12-5-2009

 

José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho

(1742 - 1821)

 

José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, nasceu a 8 de Setembro de 1742, em Campos dos Goitacazes, Capitania do Rio de Janeiro, oriundo de uma família de proprietários há muito estabelecidos no Brasil, pois os seus quatro avós já ali tinham nascido. Era o filho mais velho e cedo demonstrou a sua inteligência. Seu pai levou-o aos seis anos para o Rio, onde estudou Latim, gramática, retórica e filosofia. Aparentemente, tinha uma saúde frágil e seu pai mandou-o viajar para Minas Gerais, zona mais salubre que o Rio.

Depois da morte de seu pai, em 1768, teve de ir tomar conta da património da família, no que certamente se não sentiu realizado. Por volta de 1772, decidiu ir estudar Cânones para a Universidade de Coimbra, cujo Reitor, Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho era também brasileiro e seu parente. Ali chegou em 1775, e ficou Bacharel em 30 de Maio de 1780. Pouco depois, foi nomeado para o cargo de Arcediago da Sé Catedral do Rio de Janeiro, de que nunca chegou a tomar posse.

Foi-lhe oferecido por D. Maria I o lugar de Deputado do Santo Ofício, lugar de prestígio, com a dispensa da licenciatura universitária, que seria normalmente exigida. Não quis tal dispensa e foi estudar mais um ano para Coimbra para obter aquele grau, o que conseguiu a 30 de Julho de 1785. De 23 de Agosto de 1785 são as declarações das testemunhas na Habilitação de genere para o exercício do cargo de Deputado do Santo Ofício. Esta habilitação,  arquivada na Torre do Tombo e transcrita por Sónia Apparecida Siqueira, é importante para conhecer os amigos de Azeredo Coutinho e os meios em que se movia. Passou a exercer o cargo de Deputado do Santo Ofício em 15 de Setembro do mesmo ano. A 26 de Junho de 1786, foi ordenado sacerdote.

Em 1791, publicou o seu primeiro texto sobre o preço do açúcar nas Memórias Económicas da Academia Real das Ciências, tomo III. No ano seguinte, foi eleito sócio da mesma Academia.

Em 12 de Setembro de 1794, foi nomeado Bispo de Pernambuco, cargo em que foi consagrado em 25 de Janeiro seguinte. Só em 20 de Novembro de 1798, é que embarcou para Pernambuco, onde chegou 36 dias, depois para ocupar o lugar de Bispo, que acumulou com os de Governador interino da Capitania de Pernambuco e de Director-Geral dos Estudos.  O exercício de tão altos cargos, com tanto poder, não podia deixar de lhe trazer dissabores.

Segundo diz Azeredo Coutinho, os seus conflitos derivavam de a supervisão da diocese estar entregue à Mesa da Consciência e Ordens onde ele tinha inimigos, em vez de depender directamente do Padroado Real.

É longa a história dos conflitos, mas aponte-se apenas que uma Carta Real de 3 de Outubro de 1801 contém uma repreensão do Príncipe Regente que muito deve ter pesado a Azeredo Coutinho. Ele respondeu por carta de 12 de Janeiro de 1802, pedindo o julgamento dos seus actos por um Tribunal imparcial, mas de nada valeu. Por carta régia de 25 de Fevereiro de 1802, foi transferido da diocese de Olinda para a de Bragança e Miranda; a 12 de Julho seguinte, embarcou para Lisboa. À “sua” questão dedicou duas publicações “Alegasão jurídica” (1804) e “Defesa de D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho” (1808).

Entretanto, dedicou-se ele a estudar as questões económicas sob a sua perspectiva de grande proprietário agrícola, dotado já de um certo patriotismo brasileiro, embora ainda ligado à mãe Pátria.

Em 1794, a Academia Real das Ciências publicou o seu “Ensaio económico sobre o comércio de Portugal e suas colónias”, que é a sua obra mais difundida e que teve traduções sucessivas para francês, inglês e alemão.

Atente-se na crítica do Monthly Review de Agosto de 1803 (pag. 425) : “This work would of itself strongly attract attention, even though it were divested of that interest which derives from the relations subsisting between Great Britain and Portugal. In the course of our perusal of it, we were forcibly struck with the reasonableness of the opinion which considers the Portuguese colonies as a sort of pledge for the forbearance of France towards the mother country; since that power is well aware that, whenever she seizes that kingdom, its foreign dependencies must fall in the hands of England, and place her in such a situation with respect to Guiana and Spanish America, as the republic must deprecate. It will perhaps create some surprise in the reader, to find a Portuguese Bishop, a resident of the Brasils, display the intelligence and philosophy manifested in this volume.

Escrevera depois a sua “Análise sobre a justiça do comércio do resgate dos escravos da Costa de África”, cuja publicação a Academia Real das Ciências recusara. Fez então com que fosse impressa em Londres, traduzida para Francês em 1798 (ver abaixo). A obra só foi publicada em Portugal em 1808; transcrevi-a neste site, aqui.  Na mesma data, publicou o pequeno texto que nesta página transcrevo, justificando-se de não ter falado na escravidão dos Índios, proibida expressamente pelas Bulas papais e pela Lei portuguesa.

Não chegou a ocupar o lugar de Bispo de Bragança e Miranda, mas foi nomeado em 6 de Outubro de 1806 para a diocese de Elvas. A certa altura ofereceram-lhe a diocese de Beja, mas recusou.

Em 1818, deram-lhe o cargo mais elevado do Antigo Regime: Inquisidor-Geral do Reino. Ficou sem função com a revolução liberal de 24 de Agosto de 1820 e a supressão da Inquisição em 31 de Março de 1821.

Ainda foi eleito deputado para a Assembleia Constituinte pelo Rio de Janeiro, e tomou posse do lugar a 10 de Setembro de 1821, mas faleceu logo no seguinte dia 12.

Azeredo Coutinho foi nitidamente um homem fora do seu tempo, com ideias muito rígidas e já inaceitáveis, sobretudo no que respeita à escravidão dos povos africanos.

 

N.B. Na transcrição dos textos, actualizei a ortografia, mas não alterei a pontuação; respeitei também as opções do Autor, quanto ao uso de maiúsculas.

 

Obras online

 

Online: Ensaio económico sobre o comércio de Portugal e suas colónias, 2.ª edição, Academia Real das Ciências, Lisboa, 1816

http://books.google.pt

 

Essai politique sur le commerce du Portugal et celui de ses colonies, inserido a partir da pag. 227 do 2.º vol. de Voyage en Portugal depuis 1797 jusqu’en 1799, par M. Link, chez Levrault, Schoell et C.ie, Libraires, Quai Malaquais, An XII – 1803

Online: http://books.google.com

 

An essay on the commerce and products of the portuguese colonies in South America, especially the Brazils, translated from the portuguese of, London Great Carter Lane,1807

Online: http://books.google.pt

 

Collecção de alguns manuscriptos curiosos do Exmo. Bispo d'Elvas, depois Inquisidor Geral, dos quaes posto que já se ténham publicado alguns no periodico denominado O investigador portuguez, nos nos. do mez de fevereiro de 1812 pag. 554 até 557, e no setembro de 1815, pag. 313 até 322, outro no periodico denominado Mnemozine luzitana, nos nos. 13, 15, 16, 17 e 18, pag. 201, 241, 257, 273, e 289, com tudo fôram sem nome do author, outros que ainda se conservavam manuscriptos se vão agora fazer publicos pelo meio da imprensa, Londres, Impressor: L. Thompson, 19, Great St. Helens, 1819

Online: http://books.google.pt

Online: www.archive.org

 

Discurso sobre o estado actual das minas do Brazil, Lisboa, na Impressão Régia, 1804.

Online: www.archive.org

 

Concordância das leis de Portugal e das Bullas Pontifícias, das quaes humas permittem a escravidão dos pretos d’Africa, e outras prohibem a escravidão dos Indios do Brazil, Lisboa, na Nova Officina de João Rodrigues Neves,1808

Online: http://consorcio.bn.br//slave_trade/obras_raras/or8834.pdf

 

Análize sobre a justiça do comércio do resgate dos escravos da Costa da África, manuscrito de 41 pág., pertencente ao espólio da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, sem data.

Online: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss13_3_25.pdf

 

Analyse sur la justice du commerce du rachat des esclaves de la côte d'Afrique, Holborn Baylis,1798

Online: http://books.google.com

 

Discurso sobre o estado actual das Minas do Brazil, Lisboa, na Imprensa Régia, 1804

Online: http://books.google.pt

 

Memória sobre o preço do assucar, in Memorias económicas da Academia Real das Ciências, Tomo III, 1791

Online: http://books.google.pt

 

 

BIBLIOGRAFIA sobre José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho

 

Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), (introdução e apresentação), Obras econômicas de J. J. da Cunha de Azeredo Coutinho, (1794-1804), São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1966

 

Sonia Apparecida Siqueira, A escravidão negra no pensamento do bispo Azeredo Coutinho - contribuição ao estudo da mentalidade do último inquisidor geral, in Actas do V Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, 1963, Coimbra, 3.º volume, pags. 147 – 213

 

J.C. da Cunha Barbosa, Dom José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, in Revista do Instituto Histórico-Geográfico Brasileiro (IHGB), Tom. I, n.º 4, Janeiro de 1939, pag. 349 – 352

Online: http://books.google.pt

 

J.J.Pedro Lopes, Dom José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, in Revista do IHGB, Tom. 7, n.º 25, Rio de Janeiro, 1845, pag. 106 – 115, transcrito da Gazeta Universal, Suplemento ao n.º 121, de 27-9-1821 (poucos dias depois da morte dele). 

Online: http://books.google.pt

 

Manoel Cardozo, Dom José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, Governador Interino e Bispo de Pernambuco, 1798 – 1802 – Alguns documentos elucidativos do Arquivo Histórico Ultramarino, in Revista do IHGB, Vol. n.º 282, 1969, pags. 3-45.

 

António Ventura, Algumas reflexões sobre o pensamento político de D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, in: Amar, sentir e viver a história : estudos de homenagem a Joaquim Veríssimo Serrão, Vol. 1, Edições Colibri, 1995, pp. 199-210.

 

J.M. Pereira da Silva, Os varões illustres do Brazil nos tempos coloniaes, 2.º vol. pags. 99-125, Paris, Librairie de Guillaumin, 1858.

Online: http://books.google.pt

 

José Frederico Laranjo, "Economistas Portugueses", in O Instituto, 2.ª Série, Vol. XXX, Fevereiro de 1882, pp. 364 a 375.

Online: https://bdigital.sib.uc.pt/institutocoimbra/UCBG-A-24-37a41_v029/UCBG-A-24-37a41_v029_item1/P417.html

 

Jorge Miguel Pedreira, Introdução e Notas ao Ensaio económico sobre o comércio de Portugal e suas colónias: 1794, de José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, Lisboa, Banco de Portugal, 1992, 141 pags. ISBN 972-9479-02-X

 

Maria do Rosário Pimentel, Viagem ao fundo das consciências - a escravatura na época moderna, Edições Colibri, Lisboa, 1995, ISBN 972-8047-75-4

 

Kirsten Schultz, The crisis of Empire and the problem of slavery, Portugal and Brazil – c. 1700 – 1820, Symposium: Imperial Trauma, in Common Knowledge 2005 11(2):264-282

 

Kirsten Schultz, Slavery, Science, and the end of the Old Regime in the Luso-Brazilian Empire

Online: http://repositories.cdlib.org/ies/080221/

Nota: Este texto é ainda um rascunho (draft); as conclusões podem não ser definitivas. Com autorização da autora, que se agradece.

 

E. Bradford Burns, The role of Azeredo Coutinho in the Enlightenment of Brazil, in The Hispanic Historical Review, XLIV, 145-160

 

Über Brasilien und Portugals Handel mit seinen Kolonien / von J. J. da Cunha de Azeredo Coutinho; Aus dem Portugiesischen übersetzt von D. Karl Murhard (1781-1863) Hamburg, 1808, 150 pp.

 

 

 

CONCORDÂNCIA

DAS

LEIS DE PORTUGAL,

E DAS

BULAS PONTIFÍCIAS,

das quais umas permitem a escravidão dos Pretos de África, e outras proíbem a escravidão dos Índios do Brasil

P O R

D. JOSÉ JOAQUIM DA CUNHA

DE AZEREDO COUTINHO

 

L I S B O A

A N N O     M.DCCC. VIII.

 

NA NOVA OFICINA DE JOÃO RODRIGUES NEVES

Por Ordem Superior

 

 

CONCORDÂNCIA  DAS  LEIS DE PORTUGAL,  E DAS  BULAS PONTIFÍCIAS,

 das quais umas permitem a escravidão dos Pretos de África, e outras proíbem a escravidão dos Índios do Brasil

 

§ I. Se conforme os princípios dos Sectários da Seita Filosófica é permitido a qualquer por autoridade própria levantar a voz no meio de uma Nação para defender os Direitos que se dizem da Liberdade, e da Humanidade oprimida, não me devem eles criminar de que eu autorizado pela Religião e pelo Estado para fazer tranquilizar as consciências dos meus Diocesanos, e trabalhar para o bem de todos os meus Concidadãos, levante também a voz contra uma Seita de Hipócritas, que debaixo do pretexto de defender os direitos quiméricos da Liberdade, e da Humanidade, se têm mostrado inimigos dos Tronos, e da Religião, armando os seus mesmos Concidadãos uns contra os outros, rasgando o seio da mesma Pátria, que lhes deu o ser.

§ II. Eles temendo o justo castigo das Leis contra os Novadores, e Pertubadores do sossego, e da tranquilidade pública, se fingiram amigos dos Negros da Costa de África, para assim ao longe, e por caminhos tortuosos debaixo da máscara de gritarem contra o Comércio do resgate dos escravos da Costa de África atacarem a justiça das Leis, que o permitem, e em consequência irem destruindo toda a autoridade delas, e aniquilando o respeito e a obediência, que se lhes deve: era pois necessário que propondo-me eu por uma Análise desmascarar uma tal Seita, houvesse de atacá-los pela frente, defendendo a justiça das Leis da minha Nação, que permitem um tal comércio em benefício dos meus Concidadãos.

§ III. Eu já mostrei na minha Análise, que os primitivos Direitos da Natureza, ainda que hipoteticamente admitidos por tais Filósofos, podem contudo ter uma rigorosa aplicação no estado da Sociedade, e depois de estabelecido o Direito da propriedade, Direito que civilizou os Povos, e que se acha admitido, e confessado por todas as Nações civilizadas como absolutamente necessário, e sagrado: e por isso se tais Filósofos querem ser consequentes ou não devem atacar a justiça do comércio do resgate dos escravos da Costa de África; ou devem também atacar a justiça do Direito da propriedade; por ser igualmente oposto aos seus primitivos direitos hipotéticos da Natureza, e por consequência transtornarem toda a ordem Social, e reduzir os homens ao seu primitivo estado da Natureza bárbaros, e selvagens; o que repugna à profissão do Filósofo, que devendo fazer os outros sábios, os faz brutos.

§ IV. Sendo pois a divisão do Meu, e Teu, ou o estabelecimento do Direito da propriedade, o primeiro abuso da força, e a primeira transgressão do Direito Natural, ou da Natureza, que fez tudo para todos e sendo a escravidão uma consequência do primeiro abuso da força, e uma secundária transgressão do Direito Natural, ou da Natureza, que fez a todos os homens livres; qual é a razão porque aquela primeira transgressão do Direito Natural se diz sagrada, justa e conforme a boa política, à humanidade e ao bem de toda, e qualquer sociedade; e a segunda transgressão, consequência da primeira se há-de dizer contrária ao Direito Natural, injusta, impolítica e desumana? É porventura de um Filósofo, de hum homem sensato, e consequente, conceder as premissas, e negar a consequência? Diga-se muito embora, que o comércio do resgate dos escravos da Costa de África não convém aos interesses desta, ou daquela Nação; mas não se diga que um tal comércio é contrário ao Direito Natural, à boa política, e à humanidade.

§ V. Esta proposição a respeito do estado da Sociedade, além de ser falsa, e inconsequente, como fica mostrado, é impolítica; por isso que atacando o direito de um comércio estabelecido há mais de 300 anos entre muitas Nações civilizadas da Europa, sem exceptuar as mesmas, que hoje clamam contra ele, não só ofende a tais Nações; mas também dá a conhecer, que ou houveram Legisladores tão bárbaros, e tão ignorantes, que até hoje, há mais de 300 anos, não conheceram o Direito Natural, nem o como ele deveria ser aplicado ao Estado da Sociedade; ou que os Legisladores da Seita Filosófica descobriram um novo Direito Natural até agora desconhecido a todos os antigos Legisladores reputados como sábios. E de que parte estará a verdade? ou quais dos Filósofos são os que têm conhecido o verdadeiro Direito Natural, ou a verdadeira aplicação dele no estado da Sociedade? Os Antigos Legisladores ou os da nova Seita Filosófica? Eia aqui a mais grande impolítica, por não dizer a maior das loucuras; fazer duvidosa, e vacilante a boa fé e a sabedoria do Santuário das Leis, esta base fundamental da obediência das Nações, é reduzi-las à anarquia, é lançar a todas por terra [1].

§ VI. Os Autores, e primeiros Sectários de uma Filosofia tão bárbara, e tão vacilante poderiam talvez ter a desculpa de que ou eles não reflectiram nas terríveis consequências dos seus princípios; ou que persuadidos de ser impraticável o seu Plano entre Nações, que respeitam o direito da propriedade, só aspiravam à glória pueril de se fazerem célebres em sustentar paradoxos: mas depois que a revolução da França fez a sua explosão que lançou chamas de um a outro Mundo, é necessário que tais Filósofos apareçam já sem máscara à face do Mundo, como chefes de bandos indigentes, fazendo guerra aos ricos Proprietários para lhes roubarem os seus bens, suas riquezas, e a sua indústria: eu não duvido, que tais Filósofos tenham por sócios, e aprovadores, bandos de bárbaros, e de selvagens sem propriedade, e sem indústria; eu porém sou contente de ter pela minha parte todas as Nações civilizadas, onde houver Governo, Religião, Virtude, Honra, e Probidade.

§ VII. Mas como depois de feita a minha Análise se me quis fazer um novo ataque, trazendo-me em oposição as Leis, que permitem o comércio do resgate dos escravos da Costa de África, os Alvarás do 1.º de Abril de 1680, e o de 6 de Junho de 1775 (*), que declaram livres todos os Índios do Brasil, proibindo a escravidão a respeito deles; assim como também as Bulas, que os confirmaram; para que não se diga, que as ditas Leis são entre si antinómicas, ou contraditórias, nem também que a minha opinião enquanto defende a justiça de umas, é contrária à justiça das outras; eu passo a dar uma breve notícia das diversas circunstâncias, em que se achavam os Índios do Brasil, e os Pretos de África no tempo das descobertas dos Portugueses em uma, e outra parte da Mundo; circunstâncias, que deram ocasião às diversas disposições das ditas nossas Leis, e Bulas.

§ VIII. Os Portugueses, que primeiro descobriram a Costa da Guiné, já acharam muitas Nações com algum género de Governo, obediência, e subordinação, comércio e agricultura; entre as quais já também se achava introduzida a escravidão, ou dos vencidos na guerra, ou dos réus de certos crimes capitais; de tal sorte, que querendo eles comprar aos Portugueses alguns géneros, de que eles necessitavam, ofereceram em troca e permutação alguns de seus escravos, que vindo para Portugal foram comprados por aqueles, que de seus serviços precisavam; e ao Senhor Infante D. Henrique, como encarregado, e Governador daquelas descobertas, e bons serviços, que ele tinha feito a Portugal, lhe deu o Senhor Rei D. Afonso V a dízima dos interesses do comércio dos escravos, como se vê na sua Carta de 15 de Setembro de 1448 confirmada pelo Senhor Rei D. Manuel, por carta de 22 de Fevereiro de 1502. Este comércio foi aprovado por Bulas do Papa Nicolau V, de 6 de Janeiro de 1454, de Calisto III, de 3 de Março de 1455, de Xisto IV, de 21 de Junho de 1481, e de Leão X, de 3 de Novembro de 1514, por se achar ser este comércio o meio de se introduzir a nossa Santa Religião entre aquelas Nações bárbaras, ou ao menos salvar muitas almas, que aliás seriam perdidas no centro do Gentilismo [2].

§ IX. Os Portugueses, que primeiro descobriram as terras do Brasil, não acharam Nações propriamente, acharam sim alguns bandos de homens selvagens, sem algum género de governo, nem de subordinação; eram algumas famílias errantes, e dispersas, que viviam em pobres choupanas, muito ainda no primeiro estado da Natureza, talvez desgarradas dos primeiros Habitantes do México, ou do Perú: em toda a grande extensão do Brasil até hoje não se tem descoberto algum vestígio de grande população, nem um só edifício, ou Obra da Arte, que denotasse algum princípio de Civilização. Os montes, as serras, os campos, os bosques totalmente incultos, pareciam estar ainda com a mesma face, com que tinham saído das mãos da Natureza, e que ainda não eram habitados por Entes Racionais. Aqueles bandos de Selvagens errantes apenas usavam da caça e da pesca, e de alguns frutos silvestres: eles se faziam a guerra como as feras para ou afugentarem os seus inimigos, ou os devorarem: eles ainda não conheciam a Escravidão, nem a subordinação, este primeiro passo para a Civilização das Nações [3].

§ X. Quiseram os Portugueses entrar naquelas terras, os Índios se opuseram; principiaram as guerras, houveram prisioneiros, permitiu-se que os havidos em justa guerra fossem escravos para cultivarem as terras, que se iam descobrindo, ainda incultas em toda a sua grande extensão: os abusos apareceram a par da justiça; e a experiência foi mostrando que o Índio, o homem selvagem, ainda no primeiro estado da Natureza, sem agricultura, nem alguma subordinação, ou era indomável, e um inimigo jurado, sempre disposto a atacar o seu vencedor; ou fugia de uma escravidão, de que ele não tinha alguma ideia; ou finalmente sucumbia debaixo de hum trabalho, a que não estava acostumado.

§ XI. Sendo pois o Índio pouco hábil para a agricultura que era o fim da escravidão e indomável pelo meio da força; pois que enquanto ali houvesse uma serra, uma brenha e um asilo para um selvagem, seria mais fácil destrui-los, do que sujeitá-los de repente a um trabalho para eles novo; e conhecendo-se também, que era mais fácil chamá-los para a comunicação dos Portugueses pelos meios doces, e pacíficos da Religião, foi necessário proibir a escravidão daqueles Índios; e declará-los livres, para que uma vez entrados na Sociedade, se fossem com o tempo, e com o exemplo acostumando ao trabalho, e a um novo género de vida [4]

§ XII. O projecto da Escravidão de África, e de aproveitar os braços, que aliás eram supérfluos, ou perdidos, para a África, para irem ser úteis à cultura das terras da América, especialmente do Brasil, nasceu, quem o creria? da Humanidade mesma, da doce, e terna afeição, que Las Casas [5] tinha pelos seus amados Índios, dos quais ele foi o Protector no mesmo tempo em que era o seu Apóstolo. Muitos dos Índios sucumbiam debaixo de trabalhos por eles não usados, eles se destruíam e se aniquilavam sem quase algum proveito para os seus mesmos Conquistadores: era-se pois reduzido a possuir sem fruto terras tão dilatadas, para cuja aquisição se tinha metido tanto interesse, ou abandoná-las por falta de braços para as cultivar.

§ XIII. O Preto de África apresentou os atributos da força, e das qualidades necessárias para cultivador das terras da Zona tórrida; conheceu-se que as Nações de África estavam já acostumadas aos trabalhos da Agricultura debaixo de um Sol ardente, e que já de tempos antiquíssimos estavam no costume da escravidão, e de venderem os braços, que lhes eram pesados, inúteis, ou prejudiciais; costume que, ou a necessidade do seu maior bem, ou do seu menor mal, lhes tinha ensinado; ou que lhes tinha sido transmitido, o que era transcendente a todos os outros Povos do antigo Mundo sem exceptuar a Europa; se lançou mão deste meio sem alterar o estado, em que se achavam aquelas Nações, melhorando-se a condição daqueles desgraçados, que pelas Leis da sua Nação eram já condenados a serem escravos, mortos, ou vendidos para fora do seu País, levando-os para a comunicação dos Povos civilizados, e para obediência das Leis protectoras, e defensoras da vida, e da existência de tais escravos, Leis desconhecidas no seu País.

§ XIV. Os Sectários da Seita Filosófica ainda que dizem, que Las Casas foi um homem inconsequente, pois que no mesmo tempo, em que insistia pela liberdade dos Índios da América, trabalhava por fazer reviver o odioso comércio da venda dos escravos de  África, abolido desde longo tempo na Europa, e tão contrário aos sentimentos da Humanidade como aos princípios da Religião [6]; contudo não dizem qual foi o Autor dessa Lei da abolição, nem como a Lei, a Religião e os costumes da Europa podiam obrigar,  ou servir de regra às Nações bárbaras de África; Lei que contudo nunca foi aceita por muitas Nações cristãs da Europa, e á qual nem os mesmos Mouros da Europa ainda até hoje se sujeitaram.

§ XV. Um dos primeiros declamadores contra o comércio dos escravos é o mesmo que sustenta que a Liberdade, e a civilização da Europa não foi devida à Leis, nem à Humanidade [7], mas sim ao Comércio: ele levantando-se até à abóbada celeste, onde toca a frente modesta do justo, como ele diz, só de lá é que ele pode verdadeiramente gritar “Eu sou livre”; e só de lá é que ele se sentiu ao nível do seu objecto, e donde vendo a seus pés estas belas Províncias, em que florescem as Ciências, e as Artes, e que as trevas da ignorância tinham tão longo tempo ocupado, ele perguntou com soberbos, e repetidos apóstrofes: “Quem foi o que abriu estes canais? Quem foi o que enxugou estas planícies? Quem foi o que ajuntou, vestiu, e civilizou estes Povos?”  Então todos os homens lustrados, que estavam em tais lugares, de uma voz unânime responderam (diz ele) “Foi o Comércio!  Foi o Comércio! “ [8]. Eu porém cá de um canto da terra em voz baixa, e submissa lhe diria: “Foram as descobertas dos Portugueses, foi a escravidão de África”. Que blasfémia! dirão os da nova seita: eu vou dar as provas.

§ XVI. Quanto às descobertas dos Portugueses, o mesmo Autor da História Filosófica, que tanto nos grita lá de cima, é o que diz [9]: "A Europa começava apenas a respirar e a sacudir o jugo da escravidão, que tinha envilecido os seus Habitantes desde as Conquistas dos Romanos, e do estabelecimento das Leis feudais. … Então o Direito da propriedade começou a introduzir-se entre os Particulares, e lhes deu aquela qualidade de independência, sem a qual a mesma propriedade não é mais, do que uma ilusão .... Sem a descoberta de Vasco da Gama a chama da liberdade se apagaria de novo, e talvez para sempre. Os Turcos iam substituir o lugar dessas Nações ferozes que das extremidades da terra tinham vindo substituir o dos Romanos para serem, como eles, o flagelo do género humano, e às nossas bárbaras instituições teria sucedido um jugo ainda mais pesado: este acontecimento era inevitável, se os desumanos vencedores do Egipto não tivessem sido rechaçados pelos Portugueses nas diferentes expedições que tentaram na Índia; as riquezas da Ásia lhe assegurariam as da Europa.

§ XVII. Quanto à Escravidão de África sabe-se que não há, nem pode haver comércio se não daquilo que sobeja do necessário de cada um; porque ninguém vende o pão, de que precisa para a boca: isto que procede a respeito de cada um em particular, procede a respeito do todo de uma Nação, de uma parte do Mundo, etc. Logo não pode haver comércio sem haver supérfluo. Sabe-se mais, que os objectos, e a base do Comércio são os trabalhos da agricultura, e da indústria dos homens, aquela que sobeja das necessidades de cada um.

§ XVIII. Donde pois veio à Europa de repente uma agricultura, um supérfluo tão superabundante, que em pouco mais de dois séculos lhe produziu um comércio tão rico, e tão extenso, que excedeu a todo o comércio anterior de mais de 6, ou 7 séculos? Quem não vê, que esta tão extensa agricultura, este tão grande supérfluo, e tão repentino é o produto do trabalho de milhões, e milhões de braços, que vegetando em uma escravidão ociosa por toda a África foram de repente metidos em acção; acção que deu a todos a vida, ainda mesmo aos condenados a morrer, assim como um corpo ocioso, e sem trabalho?

§ XIX. Em uma Sociedade qualquer, ou em uma Nação bem regulada é absolutamente necessário para o bem, e existência de todos que uns semeiem o pão, outros o amassem, outros o cozam, outros o guardem, outros o distribuam, etc. De todos estes trabalhos, o que é feito ao sol, e à chuva, é o mais pesado, e pede forças físicas proporcionadas; mas ele é absolutamente necessário, e indispensável debaixo da pena de morrerem todos: os trabalhos feitos ao sol, e à chuva são sempre constrangidos, e obrigados, ou sejam pela força da fome, ou pela força dos que têm a maior força na mão; aos que trabalham ao sol, e à chuva chamam os Filósofos escravos dos outros; chamem-lhes como quiserem; a verdade é que muitos dos trabalhos, que faziam os trabalhadores da Europa, foram substituídos, e feitos pelos trabalhadores escravos de África; os da Europa foram passando para a classe dos que trabalham à sombra, para a classe dos Artistas, dos Comerciantes, dos Sábios, e finalmente para a classe dos ricos, dos livres, dos civilizados.

§ XX. Logo para que a Europa se diga rica, livre, e civilizada, é necessário, que ela confesse, ou a necessidade da Escravidão de África, ou que ela deve tornar para o seu antigo estado de escravidão, e barbaridade, como dizem os seus Filósofos; ou ao menos para aquele estado de Cavaleiros Andantes, em que ela se achava antes que o braços da África fossem postos em acção; e que os Filósofos sentimentais, que nos gritam lá das abóbadas dos céus, desçam cá para baixo a nos darem o exemplo da Humanidade, sendo eles os primeiros a criar, e a domar os brutos, e a lavrar as terras ao sol, e à chuva, tão somente pelo sustento, e vestuário, que se dá a um escravo, ou pelo cativo salário, que se dá a um trabalhador de enxada; e quando eles me descobrirem o segredo de substituir estes braços fortes, que nos sustentam, e nos defendem, e que são contentes com um tão cativo salário sem serem obrigados ou por força ou pela necessidade da fome, por não terem de propriedade nem um palmo de terra [10]; assim como também, que postos na ociosidade não serão prejudiciais a si, e aos outros homens; eu serei dos seus sentimentos de humanidade, não de boca, mas sim do coração.

§ XXI. Las Casas, o bom Las Casas, Bispo de Chiapa não escutando senão um sentimento de humanidade, encheu uma grande vista política: ele produziu, ainda que involuntariamente, um imenso resultado; ele firmou sem dúvida as bases das riquezas dos dois Mundos; ele foi um grande homem de Estado não querendo ser, senão um homem sensível: sem os Negros as Colónias seriam inúteis: elas teriam sido para a Europa o mesmo que para um Proprietário, uma terra desprovida de braços, de animais, de ferramentas. E pelo contrário, as Colónias têm feito valer os braços de África, que aliás eram perdidos: elas têm feito o grande Comércio da Europa até então muito pequeno; abrangeram a Ásia, e formaram o nó, que atou o antigo ao novo Mundo; elas têm nutrido as Artes, as Ciências: elas enfim deram a liberdade à Europa: sem as Colónias? Que imenso vazio estaria até hoje por encher?

§ XXII. Em uma palavra a Escravidão na África já estava estabelecida, os Portugueses não fizeram mais do que aproveitarem-se dos desperdícios daquelas Nações; e por isso, as nossas Leis, e os nossos Soberanos como bons políticos e encarregados de fazer o maior bem dos seus Vassalos, o permitiram em favor da cultura das suas terras, que aliás eram perdidas. A escravidão dos Índios do Brasil ainda não estava estabelecida, e se achou mesmo inútil estabelecê-la, e até contrária ao fim a que se tinha proposto: ela só servia de aumentar dificuldades aos meios doces, suaves e pacíficos, que se tinham adoptado para a civilização daqueles bárbaros, e para a propagação do Evangelho no meio da Gentilidade, que por isso, que não tinham alguma Religião, era fácil de abraçar a primeira, que se lhes ensinava; e como em tal caso a Escravidão daqueles Índios já não era um bem, mas sim um mal para a Religião, e para o Estado, foi necessário proibi-la.

§ XXIII. Sendo pois diversas as circunstâncias em que se achavam, e ainda se acham os Pretos de África, e os Índios do Brasil no tempo das descobertas dos Portugueses em uma, e outra parte do Mundo, foram também diversas, as disposições das ditas Leis; e como a justiça das Leis humanas não é absoluta, mas sim relativa às circunstâncias [11], ficou cada uma das ditas Leis sendo justa relativamente ao objecto, de que tratava; assim como também a minha opinião, a qual enquanto defende a justiça da Lei, que permite a escravidão, e o resgate dos Escravos da Costa de África, não ofende a justiça da Lei, que proíbe a escravidão dos Índios do Brasil.

§ XXIV. O dito Alvará do 1.º de Abril de 1680, tratando dos Índios do Brasil, é o mesmo que faz estas distinções, enquanto diz: “Tendo mostrado a experiência, que suposto sejam lícitos os cativeiros, por justas razões de Direito nos casos exceptuados...... contudo que são de maior ponderação as razões, que há em contrário para os proibir” a respeito dos Índios do Brasil. Da mesma sorte se devem entender as Bulas Pontifícias, de que fazem menção os ditos AIvarás, expedidas em favor dos mesmos Índios.

§ XXV. Olhando para este negócio pela parte da Religião, eu não vejo coisa alguma contra ela. Os Apóstolos, tratando da escravidão nunca disseram que ela era contra a Religião: S. Pedro na sua Epístola I [12] recomenda aos escravos, que obedeçam aos seus Senhores, ainda que sejam maus, ou rigorosos: S. Paulo na sua Epístola aos Colossenses recomenda aos Senhores que prestem aos seus escravos o que a Justiça, e a equidade pedem deles, e que se lembrem que eles têm um Senhor no Céu, que os há-de tratar, como eles tratarem aos seus Escravos [13]. A Epístola de S.Paulo a Philemon, em que lhe pede, que perdoe ao seu escravo Onésimo o furto, e a fugida que ele lhe tinha feito, é um chefe de obra de eloquência neste género: nada é mais terno, mais tocante, mais persuasivo, mais animado. S. Paulo na sua Epístola mistura as preces com a autoridade, os louvores com as recomendações, os motivos da Religião com os da civilidade, e do reconhecimento: ele enfim tudo mete em obra para reconciliar o Senhor com o escravo mas nunca disse, que era injusto, nem contra a Religião, que Onésimo fosse seu escravo [14].

§ XXVI. Dirá porventura um Cristão que a Moral de tais Filósofos é mais perfeita e mais sublime do que a Moral, que nos ensinaram os Apóstolos ou do que a Moral, que os Apóstolos não reprovaram? A Moral de tais Filósofos, cujos princípios tem mostrado a experiência, que ou são falsos, ou revolucionários, havemos nós adoptar? As obras dos homens não chegam nem jamais chegarão à suma perfeição, que é só reservada a Deus: o maior bem dos Homens no estado da Sociedade é o meio entre os extremos; querer sair deste meio é precipitar-se no abismo, é cair no furor, ou do fanatismo, ou da superstição

§ XXVII. Eu me persuado, que não ofendo, quando defendo a justiça das Leis do meu Soberano; quando trabalho por sufocar a opinião, que se opõe à Lei do Estado; quando só tenho em vista o sossego externo, e interno dos meus Concidadãos; quando sirvo à minha Pátria; quando mesmo do mal, que fazem os Bárbaros entre si, eu para todos tiro um bem; e quando enfim a soma dos bens é tão grande, que ainda um mal à vista deles é nada.

 

F I M.

 

(*) Lapso: é 1755. Ver esta página e seguintes até à 376.

 

NOTAS:

[1] É necessário, quando for possível, dar aos Povos a sublime ideia de que o Tribunal das Leis, pelas quais eles são governados, é inspirado pela mesma sabedoria, e presidido pela Justiça. Que seria, por exemplo, de um Exército, cujos soldados se persuadissem, ou ao menos desconfiassem que o seu General é um ignorante? Numa Pompílio, como grande e Sábio Político, conhecendo que, sem a obediência, filha da persuasão, de nada valem as Leis, fez persuadir aos Povos, que as suas Leis eram ditadas por uma Divindade justa e sábia. Juven. Sat. 3. v. 17: esta opinião, uma vez estabelecida, as suas Leis produziram todo o seu bom efeito, e os Povos gozaram das doçuras da Paz por mais de 40 anos, que durou o seu governo. An urb. cond. 82. Liv. I. 1. c. 34-35. E como poderá haver paz, e sossego em um tempo em que a Filosofia revolucionária trabalha por destruir todos estes princípios, e fazer persuadir aos Povos, que não há Religião, não há Divindade, e que todos os Legisladores, que nos governam, são ignorantes, bárbaros e tiranos? Ah, desgraçados Humanos! E sobre que bases deverá descansar a vossa fé? Deveremos andar sempre em contínua desconfiança?

[2] Vej. as Bulas, copiadas por Souz. Histor. Genealog. Da Casa Real, tomo I das Prov. Pag. 448, e tom. 2 pag. 225 nas palavras: Exinde quoque multi Guinei, et alii Nigri vi capti, quidam etiam non prohibitarum rerum permutatione,  seu alio legitimo contractu emptionis ad dicta sunt Regna transmissi.  Quorum inibi in copioso numero, ad catholicam fidem conversi extiterunt, speraturque Divina favente Clementia, quod si hujusmodi cum eis continentur progressus, vel populi ipsi ad fidem convertentur, vel saltem multorum ex eis animae Christo lucri fient. 

[3] Genes. 31, 27, 28, Caesar, de Bel. Gallic. L, 5.º e 6.º, Fleuri, Discurs, 6, n.º 13.

[4] Veja-se o meu Ensaio Económico sobre o Comércio de Portugal, e suas Colónias. P. I, cap. 4, onde proponho os meios de tirar partido dos Índios do Brasil.

[5] Herrer. Histor. de las Indias. Decad. 2, lib 2, cap. 2.

[6] Robertson. Histoir. de l’Amerique, tom. I, liv. 3, pag. 229

[7] Histoir. Filosof. Tomo I, liv. I, Introduct. Pag. 26, § Le Président de Montesquieu.

[8] Histoir. dit. Tom. I., pag. 5.

[9] Histoir. dit. Tom. E liv. I, chap. 13, pag. 157.

[10] Os Filósofos consequentes não podem deixar de conhecer estas necessidades, admitido o Direito da Propriedade, mas se o fim de seus sistemas, do seu Direito Natural, e da sua humanidade é o de destruir o Direito da Propriedade, igualar todos os homens em Direitos, e reduzi-los à comunhão dos bens, qual a quimera, com que os Revolucionários da França enganaram os seus desgraçados Irmãos; eu desde já me calo, e deixo às novas revoluções, que lhes respondam, quando não bastem as que tem havido, nascidas dos seus princípios.

[11] Vej. Analis. sobre a Just. do Comércio do Resgat. dos Escrav. da Cost. de Áfric. §§ XIX até XXIV.

[12] Epist. I. cap. 2, v. 18 Servi subditi estote in omni timore dominis, non tantum bonis et modestis, sed etiam discolis.

[13] Epist. Ad Colos. Cap. 4, v. 1: Domini, quod justum est, et aequum servis praestate, scientes quod et vos Dominum abeti in Coelo.

[14] Epist. Ad Philom.

  

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