofia medieval, 3 (1996) pp.51-76

 

Petrus Hispanus, O.P., Auctor Summularum (I), Angel D’Ors, in Vivarium, XXXV/1 (1997), pags. 21-71 e DICENDA, Cuadernos de Filología Hispânica, (2001), 19, 243-291.

Online:http://www.ucm.es/BUCM/revistas/fll/02122952/articulos/DICE0101110243A.PDF

  

Petrus Hispanus, O.P., Auctor Summularum (II), Angel D’Ors, Further documents and problems, in Vivarium, 39,2 (2001), 209-254

  

Petrus Hispanus, O.P., Auctor Summularum (III), Angel D’Ors, “Petrus Alfonsi” or “Petrus Ferrandi”?, Angel d’Ors,  in Vivarium, 41, 2 (2003), pags. 249-303.

  

Petrus Hispanus: Comments on Some Proposed Modifications, Simon Tugwell OP., in Vivarium, 37,2 (1999), págs. 103-113.

 

Auctor Summularum, Petrus Hispanus OP Stellensis?, Simon Tugwell OP, In Archivum Fratrum Praedicatorum, Volumen LXXVI – 2006, pags. 103 a 115

 

Petrus Ferrandi and his legenda of St. Dominic, Simon Tugwell OP, In Archivum Fratrum Praedicatorum, Volumen LXXVII – 2007, pags. 19 a 100