4-5-2001

 

FREI MANUEL CARDOSO

(1566 - 1650)

 

                           Sobre música de REQUIEM, veja esta página, aqui

   

 

Frei Manuel Cardoso é o principal compositor do grupo de polifonistas de Évora, os maiores expoentes do período áureo da música religiosa portuguesa. A música que compuseram caracteriza-se pela inexistência de acompanhamento de qualquer instrumento.

Foi professor de Frei Manuel Cardoso, Manuel Mendes (1547 – 1605), nomeado Mestre de Claustra da Sé de Évora, cargo que desempenhou até 1589.

Entre os quatro nomes de compositores que mais se salientaram – Estêvão de Brito (c. 1575 - 1641), Filipe de Magalhães (c. 1571 – 1652), Duarte Lobo (1565 – 1646) e Frei Manuel Cardoso (c. 1566 – 1650), foi este último quem conseguiu misturar com maior sucesso o antigo e o novo, produzindo um estilo pessoal muito característico.

Frei Manuel Cardoso passou a sua vida como frade carmelita no Convento do Carmo em Lisboa. Antes de fazer os votos em 1589, praticara como menino do coro na Catedral de Évora. Entre 1618 e 1625, esteve ao serviço do Duque de Barcelos, mais tarde, D. João IV, um utilíssimo patrono, ele mesmo músico distinto e compositor de mérito.

As obras de Frei Manuel Cardoso que chegaram até nós estão imprimidas em cinco colecções, das quais duas foram pagas por D. João IV.  Destas, a primeira e a última (1613 e 1648) incluem motetos e Magnificats, ao passo que as outras três (1615, 1636 e 1636) contêm Missas.

Não podemos saber se Cardoso experimentou outros tipos de música barroca, porque o resto das suas obras (como as de tantos outros músicos) foi destruída pelo terramoto de 1755.

A sua obra mais conhecida é a missa de Requiem, para seis vozes (SSAATB), que está incluída no livro de Missas de 1625.  O “Libera me” a final é para quatro vozes (SATB).

Existem muitas edições internacionais em disco das suas obras, em especial, da missa de Requiem.

 

Outros compositores portugueses da época: Frei Agostinho da Cruz (1590 – 1633), Diogo de Alvarado (? 1643), Estêvão Lopes Morago (Sec. XVII), João Lourenço Rebelo (1610 – 1661), Manuel Leitão de Avilez (Sec XVII), Manuel Rebelo (Sec. XVII), Manuel Rodrigues Coelho (1555-1635), Marcos Soares Pereira (? 1655), Duarte Lobo (1565 - 1646), Manuel Mendes (1547 - 1605).

 

 

 

Nicolau António Bibliotheca Nova, 2.º vol., pags. 44-45

   

        Fr. EMMANUEL CARDOSO, Lusitanus, Pacensis, seu ex Beja urbe Transtaganæ provinciæ, Carmelitarum sodalis, in facultate musica ævo suo paucis comparadus, edidit aris suæ quædam opera, scilicet Missas, Magnificat, aliaque, Olisipone excusa 1613, 1625, 1636. Domesticis testimoniis fidem ut æquum est libenter prestamus. Horum tantum vidimus Romæ:

        Missæ quaternis, quinis, et senis vocibus: in charta magna. Olisipone apid Petrum Craesbeck, 1625.

  

Diogo Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana

 

Fr. MANOEL CARDOSO natural da Villa da Fronteira em a Provincia Transtagana, e não da Cidade de Beja como escreveu Nicolao Antonio Bib.Hisp.Tom. 1. p. 263. col. 2. Foram seus pais Francisco Vaz, e Izabel Cardoza que conhecendo a viveza do seu engenho o mandaram estudar a Evora, Gramatica, e Musica em cuja Arte saiu tão insigne assim pratica, como especulativamente que chegou a fazer o compasso na Cathedral. Ao tempo que vizitava o Convento de Evora dos Carmelitas Calçados o Provincial Fr. Simão Coelho informado do seu inculpavel procedimento o admetio ao habito que vestio no Convento de Lisboa no primeiro de Julho de 1588 quando tinha completos dezanove anos de idade, e professou a 5. do dito mez do ano seguinte. Entre os celebres compositores da Musica que floreceram em seu tempo mereceo distinta estimação subindo a maior excesso quando levando à Corte de Madrid o livro das Missas que tinha composto e offerecido a Magestade de Filippe IV. lhe gratificou este Monarcha com hum generoso donativo, e lhe ordenou fizesse o compasso na Capella Real aos seus Cantores. Igual favor recebeo do Serenissimo Rey D. João o IV. que o mandou chamar muitas vezes ao Palacio para conferir com elle algumas duvidas sobre a Arte da Musica, de que era consumado Professor, e tal era o conceito que este Principe fazia da sua pessoa que duas vezes o vizitou no apozento, e lhe mandou collocar o seu Retrato primorosamente pintado na Bibliotheca da Musica. De tão singulares honras se não deixava atrahir o seu coração, antes triunfante da vã gloria lhe serviam de estimulo para exercitar com mayor disvelo as virtudes religiosas sendo no comer parco, no fallar circunspecto, e no obedecer prompto. Por muitos annos foy Sub-Prior do Convento de Lisboa, e Mestre da Capella devendo-se ao seu zelo a pauza com que perfeitamente se celebravam os Officios Divinos. Duas vezes foi Definidor, a primeira no anno de 1628 e a 2.ª no ano de 1647 e nestes lugares sempre conservou a humildade com que se ornava o seu espirito. Na ultima enfermidade em que tolerou acerbissimas dores pedio os Sacramentos os quaes recebeo com grande ternura recitando o Te Deum Laudamus ao tempo que lhe ministravam a Extrema-Unção no fim da qual foi lograr da patria celestial a 24. de Novembro de 1650, quando contava 81 anos de idade, e 62. de Religião. Foi sepultado no Cemeterio antigo do Convento de Lisboa, e sobre a campa se lhe gravou o seguinte epitáfio:

                                Aqui jaz o Padre Fr. Manoel Cardozo Mestre, e Varão insigne na Arte de Musica.

 

Celebram o seu nome Nicol. Ant. Bib. Hisp.Tom. 1. pag. 263. col. 2. in facultate musica aero suo paucis comparandus. Manoel Rodrigues Coelho no  Prolog. das Flor. da Music. Cujo parecer deve só bastar por muitos por sua singular erudição. Carvalho Coreg. Portug. Tom. 3. liv. 2. Trat. 8. cap. 47. pag. 627.insigne Mestre e Compozitor na Arte da Musica.J oan. Soar. de BritoTheatr. Lusit. Litter. Lit. E. n. 26. Fr. Daniel à Virg. Mar. Specul. Carmelit. 2. Part. Tom.2.part. 5. pag. 1080. num. 397. Fr. Manoel de SáMemor. Hist. dos Escrit. Portug. da Ordem do Carm. cap. 71. Faria Fuente de Aganip. Part. 2. Poem. 10.

 

Estanc. 72

Desde el Carmelo altissimo el Cardoso.

Que excede al gran Ruger &c. 

 

  e Estanc. 73 

 

Todo a oir la virtud me desacupo

Con la voz del Cardozo de almas robo

 

Compôs:

 

Livro de Magnificas a 4. e 5. vozes.Lisboa por Pedro Crasbeeck 1613. fol. grande.

 

Missae quaternis, quinis, & sex vocibus. Olyssipone apud Petrum Crasbeeck 1625. fol. grande Dedicado ao Serenissimo Duque de Barcellos D. João.

 

Missae quaternis, & sex vocibus liber secundus. ibi apud Laurentium  Crasbeeck. 1636. fol.7 Dedicado ao mesmo Senhor sendo ja Duque de Bragança.

 

Missae de B. Virgine quaternis, & sex vocibus liber tertius ad S. C. R. Maestatem Philippi IV. Hispaniarum Regis, ac novi orbis Imperatorem. ibi  apud eumdem Typographum1646. fol. grande. Dedicado a Filippe IV.

 

Livro que compreende tudo quanto se canta na Semana Santa. Lisboa por Lourenço Crasbeeck 1648. fol. Oferecido a ElRey D. João IV. Outras obras musicas dignas da luz publica se conservam  na Bibliotheca Real da Musica como consta do seu Index impresso em Lisboa 1648. 4. Sendo as principaes cinco Missas, , huma Magnificat; dous Hymnos, e huma Antifona de diversas vozes na Estante 35. n. 800. Duas Missas, huma de 8. Vozes, e outra de nove num. 802. Dous Vilhancicos do Natal  o 1. a 3. vozes, e o 2. a 6. Estante 28. n. 704. Além destas obras compôs Psalmos, Responsorios a diversas vozes; Lições do Oficio de Defuntos, e os celebres Motetes, que se costumam cantar ao correr dos Passos, que o Redentor do mundo deu com a Cruz às Costas.

 

   

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Frei MANUEL CARDOSO
(Fronteira, 1566 - Lisboa, 1650)  

Frei Manuel Cardoso foi a personalidade criativa mais original da Escola de Évora e um dos maiores compositores portugueses de todos os tempos. Combinando uma sólida ciência contrapontística com uma intensa expressividade, a ele se devem algumas das obras mais significativas do nosso maneirismo musical.

Natural da vila alentejana de Fronteira, iniciou os seus estudos musicais aos nove anos, ingressando no Colégio dos Moços de Coro da Sé de Évora. Teve como mestre Manuel Mendes, compositor destacado, responsável pela formação dos polifonistas mais representativos da sua geração, como é o caso de Duarte Lobo e Filipe de Magalhães. Em 1588, ingressou na ordem dos Carmelitas, tomando o hábito a 5 de Julho de 1589, no Convento do Carmo de Lisboa. Esta instituição, onde viria a ocupar o cargo de mestre de capela e organista, serviu de palco à sua actividade musical durante cerca de 60 anos. Entre 1618 e 1625, residiu em Vila Viçosa, no Paço dos Duques de Bragança, encontrando no jovem duque de Barcelos (futuro D. João IV) um patrono dedicado, que financiou a publicação de grande parte das suas obras. Supõe-se também que Cardoso tenha sido um dos mestres de música do futuro "Restaurador". Recebeu ainda várias provas de reconhecimento do seu labor por parte de Filipe IV de Espanha, que patrocinou a edição do seu terceiro Livro de Missas e distinguiu um dos seus irmãos com a Ordem de Cristo.

Um dos compositores portugueses do século XVII com mais obras publicadas, Frei Manuel Cardoso deixou-nos cinco volumes de obras polifónicas, todos impressos em Lisboa, por Pedro Craesbeeck: os "Cantica Beatae Virginis" (1613), três livros de Missas (1625, 1636) e o "Livro de Vários Motetes" (1648). As missas de Cardoso recorrem à técnica renascentista da "paródia", ou seja são construídas a partir de material musical pré-existente. As missas do primeiro livro foram baseadas em motetes de Palestrina, as do segundo em obras indicadas pelo futuro D. João IV, enquanto o terceiro contém seis missas escritas sobre um tema da autoria do próprio Filipe IV, a quem o volume é dedicado. O "Livro de Vários Motetes" (1648) inclui as Lições da Semana Santa, porventura as obras mais comoventes do maneirismo musical português. Cardoso teria também sido autor de peças policorais, para oito, nove e doze vozes, que existiam na Biblioteca de D. João IV, mas que foram, infelizmente, destruídas pelo terramoto de 1755.

Herdeiro da mestria contrapontística do seu mestre Manuel Mendes, Cardoso foi, no entanto, mais longe, revestindo as suas obras de uma linguagem expressiva muito própria e de ousadias técnicas e estéticas, que não encontramos nos seus contemporâneos portugueses, por exemplo o uso frequente de dissonâncias não preparadas e do cromatismo e uma manipulação pouco ortodoxa do sistema modal. C.F. 

PÚBLICO, Suplemento MIL FOLHAS Sábado, 7 de Abril de 2001