2-5-2014

 

Na Inquisição, no último lustro do séc. XVI

 

 

O estudo de três processos de acusação de judaísmo do final do séc. XVI, dos quais dois terminaram com o relaxe dos Réus, permite-nos ver as diferenças  e  as semelhanças com os processos dos séculos seguintes. Tenho de dizer desde já que são mais as semelhanças que as diferenças. Como de costume, apenas me referirei a processos inquisitoriais por judaísmo.

Já estavam estabelecidas as rotinas, embora ainda pouco rodadas. O processo era para condenar, não era para absolver. A contestação por negação, por muito válidos que fossem os testemunhos, não era aceite; foi isso mesmo que aconteceu no caso do médico Tomás Nunes em que se não ligou a mínima importância à prática religiosa dele. Tal contestação servia apenas para fazer do Réu negativo, já potencialmente condenado. Não havia defesa possível. Só se podia escapar à morte inventando confissões e acusando o maior número possível de pessoas. Era preciso acusar os parentes chegados, porque essas eram as denúncias mais valiosas segundo se sabia do que diziam os Inquisidores.

É muito possível que, nesta altura, a assimilação dos cristãos novos na comunidade católica fosse ainda bastante ténue. A maior parte dos casamentos seria ainda feita no interior do grupo. Mas, sobretudo nos meios urbanos, não haveria já quaisquer práticas judaicas, isso seria um suicídio. Aliás a existência de serviçais cristãos velhos dentro de casa impedia isso mesmo. A prática religiosa dos cristãos novos seria totalmente católica, eram rigorosamente vigiados nessa matéria. Desde o Concílio de Trento que a Igreja Católica vigiava de perto a prática religiosa de toda a gente, exigindo a frequência dos sacramentos e até excomungando os que não fossem à confissão anual, isto é, não tivessem o nome no rol da desobriga.  Com isto, quero dizer que é bem possível que os cristãos novos ainda fossem judeus no seu coração, como se costuma dizer e dizem os Inquisidores nos processos. Mas isso não justifica a acção da Inquisição. Tinham de haver palavras ou actos que demonstravam essa crença. Como não havia, a Inquisição inventava.

Como foi habitual desde o princípio, a fuga para o estrangeiro dos cristãos novos era considerada já como sinal de heresia, pois, se fugiam, era porque estavam culpados na crença, queriam ir para onde pudessem viver a fé judaica. A Inquisição não aceitava que o cristão novo pudesse emigrar para onde tivesse melhor vida. Ou então que quisesse fugir porque os seus parentes e conhecidos estavam a denunciá-los como judaizantes, e queriam salvar a pele. Embora não tivessem qualquer prática judia, bastava serem acusados para ficar logo em grande perigo.

Quanto às diferenças com os processos dos séculos seguintes, são de pouca monta. Em geral, sob o aspecto jurídico, o processo é mais imperfeito. Não há mandado de prisão e prende-se apenas com base em suspeitas. Os Assentos são ainda mal redigidos. Não figura inventário dos bens no processo e a genealogia é bastante descuidada, deixam-se passar muitas omissões  nas declarações dos Réus. Em geral, não declaram os nomes dos avós, nem dos primos carnais. Sem querer, ao longo do processo, acabam por indicar parentes que não figuram na Genealogia, mas não são castigados por isso.

Uma aparência de legalidade era dada pelas ratificações dos depoimentos das testemunhas. A ratificação à moda da Inquisição (que se fazia então, deixou de se fazer no século seguinte e voltou a fazer-se no séc. XVIII) não servia para nada, porque se lia o depoimento à testemunha, perguntando-se-lhe se o confirmava: é claro que dizia sempre que sim.

Como a Inquisição, nesta altura, não tinha mãos a medir, não é tão rigorosa e cruel como o seria mais tarde. Nem chegam a ser presos todos os denunciados. E, quando surge mais uma acusação contra os que já tinham sido reconciliados, estes não são presos de novo, como acontecerá no séc. XVIII.

Os depoimentos são ainda bastante prolixos, descrevendo inúmeras  práticas judaicas ou supostas como tais. Mais tarde, serão mais concretos e quase se limitarão a indicar declarações em forma de crença na Lei de Moisés, seja lá o que isso quer dizer.

Torna-se também demasiado evidente que a condução do processo dependia muito da data do auto da fé onde queriam levar o Réu. Para isso, o processo era atrasado ou acelerado.

Nestes processos, um aspecto muito importante é que os Inquisidores da Mesa são mais cruéis, enquanto o Conselho Geral aprecia mais os aspectos jurídicos do processo. Nos séculos seguintes, será o contrário: a Mesa vai realçar os aspectos jurídicos (formais, claro) da condução do processo e o Conselho decide por vezes arbitrariamente as condenações.

 

 

Processo n.º 1883 – Tomás Nunes, médico, de Vila do Conde,  de 60 anos, há seis meses em Lisboa.

Processo n.º 2179 – Lopo Nunes, seu filho, de 33 anos, médico em Ponte de Lima, que veio com o pai para Lisboa.

 

Tomás Nunes vivia aflito. Já não era novo, estava na casa dos 60 anos, e não ganhava para ocorrer às necessidades dos oito filhos. Formara o filho Lopo Nunes em médico, mas os outros rapazes eram mais ou menos vadios e alguns ainda crianças. Para além disso, a Inquisição andava a prender cristãos novos em Vila do Conde e arredores (por exemplo, Azurara) e ele sabia ser provável que chegasse também a vez dele. No processo, porém, tudo dá a entender que ele tinha práticas de católico e nenhuma de judeu.  Decidiu ele então partir para a Flandres, onde tinha parentes que lhe diziam que ali os médicos ganhavam bom dinheiro. Veio para Lisboa e tratou de preparar-se para partir, com a mulher, o filho médico, a filha Antónia e as duas crianças.

Quando ia ele e a família com toda a bagagem para se embarcarem, foi detido pelos guardas da Alfândega que o entregaram na Inquisição, onde foram instaurados processos contra ele, sua mulher, o filho Lopo Nunes e a filha Antónia. Não havia ainda denúncias contra ele.  As primeiras denúncias vieram alguns meses depois de sua mulher, e a seguir de uma tia e marido, primos e finalmente, de sua própria filha, Antónia Nunes. 

Instintivamente, a mulher e a filha denunciaram todos os de que se lembravam, incluindo o marido e pai: era o único modo de escapar à morte.

Tomás Nunes não confessou nem denunciou ninguém e o assento da Mesa declarou-o convicto na heresia.  Certamente estava ele ainda confiado na defesa que tinha apresentado pelo seu procurador.

Nesta altura, o Conselho Geral mandou dois padres falarem com ele, possivelmente tendo em conta os artigos 56.º e 57.º do Regimento de 1552. Ingenuamente, o Réu abriu-se com eles e expôs as dúvidas que tinha na Fé católica.

Só na véspera do Auto e que ele começou a fazer a confissão que os Inquisidores queriam ouvir: era tarde demais. Denunciou então também o filho médico.

A sua mulher e a sua filha foram reconciliadas no mesmo auto, em que ele foi relaxado.

Entretanto, o filho médico, preso aquando ao pai em 14-7-1594, continuava preso. Quando o pai foi relaxado, não havia na Inquisição nenhuma culpa contra ele. Veio no final de Fevereiro de 1597 a denúncia do pai, em Abril do mesmo ano a de uma tia e depois de outros parentes.  O Réu negou sempre a crença judaica. Preso injustamente, era um preso revoltado e, por volta de Janeiro de 1597, passou a dormir agrilhoado com um grilhão em cada pé.  Mas conseguiu manter-se sempre lúcido.

Em Janeiro de 1600, a maior parte dos votos da Mesa queria relaxá-lo. Um deputado, porém, o Dr. António de Barros, demonstrou que as denúncias não eram convincentes e votou que ele fosse ao tormento. O Conselho Geral concordou com este último e exarou no despacho que o processo não voltasse lá.

O tratamento que teve a seguir foi nitidamente uma vingança dos Inquisidores. Foi ao tormento três vezes. Com o tormento do potro, fizeram-lhe ao mesmo tempo a tortura da água (fls. 133 img. 277). Não aguentou. Denunciou toda a gente de que se lembrou, com os Inquisidores sempre insatisfeitos. Na última sessão desmaiou, e valeu-lhe o cirurgião que mandou suspender o tormento.

Foi reconciliado no auto da fé de 3 de Setembro de 1600, com obrigação de ficar em Lisboa e andar sempre com o hábito penitencial. Em 1603, um oficial da Inquisição viu-o sem o hábito e foi entregá-lo ao Limoeiro. Escreveu uma carta ao Inquisidor para o mandar libertar e ouviu depois dele uma repreensão em regra. Segundo uma informação do final desse ano, tinha desaparecido de Lisboa.

Eram estes os modos da Inquisição de “converter” (?!) os cristãos novos supostamente judaizantes!

 

 

Processo n.º 60 – Mestre Diogo, cirurgião, de Serpa,  de 50 anos, há seis meses em Lisboa.

 

Mestre Diogo era cirurgião em Serpa. Entrou em pânico quando lhe soou que tinha sido denunciado na Inquisição de Évora. Decidiu então vir para Lisboa com a mulher e quatro filhos pequenos (tinha mais duas filhas casadas que já tinham saído de casa).

Pelo processo, vê-se que era pessoa ingénua. Em Lisboa confessou a um amigo que, se lhe arranjasse uma embarcação, ele partiria para o estrangeiro. Esse “amigo” foi denunciá-lo à Inquisição.

Foram presos ele e a mulher. Ambos confessaram e denunciaram. A prisão, porém, deve ter toldado o juízo um bom bocado a Mestre Diogo e ele revelou-se muito influenciável pelos companheiros de cárcere. Depois de já ter feito um bom número de denúncias, decidiu revogar-se, dizendo que tudo o que dissera era falso. A seguir, voltou a assentar nas suas confissões;  depois, revogou-se de novo, mudando de opinião umas poucas de vezes.  Aproximava-se a data do Auto e os Inquisidores decidiram relaxá-lo, com o que o Conselho Geral concordou. Apenas um Deputado achou que ele deveria ficar reservado.

Sua mulher foi reconciliada no mesmo Auto de 23-2-1597 e o Conselho Geral tirou-lhe o hábito penitencial em 1601.

 

GENEALOGIA

 

Mestre James, físico e rendeiro, casou com Isabel Fernandes e tiveram:

1-Constança Lopes (Pr. n.º 8684, de Coimbra)  que casou com Baltasar Álvares (Pr. n.º 8686, de Coimbra)  e tiveram

                                           Brites ou Beatriz Álvares (Pr. n.º 594, de Coimbra)

                                           Genebra Álvares (Pr. n.º 6979, de Coimbra)

                                           Branca Álvares (Pr. n.º 8683, de Coimbra)

2- Branca Lopes que casou com Lopo Nunes e tiveram

                                          Guiomar Nunes (Pr. n.º 908, de Coimbra), casada com Belchior Pereira, moradores em S. Gião de Paço - Barcelos

                                          Helena Lopes (Pr. n.º 1979, de Coimbra), viúva de Baltasar Carvalho

                                          Grácia Nunes, casada 2.ª vez com Diogo Fernandes da Costa, mercador, foram para Madrid há uns dois anos

                                          Fernão da Cruz, que está no Brasil

                                          Manuel Nunes, está também no Brasil

                                          Duarte Nunes, está nas Índias de Castela

                                          Tomás Nunes (Pr. n.º 1883, de Lisboa, RELAXADO), de 60 anos, que casou com Maria Vaz (Pr. n.º 9873, de Lisboa) e tiveram 

                                                                       Miguel Vaz, casado com Beatriz Teixeira, que está no Brasil

                                                                       Lopo Nunes (Pr. n.º 2179, de Lisboa), de 33 anos, médico

                                                                       Pero Vaz,  de 31 anos, que foi para Madrid há 6 ou 7 anos, com sua tia Grácia Nunes

                                                                       Manuel Nunes, casado com Beatriz Gomes, foi  para o Brasil;

                                                                       Simão Vaz, que há um ano foi soldado para Angola

                                                                       António, solteiro, de 17 anos, está no Brasil há 3 anos

                                                                       Antónia Nunes (Pr. n.º 4588, de Lisboa), de 16 anos

                                                                      João, de 9 anos

                                                                      André, de 6 anos

 

3-Maria Lopes ou Hilária Lopes (Pr. n.º 800, de Coimbra) casou com Simão Gomes, de quem enviuvou e tiveram:

                                               Mécia Vaz (Pr. n.º 3722, de Coimbra), solteira, de 26 anos

                                               Maria Gomes (Pr. n.º 3725, de Coimbra), solteira, de 22 anos

 

 

Processo n.º 1883, da Inq. de Lisboa, de Tomás Nunes, médico, morador em Vila do Conde.

 

fls. 1 img. 5 – 14-7-1594 – Auto do recolhimento aos cárceres de Tomás Nunes, sua mulher Maria Vaz (Proc. n.º 9873)  e de seus filhos,  Lopo Nunes, médico (Proc. n.º 2179)   e Antónia Nunes  (Proc. n.º 4588)

Os guardas da Torre de Belém prenderam os membros desta família por se irem ausentar do Reino, com seu fato e casa movida. Havia informação na Inquisição de Coimbra que muitos cristãos novos de Vila do Conde tinham tentado fugir por via marítima.

fls. 2 img. 7  14-7-1594 – O Dr. Tomás Nunes fica preso na Inquisição

CULPAS

fls. 3 img. 9 – 3-12-1594 – Depoimento de sua mulher Maria Vaz (Proc. n.º 9873) – descrição desajeitada de uma Páscoa judaica, na companhia de Graça de Medeiros  (Proc. n.º 8026, de Coimbra – suicidou-se no cárcere) e da filha desta, Beatriz Gomes.

fls. 4 v img. 12 – 16-1-1595 – Outro depoimento de Maria Vaz – Descrição desajeitada de um jejum judaico em Setembro  de 1593. Diz que seu filho Manuel Nunes ajustou casamento com Beatriz Gomes e foi para Angola.

fls. 6 img. 15 – 19-1-1595 – Outro depoimento de Maria Vaz – Em Maio ou Junho de 1593 fez três jejuns em 2.ªs e 5.ªs feiras.

fls. 7 img. 17 – 17-5-1595 – Outro depoimento de Maria Vaz – Perguntaram os Inquisidores por que razão ia a fugir para a Flandres, mas ela não respondeu.

fls. 7 v img. 18 – 11-5-1595 – Dep. de Hilária Lopes (Proc. n.º 800, de Coimbra), natural e moradora em Azurara, de 65 anos – Há 10 anos, foi visitar Tomás Nunes, seu sobrinho, filho de sua irmã, Branca Lopes, e era quinta feira e jejuaram. Disse que a mãe do Réu o ensinara a ser judeu.

fls. 9 img. 21 – 6-5-1595 – Dep. de Branca Álvares (Pro. n.º 8683, de Coimbra), prima do Réu, solteira, natural e moradora em Azurara, de 25 anos – Há 10 anos, veio o Réu visitá-la porque estava doente e estavam ali sua mãe Constança Lopes e duas irmãs, Genebra Álvares e Beatriz Álvares; a sua mãe disse que a confitente estava doente por fazer muitos jejuns judaicos e o médico disse que os jejuns eram bons para a salvação da alma.

fls. 10 v img. 24 – 8-7-1595 – Dep. de Genebra Álvares (Proc. n.º 6979, de Coimbra), natural e moradora em Azurara – Em Azurara, no Mosteiro de S. Francisco da Província da Piedade, foi esta testemunha ouvida em duas sessões em 19-9-1593, pelo L.do Mateus Pereira de Sá da Inq. de Coimbra em que denunciou seu pai Baltasar Álvares (Proc. n.º 8686, de Coimbra), sua mãe Constança Lopes (Proc. n.º 8684, de Coimbra), suas irmãs Branca Álvares (Proc. n.º 8683) e Beatriz Álvares (proc. n.º 594), sem que ela mesma fosse delatada. Depois, porém, foi denunciada por pessoas presas na Inquisição e o Promotor de Justiça requereu a sua prisão. Na Inquisição, em 8-7-1595, depôs contra Ana Gomes, viúva, o genro desta, o Réu e sua mulher Maria Vaz, dizendo que dez anos antes, todos quatro se haviam declararado crentes na Lei de Moisés. Referiu depois outra ocasião em que sua mãe, ela e suas duas irmãs, com o Réu se declararam crentes na Lei de Moisés. 

fls. 13 img. 29 – 3-7-1595 – Dep. de Constança Lopes, natural e moradora em Azurara – Há dez anos em sua casa, ela, o médico e suas três filhas antes referidas declararam-se por crentes na Lei de Moisés.

fls. 14 img. 31 – 8-7-1595 – Dep. de Beatriz Álvares, natural e moradora em Azurara, de 30 anos -   Há 7 ou 8 anos em Azurara em sua casa com sua mãe e suas duas irmãs se encontraram com o médico Tomás Nunes, seu primo direito e todos juntos se declararam por crentes na Lei de Moisés.

fls. 16 img. 35 – 11-10-1595 – Dep. de sua filha Antónia Nunes, de 13 anos (Proc. n.º 4588) – Disse que há dois anos, na casa de seu pai, em Lisboa, vieram jantar Grácia de Madeiros, com sua filha Beatriz Gomes, que é casada com seu irmão Manuel Nunes, ausente em Angola  e eram as oitavas da Páscoa e as duas, mãe e filha, não quiseram comer carne.

fls. 17 v img. 38 – 12-10-1595 – Dep. de sua mulher Maria Vaz – Há 15 anos em casa de sua mãe, Ana Gomes, já defunta, veio ali ter Constança Lopes, prima da mãe dela e tia de seu marido Tomás Nunes, o Réu, e, estando todos, praticaram sobre as coisas da Lei de Moisés. Ali o Réu declarou a sua crença na Lei de Moisés.

São repetidos aqui no processo vários depoimentos que já figuram no processo.

fls. 24 img. 51 – 1-9-1595 – Dep. de Maria Gomes(Proc. n.º 3725, de Coimbra), solteira, de 22 anos, filha de Simão Gomes e de Hilária Lopes ou Maria Lopes natural e moradora em Azurara – Há 4 anos veio visitá-la o réu, seu primo direito, e declararam-se por crentes na Lei de Moisés. Faz a mesma denúncia contra a mulher do Réu, Maria Vaz.

fls. 26 img. 55 – 1-9-1595 – Dep. de Mécia Vaz, solteira, de 26 anos, irmã da anterior  (Proc. n.º 3722, de Coimbra) – Denuncia Ana Gomes, sua tia paterna, a filha, Maria Vaz e o marido desta, o Réu.

fls. 31 img. 65 – 2-10-1595 - Traslado da ratificação dos testemunhos de Brites Álvares contra Tomás Nunes e sua mulher Maria Vaz.

Seguem-se os traslados das ratificações dos depoimentos das restantes testemunhas.

 

fls. 43 img. 89 – 16-7-1594 – Perguntas que se fizeram a Tomás Nunes, natural de Vila do Conde

Disse que fora preso na quinta-feira, dia 14-7-1594, pelos guardas de Belém, ele, sua mulher Maria Vaz, seus filhos Lopo Nunes, médico e Antónia Nunes e mais dois filhos pequenos, menores de 10 anos. Estava ele a viver em Vila do Conde, começaram as prisões do Santo Ofício. Prenderam Lopo Nunes Coutinho (Proc. n.º 2200, de Coimbra), casado com Leonor Lopes, ligado à sua família e depois familiares próximos dele, Baltasar Álvares e suas três filhas. Então ele, em face do pouco crédito que no Norte tinha a gente de nação, decidiu vir viver para Lisboa há quatro anos, tentando conseguir rendimentos para sustentar a sua numerosa família.  Seu filho Miguel Vaz estava preso no Limoeiro e foi depois desterrado para o Brasil, reside em Pernambuco. Seu filho Manuel Nunes emigrou para Angola. Como o rendimento que conseguia era inferior às suas despesas,  decidiu partir para a Flandres onde tem parentes: Manuel Henriques, primo do sogro dele declarante, Manuel Martins, sobrinho do mesmo Manuel Henriques e António Fernandes, mercador primo dele declarante, que vivem todos em Bruges. Deveria embarcar em S.ta Catarina.

Perguntado por que não pediu autorização para sair do Reino, disse que não a pedira por lhe parecer que não a iria alcançar; e que, se ofendeu o S.to Oficio, disso pede perdão.

fls. 47 img. 97 – 17-6-1595 – GENEALOGIA

Disse ter mais de 60 anos, ser natural de Barcelos e ter residência em Vila do Conde, de onde veio para Lisboa. Foi filho de Lopo Nunes e de Branca Lopes, já defuntos. Por parte de seu pai, não tem tios nem tias, tem dois primos chamados Lopo Nunes e Salvador Saraiva, moradores em Barcelos. Por parte de sua mãe, só tem duas tias, Maria Lopes, viúva que foi de Simão Gomes e Constança Lopes, casada com Baltasar Álvares, mercador, morador em Azurara.

Tem 3 irmãos: Fernão da Cruz, que morava em Lisboa e está agora no Brasil, Manuel Nunes., morador também no Brasil e Duarte Nunes, morador nas Índias de Castela, todos solteiros.

Tem 3 irmãs: Helena Lopes, viúva que ficou de Baltasar Carvalho, moradora em Vila do Conde, Guiomar Nunes, casada com Belchior Pereira, moradora em S. Gião de Paço – Braga e Graça Nunes, casada com Diogo Fernandes, mercador, moradores em Itália.

Ele declarante estudou Medicina em Coimbra e Salamanca e é casado com Maria Vaz de quem teve Miguel Vaz que é casado em Vila do Conde com Beatriz Teixeira e está no Brasil, Lopo Nunes, solteiro, de 33 anos, consigo residente, Pero Vaz, solteiro, de 27 anos, que foi para Itália há 5 ou 6 anos, Manuel Nunes, casado com Beatriz Gomes, o qual foi há um ano soldado para Angola, António, solteiro, de 17 anos, que está no Brasil há 3 anos, e João e André, que nenhum passa dos 10 anos. Tem ainda a filha Antónia Nunes, de 16 anos.

Foram presos pelo Santo Ofício Leonor Nunes, meia irmã de seu pai, e que é defunta, seus parentes Constança Lopes e Lopo Nunes Coutinho, já referidos.

fls. 49 v img. 102 – 4-7-1595 – Sessão in genere e in specie

Respondeu negativamente a todas as questões sobre a Lei de Moisés.

fls. 53 v img. 110 – 7-8-1595 – Admoestação antes do libelo. Libelo. Ouvida a leitura, disse o Réu que contestava tudo por negação. Foi-lhe dado como procurador o L.do Manuel Cabral.

fls. 56 img. 115 – 16-8-1595 – Aceitação da procuração. Estância com o procurador

fls. 57 img. 117 – Traslado do libelo devolvido pelo procurador.

fls. 59 img. 121 - Defesa

Diz que sempre foi bom cristão, fazendo obras de cristão, que é zeloso das coisas da religião, que pôs uma filha no convento de Vairão, onde faleceu (mas omitiu-a na Genealogia), que é bom médico e amigo dos pobres. Indicou testemunhas.

fls. 62 img. 127 – 25-10-1595 – Comissão da Inquisição de Coimbra ao L.do Pero Pereira de Vila do Conde, para ouvir as testemunhas.

fls. 63 img. 129 – 22-8-1595 – Comissão da Inquisição de Lisboa à Inquisição de Coimbra para ouvir as testemunhas.

fls. 66 img. 135 – 31-10-1595 – Audição de testemunhas em Vila do Conde

- D. Antónia de Vilhena, de 60 anos, freira professa – Disse que conhece há muitos anos o Réu e nunca entendeu nele nada contra a nossa Santa Fé Católica. Que ele conversava muito com pessoas religiosas, como também lhe disse Fr. António de S.to Estêvão. Sabe que o Réu fazia jejuns católicos e não fazia jejuns judaicos. Disse que o Réu era muito cuidadoso nas suas curas e muito bom médico.  Que ele teve uma filha em Vairão para se fazer freira, a qual morreu antes que professasse. Sabe também que ele era caridoso com os enfermos e curava de graça os que não podiam pagar.

- D. Ana da Cruz, Religiosa do Mosteiro de S.ta Clara, de 50 anos – Sempre teve o Réu por bom cristão e que ouvia missa e pregações nos dias de preceito.  Que falava e disputava com familiaridade com pessoas religiosas. Sabe que ele se encomendava a Deus com muita devoção. Que o Réu era muito bom médico. Que uma filha sua esteve no Mosteiro de S. Bento em Vairão mas morrera antes de professar. Que o Réu curava os pobres de graça.

- Inês de Almeida, freira professa do dito Mosteiro – Disse que o Réu sempre foi bom cristão. Que convivia com os Religiosos do Mosteiro. Parecia-lhe que o Réu curava bem os seus pacientes. Que o Réu era muito caridoso e curava os pobres de graça.

- Catarina Rodrigues, de 68 anos mais ou menos, moradora em Vila do Conde na casa do Licenciado Pedro Fernandes (Proc. n.º 3675, de Coimbra) casado com Isabel Vaz (Proc. n.º 8653, de Coimbra), ambos presos pela Inquisição – Disse ser prima da mulher do Réu. Disse que o Réu era bom cristão, ouvia missa e pregações nos dias de preceito. Tinha conversação com pessoas religiosas. Só o viu jejuar pela obrigação da Igreja e nunca lhe viu fazer jejuns judaicos. Sempre o viu comer as coisas que são vedadas aos judeus, como toucinho, carne de porco e sangue. Que o Réu  é bom médico. É verdade que meteu uma filha no Mosteiro de Vairão, a qual faleceu ainda menina. Que era muito caridoso com os doentes pobres.

fls. 75 img. 153 – 2-11-1595

- Padre Gaspar Pereira, Vigário da Igreja do Salvador de Nabais, termo de Barcelos, de 60 anos, mais ou menos – Disse que o Réu dava mostras de ser bom cristão, ouvindo missa e pregações. Que o Réu tinha familiaridade na conversação com pessoas religiosas. Que o Réu tinha fama de bom médico. Que nada sabe sobre os filhos dele ou que pôs uma filha no Convento do Vairão. Sabe que ele era caridoso para com os pobres.

- Padre Pedro Duarte, Vigário da Igreja da Pulha, de 69 anos – Disse que o Réu se comportava como um bom cristão e assistia à Missa e pregações nos dias de preceito. Não sabe se ele faz jejuns ou não, nem se guarda os sábados ou não. Que o Réu tem fama de ser bom médico e caridoso para com os pobres.

- Beatriz Martins, que há 20 anos foi criada do Réu durante cinco anos e cujo marido está ausente nas Índias de Castela, moradora em S. Martinho, termo da vila de Barcelos, de 40 anos – Disse que o Réu sempre se comportou como bom cristão enquanto conviveu com ele. Não sabe as pessoas com quem ele falava. Que o via jejuar nos dias de obrigação da Igreja. Que não guardava os sábados de trabalho. Que em casa dele se comiam as carnes e peixes vedados aos judeus.  Que o Réu tinha fama de bom médico e era caridoso para com os pobres. Que ele metera uma filha no Mosteiro de Vairão, que faleceu antes de professar.

- Gaspar da Costa, residente em Vila do Conde, na Rua do Outeiro, de 80 anos – Tem o Réu por bom cristão. Não sabe se ele fazia jejuns ou não, nem se guardava os sábados ou não. Sabe que o Réu tinha fama de bom médico. Não sabia que ele tinha posto uma filha no Mosteiro de Vairão. Que o Réu tinha fama de ser caridoso para com os pobres.

fls. 82 img. 167 – 9-10-1595 – Termo de admoestação antes da publicação da prova da justiça. Publicação. Ouvida a leitura, o Réu disse que era tudo falso.

fls. 85 v img. 173 – 12-10-1595 – Chamado o procurador L.do Manuel Cabral para estar com o Réu.

fls. 87 img. 177 – Traslado da publicação da prova da justiça

fls. 89 v img. 182 – O Promotor indica a data aproximada das culpas e diz que foram cometidas em Vila do Conde e ao redor da mesma vila.

fls. 90 img. 183 – Pelo seu procurador, o Réu declara que não lhe são suficientes para formar contraditas os dados fornecidos pelo Promotor: quer datas mais exactas, maior detalhe para os lugares e indicação das pessoas que estavam presentes (e que não forem testemunhas). O Promotor declara que não pode fornecer mais dados nos termos do Regimento.  O Réu agravou da decisão para a Conselho Geral.

fls. 90 v img. 184 – 17-10-1595 – Processo concluso. Os Inquisidores rejeitam o agravo: não é possível revelar mais elementos.

fls. 90 v img. 184 – 18-10-1595 – Notificado ao Réu o despacho da Mesa.

fls. 91 img. 185 – O Promotor resume as culpas assacadas ao Réu e depois expõe as “precauções” que tomou ao indicar-lhe o tempo e o lugar:

Não lhe dei declaração do lugar de Azurara por ser um lugar muito pequeno, e poder vir em conhecimento das testemunhas, nem lhe fiz declaração do mês de Maio ou Junho que diz Maria Vaz na sessão de Janeiro de 95, por o Réu ser letrado velho e sagaz, e os dois meses serem de jejuns judaicos, e assim parece haver perigo”.

fls. 92 img. 187 – Pelo seu procurador, o Réu agrava de novo para o Conselho Geral.

fls. 92 v img. 188 – 21-10-1595 - O Conselho Geral não defere a petição do Réu, mas manda que se lhe dêem os meses e os lugares que o Promotor “declara no fim de suas últimas razões”.

fls. 92 v img. 188 – 24-10-1595 – O réu reúne com o procurador, após a notificação do despacho do Conselho Geral.

Argui contraditas contra:

- criada de nome Catarina, de Currais, termo de Barcelos, que teve em casa;

- um homem, trabalhador em Lisboa, irmão da anterior:

- Baltasar Álvares, de Azurara, casado com uma tia dele Réu, que lhe tem grande ódio, por ser pobre e viver de esmolas;

- Constança Lopes, mulher do anterior, e as três filhas de ambos, cujos nomes não sabe.

fls. 94 img. 191 – 27-10-1595 – Nomeação de testemunhas às contraditas.

fls. 95 v img. 194 – Despacho recebendo apenas a contradita contra Constança Lopes.

fls. 96 img. 195 – 28-11-1595 – Comissão da Inquisição de Coimbra ao L.do Pedro Pereira, de Vila Nova da Maia, Bispado do Porto.

fls. 97 img. 197 – 20-11-1595 – Comissão da Inquisição de Lisboa à Inquisição de Coimbra.

fls. 98 img. 199 – 6-12-1595 – Audição das testemunhas

- Dinis Pinto, casado com Isabel Soares, prima segunda do Réu, Cavaleiro da Casa de El-Rei, de 65 anos, mais ou menos, morador em Vila do Conde – Disse que ouviu Baltasar Álvares queixar-se do Réu, mas não sabe que eles deixassem de falar.

- Catarina Pinta, solteira, de 36 anos, filha do anterior – Disse que ouviu Baltasar Álvares queixar-se de Maria Vaz, mulher de Tomás Nunes, mas acha que não deixaram de se falar.

- Ana Cordeira, irmã da anterior – depoimento igual ao anterior.

fls. 104 img. 211 – 7-11-1595 – Admoestação antes da publicação dos ditos das testemunhas. 2.ª publicação da prova da justiça que mais acresceu, calados os nomes, contra Tomás Nunes – são os testemunhos da filha Antónia Nunes e da mulher Maria Vaz. Ouvida a leitura, o Réu disse que era tudo falso e que queria estar com o procurador, que foi chamado para estar com o Réu a 15 de Novembro.

fls. 106 img. 215 – Traslado devolvido pelo procurador.

fls. 106 v img. 216 – Defesa. Diz que não tem contraditas com que vir, mas foi referindo as inimizades das criadas. Ao lado, o Inquisidor anotou: “Não se perguntem as criadas”.

fls. 108 img. 219 – 29-11-1595 - Admoestação antes da 3.ª publicação. 3.ª publicação da prova da justiça que mais acresceu, calados os nomes contra Tomás Nunes –São os testemunhos de Maria Gomes e de Mécia Vaz, acima referidos.  Ouvida a leitura, o Réu disse que queria estar com o seu procurador, o que aconteceu em 9-12-1595.

fls. 111 img. 225 – Traslado devolvido pelo procurador. Defesa. O Réu diz que não tem mais contraditas com que vir.

fls. 112 v img. 228 – 26-4-1596 – Processo concluso

fls. 113 img. 229 – Assento da Mesa

Ao cimo: “Thomás Nunes -. 26 de Abril de 1596

Foram vistos estes autos e prova da justiça contra o Réu Tomás Nunes que na Mesa foi ouvido e pareceu a todos os votos que estava convencido no crime de heresia pela prova da justiça em que concorre muito número de testemunhas e de muitas qualidades nelas, grandes parentescos, e que incorreu em excomunhão maior de direito e nas mais penas e que por estar negativo, pertinaz seja entregue à justiça secular e vá ao Conselho (…)”

Assistiram ao despacho deste processo pelo ordinário os Senhores Inquisidores e cada um deles por comissão que para isso têm dele.”

fls. 114 img. 231 – 22-8-1596 – Assento da Mesa do Conselho Geral

Foram vistos estes autos na mesa do Conselho Geral, estando presente o Ilustríssimo Sr. Bispo Inquisidor-Geral e assentou-se que é bem julgado pelos Inquisidores, Ordinário e deputados em relaxarem o Réu Tomás Nunes à justiça secular, confirmam sua sentença por seus fundamentos e mandam que se dê execução. Em Lisboa, 22 de Agosto de 1596”.

fls. 114 v img. 232 – 6-2-1597

Notificação ao Réu de que estava convencido e declarado por herege.

fls. 115 img. 233 – 13-2-1597 – Audiência no Conselho Geral

Confessa que creu que a verdadeira Lei para a salvação era a dos Judeus e não a dos cristãos. Foi cristão até aos 23 anos, mas aí começou a entrar em dúvidas. Surgiram-lhe as dúvidas em Salamanca. Veio depois para Barcelos e falou sobre os seus problemas religiosos com Simão Pereira, médico e António Gomes, ourives, já defuntos, que acabaram por o convencer a judaizar. Reconhece que estava errado e pede perdão.

Foi-lhe perguntado a quem é que comunicou a crença na Lei de Moisés. Escusou-se a responder, disse que o diria depois. Perguntado que cerimónias fazia, disse que nenhumas, já que os Judeus não são obrigados a fazê-las quando não estão em liberdade. Pediu uma Bíblia e seis folhas de papel, que lhe foram dados, assim como tinta e pena e óculos.

fls. 118 v img. 240 – Foram nomeados os Padres Francisco Pereira e Pedro Paulo Ferrer, qualificadores do Santo Ofício, para estarem com o Réu. Estes prestaram declarações depois das entrevistas.

19-2-1597 – Padre Francisco Pereira, da Companhia de Jesus, na Mesa do Conselho Geral – Esteve com o Réu cinco vezes em diversos dias. O Réu expôs as suas dificuldades em deixar a Lei dos Judeus. Ele explicou as Escrituras e o Réu umas vezes mostrava-se convencido, outras não. Acha que o Réu está muito afeiçoado à Lei de Moisés e não dá boa esperança. Disse que o Réu é muito versado no Testamento Velho, mas pouco sabe do Novo.

20-2-1597 – Padre Pedro Paulo Ferrer, da Companhia de Jesus, de 68 anos – Esteve 3 ou 4 vezes com o Réu em diversos dias. Disse que sempre achou o Réu duro em converter-se à fé de Cristo. Na última reunião não disse que se “reduzia” nem que não se “reduzia”.  Ele declarante, da sua redução tem dúvidas, posto que Deus é poderoso e que o poderá fazer.

fls. 121 img. 245 – 21-2-1597 – Audiência no Conselho Geral

Foi dito ao Réu que ele tinha confessado na Mesa que era Judeu há mais de quarenta anos, que estava apartado da Fé cristã, e se lhe perguntou se queria reduzir-se à fé católica. Dissera que tinha dificuldades, deu-se-lhe a Bíblia, papel e tinta e foi visitado várias vezes por religiosos doutos.  Respondeu o Réu que é velho e fraco, e o tempo foi mui breve para aplanar todas as dificuldades que ele tinha concebidas em 40 anos. Disse que “não tinha coisas novas que dizer e confessar acerca de sua redução, porque não está satisfeito das autoridades e razões que o moveram a crer na Lei de Moisés, ainda que em alguma maneira ficasse satisfeito de algumas delas; e que tomava a Deus por testemunha do desejo e zelo que ainda tinha de alcançar a verdade das coisas da santa Fé católica e dos receios grandes que ainda lhe ficavam de viver enganado crendo na Lei de Moisés; pelo que pedia aos ditos senhores que com o mesmo zelo e benignidade que haviam usado com ele até agora, ponderassem se era coisa justa dar-lhe mais dilação para se resolver, pois que a todo o tempo que quisessem, depois podiam fazer dele justiça conforme ao direito (…)”

Foi-lhe dito que, pelo modo que há tido e com que há procedido neste Santo Ofício se colige claramente  que ele nunca teve intento ou tem ao presente de se apartar ou deixar a Lei de Moisés e se reduzir à nossa santa Fé católica e Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, porque havendo quarenta anos que está na crença da Lei de Moisés como tem confessado e havendo dois anos e meio pouco mais ou menos que está preso neste S.to Ofício por culpas que contra ele há de judaísmo, nunca em todo o tempo tratou dos remédios de que agora trata senão quando os Inquisidores lhe disseram e notificaram como estava convencido na matéria do judaísmo  e declarado por Judeu (…) e declarou mais que antes de o prenderem desejou de confessar suas culpas a seus confessores para lhes darem delas remédio, mas entendeu que não poderia ser em segredo se não que o descobririam ao S.to Ofício; e que ele declarante tratou com Diogo Dias Ferreira, Vigário da Igreja de Vila do Conde, perguntando-lhe se se guardava segredo na Confissão sacramental, aos que confessavam crimes contra a Fé, o qual respondeu que não e que por isso deixou de buscar remédio pelas confissões sacramentais por temer que fosse descoberto no Santo Ofício (…)”

fls. 126 img. 255 – 21-2-1597 - Assento da Mesa

Foram vistos na mesa do santo Ofício estes autos e confissões que Tomás Nunes, médico cristão novo contido neles, fez, depois de lhe ser notificado que estava convicto do crime de Judaísmo, aos 21 dias do mês de fevereiro de 97. E pareceu a todos os votos, que se cumpra o Assento que nestes autos em final está tomado; e que o dito Réu seja entregue à Justiça secular como convicto e confesso no crime de Judaísmo, e impenitente e pertinaz. E que este processo seja levado ao Conselho Geral”.

fls. 126 v img. 256 – 21-2-1597 – Assento da Mesa do Conselho Gera

Foram vistos estes autos na mesa do Conselho, estando presente o Ilustríssimo Bispo Inquisidor Geral e assentou-se que é bem julgado pelos Inquisidores, Ordinário e deputados em relaxarem o Réu Tomás Nunes à Justiça secular, confirma sua sentença por seus fundamentos e mandam que se dê execução. Em Lisboa, 21 de fevereiro de 1597.”

fls. 126 v img. 256 – 21-2-1597 – O Réu é notificado de que está relaxado e posto de mãos atadas. Ficou com ele para o confessar o P.e Francisco de Araújo, da Companhia de Jesus.

fls. 127 img. 257 – 22-2-1597 – Às nove da noite, o Réu pediu Mesa. O Inquisidor foi ouvi-lo no cárcere. Disse que queria dar satisfação fazendo uma verdadeira confissão e que quer dizer das cerimónias judaicas e das pessoas que andam apartadas da fé católica. Ao lado, o Inquisidor anotou: “Boa satisfação deu! de mortos, presos e ausentes…” Denunciou seu primo de Barcelos, Simão Pereira, já defunto, o sogro do mesmo chamado António Gomes, também defunto. Depois, sua tia, Constança Lopes, e sua falecida sogra, Ana Gomes, duas filhas da Constança Lopes, cujos nomes lhe não lembram.  Denunciou mais seu cunhado Diogo Fernandes da Costa, casado com sua irmã Grácia Nunes, que foram para Itália. Também denunciou seu filho, Lopo Nunes, médico, e sua filha, Antónia Nunes, Grácia de Medeiros e filha Beatriz Gomes, sua nora, Maria Vaz, sua mulher, Ana Teixeira, mulher de Francisco Mendes, de Vila do Conde. Quer ser cristão e arrepende-se do passado.

fls. 130 v img. 264  23-2-1597 – Assento da Mesa do Conselho Geral

Foi vista na mês do Conselho, estando presente o Ilustríssimo Sr. Bispo Inquisidor-Geral, a confissão  que o Réu Tomás Nunes fez depois de ser notificado que estava entregue à justiça secular; e assentou-se que se cumprisse o assento do Conselho tomado em 21 de fevereiro, por que se manda seja relaxado à justiça secular. Em Lisboa, 23 de fevereiro de 1597”.

fls.131 img. 265 – Sentença.  Foi publicada no Auto da Fé que se realizou na Ribeira da cidade de Lisboa em 23 de Fevereiro de 1597.

fls. 135 img. 273 – Conta de custas: 5$209 réis

 

 

Lopo Nunes, médico

Proc. n.º 2179, da Inquisição de Lisboa

 

fls. 1 v img. 10 – 14-7-1594 - Porque foi encontrado pelos guardas de Belém, com seu pai, sua mãe, e sua irmã Antónia Nunes a fugir para ir para o estrangeiro, foi mandado “recolher no cárcere da S.ta Inquisição, até se saber se havia culpas contra eles (…)”

fls. 2 img 11 – 25-5-1597 – Foi entregue  ao alcaide dos cárceres oficialmente como preso.

CULPAS:

fls. 3 img. 13 – 26-9-1595 – Depoimento de sua prima Genebra Álvares, solteira, de Azurara– proc. n.º 6979, de Coimbra –

fls. 9 img. 25 – 21-10-1595 – Denunciação de Domingos Pereira (Pr. n.º 6939, de Lisboa) sobre as conversas de Lopo Nunes no cárcere. Disse este que ele, seus pais e sua irmã, iam a fugir num barco de um italiano porque não confiavam nos portugueses. Disse que não tinha culpas nenhumas e que, quando o soltassem, havia de ir para a Flandres ou para Itália.

fls. 11 img. 29 – 24-4-1597 – Depoimento de sua tia Isabel Vaz, de Vila do Conde – proc. n.º 8653, de Coimbra.

fls. 16 img. 39 – 3-2-1597 - Auto de apresentação de uns panos escritos que o Alcaide encontrou na mão do preso Lopo Nunes, em português, latim e castelhano.

OUTRAS CULPAS:

fls. 18 img. 47 – 22-2-1597 (véspera do auto da fé em que foi relaxado) – Depoimento de seu pai, Tomás Nunes – proc. n.º 1883, de Lisboa –

fls. 22 img. 55 – 18-8-1598 – Mestre Bento Teixeira, vindo do Brasil – Pr. n.º 5206 – Disse que, falando por uma fisga com Maria Cardosa, de Ponte de Lima, na cela do lado, ela lhe disse que estivera para casar com o Réu e que ambos se declararam crentes na Lei de Moisés.

fls. 23 v img. 58 – 20-8-1598 – Bento Teixeira disse ter estado na mesma cela de Lopo Nunes e que este lhe disse que eram parentes, por via da mãe dele, Bento Teixeira, chamada Leonor Rodrigues.  Disse-lhe Lopo Nunes que Adrião Álvares (Proc. n.º 12999, de Lisboa) lhe “dissera vindo do auto da fé onde saiu que Tomás Nunes pai dele, Lopo Nunes, padecera, e que sua  irmã Antónia Nunes saíra com hábito e lho tiraram logo no mesmo auto,  e que sua mãe saíra com hábito e confessara, e que uns parentes seus (que lhe nomeou) lhe mandaram dizer que confessasse suas culpas e que não quisesse vir ao estado de seu pai.”  Disse o Réu que não confessara e não havia de confessar,  mas “que bem sabia que seu pai, mãe e Antónia Nunes e Miguel Vaz que veio do Brasil, seus irmãos, eram judeus e judaizavam e que o dito seu pai o procurou fazer judeu com argumentos, autoridades e razões muito subtis, e sua mãe com mimos, e branduras, mas que nunca o puderam convencer, dizendo-lhe mais que estava preso sem culpa (…)”.

fls. 25 v img. 62 – 19-8-1598 – Bento Teixeira disse que os presos de que falou apenas os conheceu nestes cárceres e os contactou por meio do A,B,C e de palavra.

fls. 26 img. 63 – 19-12-1598 – Depoimento no tormento  de Maria Cardosa, de 17 anos, natural de Ponte de Lima e residente em Lisboa há anos e meio -  Proc. n.º 11892, de Lisboa – Foi ao tormento, saiu para falar, mandaram-na de volta ao tormento e então denunciou Lopo Nunes.

fls. 31 img. 73 – 9-3-1598 – Ratificação do depoimento de Domingos Pereira.

fls. 32 v img. 76 – 19-10-1598 – Ratificação dos testemunhos de Bento Teixeira.

fls. 33 v img. 78 – 18-1-1599 – Ratificação do depoimento de Maria Cardosa

fls. 37 img. 95 – 20-10-1597 – O Alcaide encontrou um papel escrito em grego que foi mandado para traduzir ao Padre Álvaro Lobo, prefeito dos estudos  de Santo Antão. Figura no processo o original escrito num pano e a tradução.

fls. 39 img. 91 – 18-7-1594 – 1.ª sessão com perguntas acerca do caminho que o Réu fazia.

Disse que foi preso na 5.ª feira passada, dia 14 de Julho. Diz que vive com seu pai em Lisboa há 6 ou 7 meses e que neste tempo, foi a Vila do Conde acabar de trazer o seu fato. Antes disso, viveu em Ponte de Lima, onde era médico. Disse que se meteram na fragata de um italiano que os levou a Belém e nela dormiram. De manhã saíram e foram caminhando para S. José. Sendo-lhe perguntado por que saíram da fragata, disse que não sabia. Disse que tinham roupas e mantimentos na fragata. Disse que ele estava decidido em voltar a viver em Vila do Conde.

Foi-lhe dito que ele está a encobrir a verdade de que se queriam ir para fora do Reino.

fls. 43 v img. 100 – 5-10-1595 – 2.ª sessão

Só admoestação. O Réu diz que não tem culpas. O Inquisidor usa o argumento de que a Inquisição não prende ninguém sem tem informação de culpas.

fls. 44 v img. 102 – 9-10-1595 – 3.ª sessão – GENEALOGIA

A linha paterna consta do quadro supra. Os  avós maternos foram Pero Vaz, médico em Vila do Conde e Ana Gomes e, os quais, além de sua mãe Maria Vaz, tiveram Isabel Vaz, que é casada com o L.do Pedro Fernandes, advogado em Vila do Conde.  Parece ter omitido outra tia materna chamada Leonor Gomes, viúva do L.do Gabriel Lopes, que tem pelo menos uma filha chamada Isabel Lopes.

fls. 47 img. 107 – 17-4-1597 – 4.ª sessão

Pediu audiência para dizer que há 3 ou 4 anos falava ele com seu pai, quando tinha sido preso pelo S.to Ofício seu tio afim Baltasar Álvares, ficando todos na família com medo que ele os denunciasse como judaizantes. Seu pai perguntou-lhe se não seria melhor saírem fora do Reino e ele confitente concordou e disse a seu pai que viesse a Lisboa procurar embarcação. Disse então praticamente que seu pai se declarou como judeu.

fls. 48 v img. 110 – 18-4-1597 – 5.ª sessão

Disse que há três aos, em Lisboa, em casa de seu pai, apareceu um parente de nome Henrique Rodrigues, de Barcelos e falando este com seu pai disse:  “Non declinabis ad dexteram neque ad sinistram” (Deuterónimo, passim).

Denunciou também que seu pai se absteve de comer queijo, por respeito da Lei de Moisés, numa ocasião, há 3 anos.

fls. 51 v img. 116 – 18-4-1597 – 6.ª sessão

fls. 54 img. 121 – 21-4-1597 – 7.ª sessão

fls. 56 img. 125 – 1-9-1597 – 8.ª sessão

fls. 56 v img. 126 – 2-9-1597 – 9.ª sessão

fls. 59 img. 131 – 9-9-1597 – 10.ª sessão in genere e in specie

O Réu fez muitas denúncias de pessoas que ao pé dele, se declararam crentes na Lei de Moisés, mas nunca se incluiu. Fê-lo com algum ar de gozo, o que enfureceu os Inquisidores. Denunciou o pai (já relaxado) e também a mãe e a irmã que tinham sido reconciliadas no mesmo auto da fé (se fosse no séc. XVIII, seriam de novo presas). Os Inquisidores viraram o caso contra ele e perguntaram por que é que ele não tinha denunciado o pai, quando ele ainda era vivo. Até aqui, nunca reconhecera crença na Lei de Moisés.

fls. 62 img. 137 – 11-9-1597 – 11.ª sessão sobre o escrito que o Réu adiante ofereceu

O escrito do Réu começa  “Derelinquerunt fontem aquae vivae, et foderunt sibi cisternas et puteos” (sic). (Jeremias, Profecias, Cap. 2.º, 13). No seu escrito e na sessão para que foi convocado, fala de um episódio à mesa com seu tio, Diogo Fernandes da Costa, casado com sua tia Grácia Nunes.

fls. 65 img. 143 – Escrito do Réu

fls. 65 v img. 144 – 12-9-1597 – 12.ª sessão  sobre as primeiras palavras deste escrito e sobre Francisco, italiano com cujo favor se queria embarcar.

Disse-lhe o Inquisidor que é costume dos cristãos pôr no início dos textos palavras do Novo Testamento e dos judeus pôr palavras do Testamento Velho, como ele fez. Que intenção tinha ele? Respondeu que aquelas palavras lhe pareceram adequadas, mas nem sabe de que profeta são.

Foi-lhe perguntado que palavras usou o italiano que lhes prometeu embarcá-los para a Flandres, não os descobrindo à Inquisição como cristãos novos.  Respondeu que fora seu pai a tratar de tudo e que ele seu pai lhe dissera que o italiano era constante em proteger os cristãos novos.  E que a bordo da fragata, dissera ele em italiano “Não são também os judeus criaturas de Deus?”.

fls. 68 img. 149 – 11-10-1597 -  13.ª sessão -

Perguntado quanto é que seu pai tinha dado ao italiano, disse que haviam sido 5 500 réis, por intermédio de Manuel de Medeiros (Pr. n.º 9974, de Lisboa, consequência desta denúncia). Para além disso, deram também 5 000 réis a um meirinho do mar chamado Tomé Nunes  por intermédio de um António Teixeira, casado com Maria Nunes.

fls. 71 img- 155 – 17-10-1597 – 14.ª sessão

fls. 72 v img. 158 – 31-10-1597 – 15.ª sessão

O Inquisidor volta a discutir o escrito do Réu. Este pede papel e tinta para se explicar.

fls. 74 v img. 162 – 6-11-1597 - 16.ª sessão

Sobre o papel escrito pelo Réu, que está a fls. 80 e v e onde denuncia duas pessoas.

Perguntaram-lhe depois sobre os panos escritos de fls. 16 e ss.. Disse que há um ano os escrevera por saber de cor as orações (Salmos) que neles estão escritos e os rezar. Perguntado quem lhe deu pena e tinta, disse que fizera a tinta da morrinha da candeia e a pena era de galinha e lhe fora dada por um guarda.  Observou o Inquisidor que ele escrevera os salmos sem Gloria Patri no fim, que os cristãos rezam depois de cada salmo. Ele respondeu que diz sempre o Gloria Patri no fim e que não os escreveu com tenção de judeu.

fls. 81 img. 175 – 22-11-1597 – Admoestação antes do libelo. Libelo. Muito ridiculamente, o libelo inclui a acusação de o Réu escrever os salmos sem Gloria Patri no fim… Lido o libelo, o Réu disse que era tudo falso.

fls. 84 img. 181 – 9-12-1597 – Aceitação da procuração para defender o Réu do L.do Manuel Cabral-

fls. 84 img. 182 – 17-12-1597 – Aceitação da mesma procuração pelo L.do Miguel Nuno.

fls. 86 img. 185 – Traslado do libelo devolvido pelo procurador.

fls. 86 v img. 186 – Defesa assinada pelo Réu e pelo L.do Manuel Cabral. Diz o procurador que o Réu não lhe dá argumentos para a defesa. Quer deduzir embargos contra o libelo, por estar  preso indevidamente, há 40 meses, algemado desde há 10 meses, um grilhão em cada pé (só de noite?). Como não dá elementos, o procurador não pode redigir a defesa mas vai dizendo que os embargos que ele quer deduzir são impertinentes.

O L.do Miguel Nuno dá outra informação nos mesmos termos.

fls. 87 v img. 188 – O Inquisidor despacha “havemos por lançado o Réu da sua defesa com que houvera de vir”-

fls. 88 img. 189 – Foi publicado (notificado) o despacho ao Réu que disse agravar para o Conselho Geral e daí para Roma.

O Promotor de Justiça pede que o agravo não seja recebido.

fls. 88 v img. 190 – 19-2-1598 –

O Inquisidor Manuel Álvares Tavares  despacha: “Vistos os termos deste processo, vá por diante sem embargo do agravo que interpôs Lopo Nunes, por ser de matéria não relevante e frívola. “

Foi notificado ao Réu na mesma data.

fls. 89 img. 191 – 14-4-1598 – Admoestação antes da publicação. Publicação dos ditos das testemunhas da Justiça contra Lopo Nunes.

São os testemunhos de Genebra Álvares, prima, Isabel Vaz, tia, Tomás Nunes, pai, Domingos Pereira, cristão-velho. Ouvida a leitura, disse que ele fora preso quando ia para fora do Reino sem autorização e que tudo o resto é falso.

fls. 91 img. 195 – 15-4-1598 – Chamado o procurador para organizar a defesa do Réu.

fls. 92 img. 197 – Traslado da prova da justiça devolvido pelo procurador.

fls. 92 v img. 198 – Defesa – Pelo Réu, diz o procurador que ele “não quer pôr contraditas a pessoa alguma, porquanto confia em sua inocência e que está muito quieto em sua consciência

fls. 93 img. 199 – 8-10-1598 – Sessão in specie

fls. 94 v img. 202 – 24-10-1598 – Admoestação antes da publicação de mais prova da justiça

fls. 96 img. 205 – É inacreditável esta “culpa”:

provará que o Réu disse em certa companhia de sua nação que as culpas que tinha não eram como as de certas pessoas, mas que eram por se emparelhar com o mesmo Cristo, e que por meio dele Réu havia Deus de obrar grandes maravilhas no povo de Israel, dando a entender que ele Réu era o Messias.  E assim disse mais que ele sabia que certas pessoas de sua nação, que nomeou por seus nomes, eram judias, e judaizavam, e que certa pessoa da mesma nação que também nomeou por seu nome, trabalhara por fazer a ele Réu, judeu, com muitas razões, autoridades e argumentos subtis, e que outra pessoa da mesma nação, que outrossim nomeou por seu nome, a procurara fazer também judeu com mimos e branduras, o que tudo o Réu nega, e sendo muito admoestado, não quer confessar por favorecer e encobrir as pessoas que sabe que andam erradas na fé, pelo que merece que se use com ele de todo o rigor.

O Réu disse que não fizera nada nem dissera nada do conteúdo na culpa.

fls. 96 v img.206 – 3-11-1598 – O Réu esteve com o seu procurador

fls. 97 img. 207 – Traslado. Defesa. Pelo Réu, o procurador nega tudo com frases latinas, certamente ditadas pelo Réu: “narrata prout narrantur, proposita prout proponentur”.

fls. 98 img. 209 – 10-11-1598 - Admoestação antes da publicação de mais prova da justiça. Publicação. É a denúncia de Bento Teixeira.

fls. 99 v img.212 – 11-11-1598 – O Réu esteve com o seu procurador que desta vez foi o L.do Miguel Nuno.

fls. 100 img. 213 – Traslado. Defesa. O Réu identificou a testemunha, Bento Teixeira, diz que é seu inimigo e conhecido por tal.

fls. 100 v img. 214 – 11-11-1599 – Sessão in specie

fls. 103 img. 219 – Publicação de mais prova da justiça. É a denúncia de Maria Cardosa.

fls. 104 img. 221 – 23-11-1599 – Aceitação de novo procurador, L.do Armão da Silveira

fls. 105 img. 223 – Traslado. O réu não vem com contraditas.

fls. 106 img. 225 – sem data - Despacho. Porque o Réu não veio com contraditas, tem-se por lançado delas, “façam-se estes autos conclusos em final”.

10-1-1600 – Processo concluso

fls. 107 img. 227 – 10-1-1600 – Assento da Mesa da Inquisição

Votaram em que o Réu devia ser relaxado à justiça secular, Manuel Álvares Tavares, Pedro de Olivença, Pedro Álvares de Freitas, Heitor Furtado de Mendonça e Francisco de Bragança. O Dr. António de Barros considerou que a prova não era suficiente para que o Réu fosse convicto no crime de heresia e propôs que ele fosse posto a tormento  como suspeito na fé e que lhe fossem dados todos os tractos que pudesse levar.

fls. 109 img. 231 – 15-3-1600 – Assento da Mesa do Conselho Geral

Foram vistos estes autos na mesa do Conselho Geral e assentou-se que o Réu Lopo Nunes, pelos grandes indícios que da prova da justiça contra ele resultam seja posto a tormento e lhe dêem os tractos que puder sofrer a arbítrio dos inquisidores e juízo do médico; e lhe será dado no potro; ao que, satisfeito, os Inquisidores verão este processo em Mesa e o despachem como for justiça, sem tornar ao Conselho, não sucedendo coisa de novo que obrigue a isso: Mandam que antes de se dar a execução a este assento, será posto o Réu só, na casa da vigia, onde será vigiado.”

A última parte do despacho não foi cumprida.

fls. 110 img. 233 – 16-3-1600 - Admoestação antes do tormento

fls. 111 img. 235 – Sentença do tormento

fls. 111 v img.236 – Na sala do tormento

“(…) já despojado dos seus vestidos e assentado no potro (…) lhe foram postos os cordelinhos nos pulsos e cotovelos dos braços, e lhe foi outrossim posto o cordel com que neles havia de ser atado e estando assim (…) logo o dito ministro lhe começou a dar voltas com o dito cordel ao redor das canas dos ditos braços, apertando-lhos e o Réu gritava dizendo hac da Majestade de Deus, hac da Majestade do Senhor e tendo-lhe já mais de meio atados os braços, disse que queria confessar suas culpas e que o desatassem, pelo que foi mandado sobrestar no tormento e saídos o ministro e mais oficiais para fora, disse (…)”

Confessou declarações em forma de crença na Lei de Moisés: há 10 anos, com seu pai e seu irmão Miguel Vaz;  há treze anos, com Diogo de Salazar, casado com Ana Nunes, de Ponte de Lima; com Miguel Vaz, seu pai e Diogo Gomes da Costa, do Porto; com seu pai e Henrique Rodrigues, de Barcelos; com sua mãe, Maria Vaz, Grácia de Medeiros, e Beatriz Gomes, filha desta e com sua irmã Antónia Nunes; há 12 anos, com Glória Lopes; há 12 anos, com sua avó Ana Gomes, Baltasar Álvares e mulher Constança Lopes; há 12 anos, com Pedro Vaz, seu irmão; há 12 ou 13 anos, com Jácome Fernandes e mulher Leonor Dias e António Fernandes, do Porto; há 6 anos, com Maria Nunes, em Ponte de Lima; há 7 anos, com seu irmão Manuel Nunes, em Vila do Conde.

fls. 122 v img. 256 – 22-3-1600 – Continuação da sessão do tormento

Porque “o tormento com que ele se começou na sessão passada se não acabara por falta de tempo (…) devia prosseguir neste dia o tormento até ele “satisfazer a informação da justiça”. Mas o Réu pediu ao Alcaide que o levasse à Mesa para confessar mais culpas que lhe haviam lembrado.

Denunciou seu tio Duarte Nunes, ausente nas Índias de Castela, Manuel Esteves, irmão da Avó, já defunto, Isabel Lopes, de Ponte de Lima, sua segunda prima, Diogo da Costa, Manuel Lopes da Costa,  “e por dizer que de mais não é lembrado, foi chamado o ministro (…) e logo foi despojado o dito Réu de seus vestidos, e lançado sobre o potro lhe foram postos os cordéis com os garrotes nas seis partes costumadas, nas coxas e canelas das pernas e buchos dos braços ( e não lhe foram postos cordéis nos pulsos dos braços nem lhe foram atados os braços um com outro por diante, porquanto já essa diligência de apertado nas canas dos braços que é a que se costuma fazer antes de ser lançado no potro, ficou já feita neste Réu na sessão próxima passada, como nela se declara) e sendo assim postos os ditos seus cordéis  com os garrotes foi admoestado acabasse de confessar suas culpas e dissesse somente a verdade não pondo testemunho falso sobre si nem sobre outrem porque se as confessasse teria misericórdia e não iria o tormento por diante e por dizer que não tinha mais que confessar lhe foi dada uma volta inteira em cada uma das ditas seis partes com os ditos garrotes e cordéis, e indo-se-lhe dando, gritava o Réu dizendo hac da Majestade de Deus, e sendo-lhe dada, foi tornado a admoestar que acabasse de confessar suas culpas e não dissesse senão a verdade, e por não querer mais confessar, lhe foi dada segunda volta inteira em cada uma das ditas seis partes e foi tornado a admoestar  que, se acabasse de confessar teria misericórdia e não iria o tormento por diante e por dizer que queria confessar do que mais se lembrava, saíram para fora o ministro e mais oficiais e disse(…)

Denunciou então Gemes Lopes, primo de seu pai, seus tios Baltasar Álvares e esposa Constança Lopes, Bento de Osório e duas irmãs solteiras cujos nomes não sabe, Bárbara Henriques e sua mãe,  Violante Henriques e a mulher de Manuel de Medeiros, Diogo Vaz Pimentel, Beatriz Lopes, sua tia, Helena Lopes, Isabel Vaz, Guiomar Nunes, Isabel Nunes, Jorge Esteves, Salvador Saraiva, Catarina Gomes, Cristóvão Álvares, Catarina de Ataíde, Duarte Fernandes, Francisco Lopes e outros “(…) e por mais não dizer, mandando-se ir por diante com o tormento, deu ao Réu um acidente antes de se lhe ir mais por diante com o tormento, com o qual acidente, ficou o Réu descorado do rosto e lançando os olhos em alvo algumas vezes e sem falar palavra nenhuma e sem dar mostra de ouvir o que lhe falavam, nem de sentir um côrrego de água que lhe davam no corpo, com o qual acidente esteve assim por um pouco de espaço, pelo que disse o cirurgião desta Inquisição Pedro Gomes que presente estava, e a todo o tormento do Réu presente se achou, que, enquanto o dito acidente durava ao Réu, não se lhe podia continuar por diante o tormento, que se o dito acidente não sobreviera, ainda poderia levar, porque com o dito acidente melhorava, o dito Réu não sentir nada do que se lhe fazia, e que lhe poderia sobrevir algum perigo com o dito acidente, se não o desatassem logo, pelo que o dito Senhor Deputado o mandou logo desatar e declarou o dito cirurgião Pedro Gomes que se o dito acidente não sobreviera ao dito Réu, ainda ele estava em estado e força para no dito potro lhe ser dado um tracto experto e mais meia volta em cada um dos buchos dos braços e mais tormento da água com o véu na boca, (…) E foi o Réu desatado e levado a seu cárcere para ser curado e depois de desatado, mostrou estar em seu acordo e pediu alguma coisa de consolação e logo lhe deram uma talhada de marmelada, que toda comeu e um pouco de vinho que todo bebeu e que protestava de tudo o mais que lhe lembrasse, e que assinasse eu notário por ele, porquanto não podia assinar (…)”

fls. 133 img. 278 – 22-3-1600 – Ratificação ad bonum

fls. 134 img. 279 – 6-4-1600 – Ratificação

fls. 137 img. 285 – 24-3-1600 – Assento da Mesa da Inquisição

Foram vistos 2.ª vez na mesa do Santo Ofício aos 24 dias do mês de março de 1600 anos estes autos (…) e a confissão que o dito Réu fez no tormento que lhe foi dado conforme ao despacho atrás. E pareceu à maior parte dos votos que visto o que o Réu confessou de si no dito tormento e de outras pessoas e o tormento que levou até vir a ter o acidente, e o tendo na sessão do tormento, e outras considerações, que o dito tormento se não torne a continuar e que o dito Réu não seja mais posto a tormento  por razão do dito despacho atrás escrito.

fls. 138 img. 287 – 3-4-1600 – Admoestação

fls. 138 v img. 288 – 14-4-1600 – Sessão da crença

fls. 140 img. 291 – 20-4-1600 – Admoestação

fls. 142 img. 295 – Novo libelo

fls. 143 img. 297 – Estância com o procurador L.do Miguel Nuno

fls. 144 img. 299 – Traslado do libelo

fls. 144 v img. 300 – Defesa. Diz o procurador pelo Réu que este já confessou todas as culpas.

fls. 145 v img. 302 – 28-4-1600 – Admoestação

fls. 147 img. 305 – 4-5-1600 – Processo concluso

fls.148 img. 307 – 4-5-1600 – Assento da Mesa da Inquisição

“(…) E pareceu a todos os votos que, visto como o dito Réu não dá autor provável do seu Judaísmo nem diz que se declarou na crença da Lei de Moisés com seu pai Tomás Nunes, tendo crença na Lei de Moisés e dizendo-lhe seu pai que tivesse a dita crença, nem diz de Genebra Álvares, sua tia, nem de Maria Cardoso, testemunhas da Justiça e outras considerações que se tiveram, antes de outra coisa, o dito Réu seja posto a tormento e à maior parte dos votos pareceu que tenha um tracto experto na polé se o puder levar, ao que, satisfeito, se torne a ver este processo nesta mesa para se despachar em final (…)”

fls. 149 img. 309 – 12-5-1600 – Mais confissões do Réu

fls. 151 img. 313 – 16-5-1600 – Admoestação antes da sentença do tormento

fls. 152 img. 315 – Sentença do tormento

Iniciou mais uma confissão.

fls. 154 v img. 320 – 19-5-1600 – Admoestação. Mais confissão. A seguir, foi lida a sentença do tormento.

E “perguntado se queria confessar suas culpas, respondeu que não era de mais lembrado e que requeria ao dito senhor mandasse ver que estava com febre e não estava para poder levar tormento por ter um braço muito doente e seco e o dito senhor mandou a Pero Gomes cirurgião desta Inquisição que o visse sob cargo do juramento  recebido e dissesse o que lhe parecia se o dito Lopo Nunes estava para poder levar tormento;  e ele dito Pero Gomes o viu, estando já na casa do tormento; e disse que pelo juramento dos Santos Evangelhos que tinha recebido, o Réu Lopo Nunes não estava para poder levar tormento porque tinha febre e estava muito consumido e o braço esquerdo quase aleijado por haver levado muito tormento e que tinha passado grandes doenças e que portanto não estava para levar tormento (…)

fls. 157 v img. 326 – 24-5-1600 – Ratificação ad bonum

fls. 159 img. 329 – 24-5-1600 – Assento da Mesa da Inquisição

E pareceu a todos os votos como o Réu não tem satisfeito aos indícios por que foi mandado pôr a tormento no assento atrás, que pelo mesmos indícios o dito Réu seja posto a tormento e à maior parte dos votos pareceu que se cumpra o dito despacho feito em 4 deste mês de maio e que tenha um tracto experto na polé, podendo-o levar, e não estando o Réu para levar o dito tormento na polé o leve no potro tanto quanto responda ao da polé, ao que satisfeito se torne a ver este processo nesta Mesa para se despachar em final. “

fls. 160 img. 331 – 30-5-1600 – Admoestação antes do tormento. Lida de novo  a sentença do tormento.  Sessão do tormento.

“(…) foi deitado no potro, porquanto o cirurgião desta Inquisição Pero Gomes que presente estava disse sendo perguntado que pelo juramento do seu ofício não podia o Réu ser atormentado nos braços nem dar-se-lhe tormento de polé por os ditos braços estarem fracos, lesos e inchados de humor que a eles lhe acudiu e cortados do tormento que neles já se lhe tinha dado, e que no potro se lhe podia dar o que correspondesse à polé. E, estando no dito potro, lhe foram postos os cordéis em seis partes – nas quatro das pernas e nas duas dos braços e estando assim, (…) e logo lhe foi dada uma volta com os garrotes e cordéis em todas as quatro partes das pernas – por baixo e por cima dos joelhos, nas canelas e nas coxas delas e sendo-lhe dada, foi admoestado e por não querer confessar nada e dizer o dito cirurgião que se lhe podia dar outra volta da sobredita maneira para ficar o tormento correspondente e equivalente ao tracto experto que se lhe poderia dar na polé, se não tivera doentes os braços, lhe foi dada a segunda volta com os garrotes e cordéis em todas as ditas quatro partes das pernas somente e, sendo-lhe dada, foi admoestado que acabasse de confessar a verdade e por não querer dizer nada, gritando sempre enquanto se lhe deu o dito tormento, e estar satisfeito ao Assento, foi mandado desatar o Réu e levado a seu cárcere para ser curado (…)

fls. 162 img. 335 – 5-6-1600 – Processo concluso

fls. 163 img. 337 – 5-6-1600 – Assento da Mesa da Inquisição

Foram vistos pela 5.ª vez na Mesa do S.to Ofício (…) estes autos e confissões  de Lopo Nunes, cristão novo, médico, contido neles, depois de ultimamente ir ao tormento e pareceu a todos os votos que, visto o que o Réu tem purgado no dito tormento, e confessar seu Judaísmo, assentado na crença dele, dizendo bem de si e de outras pessoas e outras considerações, e o tempo em que fez sua confissão, que o dito Réu seja recebido à reconciliação e união da santa madre Igreja com cárcere e hábito perpétuo (…)”

fls. 164 img. 339 – 9-8-1600 – Ratificação dos testemunhos do Réu

fls. 166 img. 343 – Sentença – Foi publicada no Auto da Fé que se celebrou na Ribeira da cidade de Lisboa no dia 3 de Setembro de 1600.

fls. 168 img. 347 – Abjuração em forma

fls. 169 img. 349 – Termo de segredo

fls. 170 img. 351 – Conta de custas: 5$163 réis.

fls. 171 img. 353 – 7-11-1600 – Termo de ida e penitências. Tem de tomar casa para morar no Bairro de S.ta Marinha da cidade de Lisboa, onde terá que morar até acabar sua penitência.

fls.173 img. 357 – No dia 16-6-1603, um porteiro do Conselho Geral encontrou o Réu na rua sem hábito penitencial e foi entregá-lo na prisão do Limoeiro. Para além disso, acrescentou que o Réu não vivia no Bairro de S.ta Marinha, como lhe tinha sido mandado.

O próprio Réu escreveu à Inquisição pedindo para o irem libertar.

fls. 171 v img. 354 – 20-6-1603 - O Inquisidor mandou buscar o Réu ao Limoeiro e chamou-o à sua presença para o repreender.

fls. 174 img. 359 –- 18-7-1602 – Um J. da Mota Pessoa diz ter sido amigo de Lopo Nunes em Ponte de Lima, Diz que este o procurou falando de coisas estranhas, Réus, penitenciados, frades, inocentes, não se entende.

fls. 177 img. 365 – 1-12-1603 – Jorge da Costa diz que Lopo Nunes se foi embora da cidade depois do auto, não sabe para onde nem se foi por mar, ou por terra.

 

GENEALOGIA

 

Duarte Mendes casou com Mor Rodrigues e tiveram:

1-Luis Mendes, ourives em Moura (Pr. n.º 10687, de Évora), que casou com Beatriz Vaz

2-João Mendes, o “Gato”, rendeiro em Serpa (não aparece o processo), casado com Catarina Álvares (Pr. n.º 9535, de Évora), que tiveram:

                                        Beatriz Vaz (Pr. n.º 167, de Évora), casada com João Gonçalves, tendeiro

                                        Mor Rodrigues (não aparece o processo), casada com Baltasar Gonçalves (Proc. n.º 7356, de Évora)

                                        Diogo Rodrigues (Pr. n.º 10615, de Évora), solteiro

                                        Luis Mendes (Proc. n.º 10984, de Évora), solteiro

3- Manuel Mendes, ausente

4-Beatriz Mendes (Proc. n.º 4233, de Évora, RELAXADA), viúva de Lourenço Henriques

5- Leonor Mendes, que casou com Manuel Lopes e tiveram

                                          Baltasar Lopes, casado em Serpa

                                          Duarte Mendes, solteiro, vive em Roma

                                          Maria Lopes (Pr. n.º 11874, de Lisboa)  que casou com Mestre Diogo  (Pr. n.º 60, de Lisboa, RELAXADO), de 50 anos e tiveram

                                                                     Constança Dias (Pr. n.º 11573, de Évora), casada com Álvaro Fernandes, em Serpa

                                                                     Leonor Mendes (Pr. n.º 12335, de Lisboa), casada com Antão Reves, lavrador em Serpa

                                                                     Duarte, de 14 anos

                                                                     Manuel, de 8 ou 9 anos

                                                                     Maria, de 7 anos

                                                                     António, de 6 anos

 

 

Processo n.º 60, da Inquisição de Lisboa, de Mestre Diogo, cirurgião, natural de Serpa e morador em Lisboa

 

 

fls. 5 img. 9 – 17-7-1595 – Mandado de prisão contra o Réu e sua mulher Maria Lopes (pr. n.º 11874)

fls. 6 img. 11 – 17-7-1595 – Mandado recolher nas Escolas Gerais, deu entrada nos cárceres do S.to Ofício em 19-7-1595

fls 7 img. 13 – 18-7-1595 – Denunciação de Francisco Dias, cristão novo, de 48 anos, primo segundo do Réu.

Disse que tem comunicação com o Réu há dez anos e negócios, de quando ele denunciante vivia em Alcácer. Há 5 ou 6 meses, quando Mestre Diogo veio de Serpa para Lisboa, teve ele denunciante uma conversa com ele e com sua mulher e estes queixaram-se de recear que seus parentes de Serpa os fossem acusar ao Santo Ofício de Évora, por terem tido brigas com eles.  Mestre Diogo estava tão apavorado que lhe pediu que lhe arranjasse uma embarcação para ir para a Flandres.

O denunciante prometeu arranjar a embarcação, mas em vez disso, veio denunciá-lo à Inquisição, que o prendeu.

CULPAS

fls.10 img. 19 – 17-11-1592 – Depoimento de Duarte Rodrigues, rendeiro, de Serpa – não aparece o processo -  Há dois anos, em casa de Mestre Diogo, com um grupo de pessoas, começou ele a praticar na Lei de Moisés, dizendo que não cria em Cristo nem nas coisas da Igreja.

fls. 11 img. 21 – 9-5-1594 – Dep. de João Mendes, o “Gato”, tendeiro de Serpa, de 62 anos  – não aparece o processo, de Évora– há seis anos, indo para as vinhas de Serpa com Mestre Diogo, casado com uma sua sobrinha, Maria Lopes, filha de sua irmã Leonor Mendes, defunta.

fls. 13 img. 25 – 23-8-1594 – Dep. de Luis Mendes, solteiro, de 25 anos, filho do anterior – Proc. n.º 10984, de Évora – Há cinco anos em casa de seu pai, com Mestre Diogo e também  outros, seu cunhado Baltasar Gonçalves (Proc. n.º 7356, de Évora) casado com sua irmã Mor Rodrigues.

fls. 14 v img. 28 – 13-9-1595 – Dep. de Maria Lopes, mulher de João Gomes, sapateiro, de Serpa – Proc. n.º 9317, de Évora – Há 10 anos, na vila de Serpa, em casa de Mestre Diogo, com ele e sua mulher.

fls. 15 v img. 30 – 2-10-1595 – Dep. de Luis Mendes, ourives, de Moura – Proc. n.º 10687, de Évora – Há 5 ou 6 anos, foi ele com seus irmãos João Mendes e Manuel Mendes a casa de Mestre Diogo, casado com Maria Lopes, sua sobrinha, filha de Leonor Mendes, falecida e todos juntos…

fls. 17 img. 33 – 20-7-1595 – Dep. de Maria Lopes, mulher do Réu – Proc. n.º 11874, de Lisboa – Há 15 anos em sua casa.

fls. 18 img. 35 – 2-1-1595 – Dep. de Gregório Lopes, da Granja, termo de Lisboa – Proc. n.º 2017, de Lisboa – Há 5 ou 6 anos, na feira de Vera Cruz, junto de Portel.

fls. 20 img. 39 – 10-11-1595 – Dep. de Duarte Rodrigues, de Serpa, de 21 anos – Proc. n.º 8075, de Évora – Há 5 ou 6 anos, em sua casa, em Lisboa.

fls. 23 img. 45 – 25-1-1597 – Ratificação da denúncia de Francisco Dias

fls. 25 img. 49 – Traslado da ratificação do testemunho de Duarte Rodrigues, feita em 19-10-1593

fls. 26 img. 51 - Traslado da ratificação do testemunho de João Mendes o “Gato”, feita em 17-5-1594

fls. 27 img. 53 - Traslado da ratificação do testemunho de Luis Mendes, feita em 16-6-1595.

fls. 28 img. 55 - Traslado da ratificação do testemunho de Maria Lopes, mulher de João Gomes (Proc. n.º 7625, de Évora - RELAXADO), de Serpa, feita em 14-11-1595.

fls. 29 v img. 58 - Traslado da ratificação do testemunho de Luis Mendes, ourives, de;Moura, feita em 6-10-1595

fls. 33 img. 65 – 20-7-1595 - Confissão do Réu

Mestre Diogo, de 50 anos, pediu audiência para confessar. Denunciou João Mendes, o “Gato”, casado com Catarina Álvares, tio de sua mulher; a ele confitente durou-lhe a crença na Lei de Moisés até um mês atrás.

fls. 34 img. 67 – 26-9-1595 – Confissão – 2.ª sessão

Denunciou o mesmo João Mendes e sua mulher e seus filhos, Diogo Rodrigues, de que não sabe a idade, mas já tem barba, Duarte Mendes, casado não sabe com quem em Ayamonte, e lhe parece que está preso em Évora, Luis Mendes, também já com barba e está preso em Évora. Depois, Tomé Lopes, médico, casado com uma prima direita de sua mulher e Duarte Rodrigues, o “Bacalhau”, homem pobre preso em Évora.

fls. 36 img. 71 – 3-10-1595 – 3.ª sessão

Denunciou as filhas de João Mendes o “Gato”, Mor Rodrigues (não aparece o processo), casada com Baltasar Gonçalves, e outra de que não sabe o nome (é Beatriz Vaz), casada com um irmão do mesmo Baltasar chamado João.

fls. 37 v img. 74 – 18-10-1595 – 4.ª sessão

Denuncia sua mulher Maria Lopes.

fls. 38 v img. 76 – 31-10-1595 – 5. ª sessão

Pediu Mesa para dizer que, quando fala em filhos, são os de João Mendes e não os seus próprios filhos, que não são praticantes da Lei de Moisés. Tem seis filhos: o mais velho é Duarte, de 15 anos e está fora de casa, é pajem do Arcediago Pero de Brito, no Porto, e Manuel e António, de 10 e 6 anos respectivamente. Não referiu as suas filhas.

fls. 40 img. 79 – 7-11-1595 – Ratificação do réu.

fls. 42 img. 83 – 16-3-1596 –

O Inquisidor Bartolomeu da Fonseca chamou o Réu para esclarecer pontos obscuros do depoimento do Réu. Perguntou que idade terá Beatriz Vaz e o Réu disse que uns 20 anos. Perguntou o Inquisidor como é que ele queria que ela se confessasse confitente da Lei de Moisés em declaração feita 14 anos atrás. O Réu reconheceu que se deveria ter enganado na data, poderia ter sido há 4 ou 5 anos.

fls. 43 v img. 86 – 25-5-1596 –

O Réu pediu Mesa para fazer mais denúncias. Denunciou Manuel Jorge, sapateiro, Lourenço Henriques, alfaiate e Estêvão Cavaleiro (Proc. n.º 6990, de Évora, RELAXADO), também alfaiate, todos de Serpa. Disse que sua mulher Maria Lopes lhe disse dois anos atrás que se havia declarado como crente na Lei de Moisés, com Catarina Lopes, mulher de Duarte Rodrigues, com Maria Lopes, mulher de João Gomes, e com Baltasar Gonçalves e sua mulher Mor Rodrigues.

fls. 44 v img. 88 – 24-9-1596

O Inquisidor mandou chamar os Padre Manuel Correia e António Rebelo, da Companhia de Jesus e mandou-os falar com Mestre Diogo para aferirem de sua capacidade mental.  Depois de falarem com o preso no cárcere, disseram os ditos Padres que o Réu estava em seu perfeito juízo, e que lhes dissera que havia dois dias é que estava totalmente alienado do juízo, pois viera à Mesa dizendo que negava tudo o que confessara até ali. Agora que está em seu juízo perfeito ratifica tudo o que havia dito, salvo o que toca a seus filhos com quem nunca comunicou as coisas da religião.

fls. 46 img. 91 – 4-11-1596 – Acerca da inconstância do Réu

O Notário anota que o preso é muito inconstante, ora diz que revoga tudo, ora que ratifica tudo o que disse na Mesa.

fls. 46 v img. 92 – 4-11-1596

Pediu audiência para revogar todas as suas confissões: nunca foi judeu e sempre foi bom cristão. Acusara o João Mendes e família porque deste recebera uma carta a dizer que o tinha acusado ma Inquisição falsamente. Diz-lhe o Inquisidor que ele tomou mau conselho do diabo! Passou ele então a dizer de novo que as suas confissões são verdadeiras!...Mas logo a seguir, voltou a dizer que era tudo falso!...

GENEALOGIA

Disse ser natural de Beringel e morador em Lisboa aos Moinhos de Vento na freguesia de S.ta Catarina do Monte Sinai. Tem 50 anos. Não conheceu nem sabe o nome dos avós. Seus pais foram Duarte Nunes e Constança Dias, já defuntos e não teve tios, nem irmãos nem parentes, porque todos morreram no tempo da peste. É casado com Maria Lopes, de quem tem: Leonor Mendes (Proc. n.º 12335, de Lisboa)  casada com Antão Reves, lavrador, morador em Serpa; Constança Dias (Proc. n.º 11573, de Évora), casada com Álvaro Fernandes, lavrador; Maria, de 7 ou 8 anos; Duarte, de 14 anos; Manuel, de 8 ou 9 anos e António, de 6 anos.  Saiu de casa aos 14 anos, para ir estudar gramática em Évora e daí veio para o Hospital de Lisboa estudar cirurgia quatro anos com o Dr. João Dias e daí voltou para Serpa, onde ficou até vir para Lisboa há dois anos.

fls. 49 v img. 98 – 3-1-1597

Assenta de novo nas suas confissões e pede que fiquem sem efeito as revogações que fez.

fls. 50 img. 99 – 4-1-1597

Disse o Réu que as revogações as tinha feito por tentação do demónio. Ratifica de novo as suas confissões.  Denuncia mais uma vez sua mulher, Maria Lopes.

fls. 51 v img.102 – 8-1-1597 – Sessão da crença

fls. 53 v img. 106 – 10-1-1597 –

O Réu confessa que as suas revogações lhe foram sugeridas por companheiros do cárcere, nomeadamente um Jorge Nunes, que trocava bilhetes com outros presos. Dizia ele ao Réu que poderia ser livrado por louco.

fls. 57 v img. 114 – 11-1-1597 – Sessão in specie acerca das diminuições

Negou que tivesse pedido a alguém que lhe arranjasse embarcação para ir para Flandres.  Perguntaram-lhe se conhecia o retalho de sarja escrito que se encontra no processo; respondeu que lhe fora dado por Jorge Nunes, mas não sabe o que lá está escrito.

fls. 60 v img. 120 – 27-1-1597 – Admoestação antes do libelo. Libelo. Embora ele confessasse as suas culpas, foi-lhe atribuído como procurador o L.do Manuel Cabral, que esteve com o Réu na mesma data.

fls. 65 img. 129 – Traslado

fls. 65 v img. 130 – Defesa. Pelo seu procurador pede misericórdia e diz que não se recorda de mais culpas que as que confessou. Diz que se revogou por não andar bem do juízo, mas que logo se arrependeu de o fazer.

fls. 66 img. 131 – 28-1-1597 

Pediu mesa para dizer que um ano atrás, estava no cárcere com Jerónimo Vaz, sapateiro e com Manuel Pereira, alfaiate. Este último fez um fato para um mulatinho do Alcaide e depois fez uns versos sobre o assunto e que deste modo, queria aquele preso comprar os favores do Alcaide.

fls. 67 v img. 134 – 29-1-1597 –

Disse o Réu que queria revogar todas as suas confissões porque fora sempre bom cristão. Disse que são seus companheiros de cárcere, Manuel Pereira, de quem tem dito e Brás de Vilhena, com João Rodrigues, de Évora, e Manuel Dias, de Abrantes e dizem-lhe, sem ser por palavras, que ele há-de ser queimado. Ele Réu pede mais tempo para reflectir.

fls. 68 img. 135 – 30-1-1597 

Disse o Réu que assentou em revogar todas as suas confissões e que sempre foi bom cristão.

fls. 69 v img. 138 – 3-2-1597

O Réu torna a assentar em suas confissões e diz que tinham sido os seus companheiros de cárcere a induzi-lo a revogar-se. É de juízo perfeito que ratifica as suas confissões.

fls. 71 img. 141 – 7-2-1597 – Ratificação coram relligiosis

Ratifica as suas confissões na presença de dois frades.

fls. 72 img. 143 – 8-2-1597 – Admoestação antes da publicação da prova da justiça. Publicação da prova da justiça. Ouvida a leitura, disse o Réu que não se lembra de mais nada.

fls. 74 img. 147 – 12-2-1597 – Estância com o Procurador

fls. 75 img. 149 – Traslado devolvido pelo procurador.

fls. 76 img. 151 – Defesa. Pelo seu procurador, diz que não tem contraditas com que vir, reporta-se à confissão que fez na Mesa e pede que se use com ele de misericórdia.

fls. 76 img. 151 – 20-2-1597 

O Réu pediu Mesa para denunciar sua mulher e sua filha Constança Dias e diz que comunicou também a crença a seus filhos. à margem o Inquisidor anotou: “non tinha dito deles, somente de sua mulher e nesta parece que quer confirmar que anda leso no entendimento”.

fls. 78 img. 155 – 20-2-1597 – Assento da Mesa da Inquisição

Foram vistos estes autos e confissões em Mesa onde o Réu mestre Diogo foi ouvido e pareceu a todos os votos que está convencido no crime de heresia por sua confissão em que ultimamente assentou e por a prova da justiça e que incorreu em todas as penas de direito e quanto a seu recebimento pareceu que as diminuições que tem notáveis e se devem haver por tais são suas inconstâncias de suas confissões e denunciações do que disse de alguns cúmplices e que andou muitas vezes variando, e que do que disse de Maria Lopes, mulher de João Gomes, Luis Mendes, Gregório Lopes, Duarte Rodrigues  e dos cúmplices que lhe dão, item, multiplicou muitas vezes suas revogações do que tinha confessado; e pareceu ao Dr. Pedro de Olivença, Bispo de Targa, Dr. António Barros, Diogo Vaz Pereira que se não devia despachar nem ir neste auto da fé e que ficasse reservado para ver se dá mais sinais de sua conversão e tome mais assento em suas confissões, no que diz de si e de cúmplices e satisfaça as ditas diminuições, e se fazer mais diligência com ele; e pareceu aos Inquisidores que o Réu devia ser despachado e que se pode passar por as ditas diminuições, por non lhe serem nada as testemunhas, e cúmplices de que deixa de se dizer e dizer de sua mulher e uma tia e doutras pessoas e assentar ultimamente no que tem dito e confessado, dizendo em suas ratificações que estava em seu perfeito juízo e non haver nenhum proveito em ficar reservado no cárcere e ser já muito debilitada no que se pode esperar dele de algumas outras pessoas e que seja recebida a misericórdia e vá ao auto da fé e ali faça abjuração e tenha cárcere e hábito perpétuo sem remissão, e que vá ao Conselho pela discordância dos votos. “

fls. 78 v img. 156 – 21-2-1597 -

O Réu pediu audiência (naquele tempo ainda se não dizia “pediu mesa”). Disse que queria revogar todas as suas confissões, porque tudo disse com falsidade. Daí a pouco disse que assentou em se revogar.

fls. 79 v img. 158 – 21-2-1597 –

Chamado o Réu e admoestado, disse que de manhã se tinha revogado do que tinha dito de seus filhos, incluindo Constança Dias, com quem nunca se declarara crente na Lei de Moisés. Disse que veio revogar-se unicamente porque lhe parecia que estava a fazer mal a seus filhos. O Inquisidor “concluiu” (!) que as suas confissões eram todas verdadeiras incluindo as acusações a Constança Dias e a seus irmãos, todos filhos dele; mas verdadeiras apenas para o acusar, não para o reconciliar…

fls. 82 img. 163 – 21-2-1597 – Processo concluso

fls. 83 img. 165 – 21-2-1597 – Assento da Mesa da Inquisição

Foram vistos aos 21 dias de fevereiro de 97 estes autos e confissões de Mestre Diogo, cristão novo, contido neles, e a revogação que ultimamente fez, pedindo mesa para isso, depois do assento que neste processo está tomado, e pareceu a todos os votos que o dito Réu fosse entregue à Justiça secular como convicto e confesso do crime de heresia e apostasia e judaísmo, revogante, pertinaz e impenitente, e variante. E, vista a pouca esperança que há de sua conversão, e parecer muito menos verosímil a declaração que ultimamente fez sendo chamado a esta Mesa acerca da revogação que nela tinha feito, ontem pela manhã. E as muitas que tem feitas nestes autos. E haver informação que nestes autos anda, de sempre ser sisudo e não ter nunca lesão no entendimento, como consta outrossim destes autos e respostas que o Réu deu às perguntas que lhe foram feitas em perto de dois [anos] que há que está preso; do que tudo se colige sua conversão ser fingida, simulada e maliciosa. E declaro que ao seu voto, o Doutor António de Barros pareceu que o Réu se não despachasse neste auto pelas razões que em seu voto declarou, no Assento atrás.  E que este processo seja levado ao Conselho Geral”.

fls. 83 v img. 166 – 21-2-1597 – Na casa do Conselho Geral

O Réu estava já de mãos atadas por lhe ter sido notificado que estava relaxado à Justiça secular. “E disse que ele pede misericórdia e perdão de suas culpas e das revogações que delas fez no S.to ofício porque todas as confissões que tem feito assim de si como de outras pessoas que tem declarado são certas e verdadeiras e nelas se ratifica e afirma que está muito arrependido das variedades e revogações que há feito e que as fez por mau conselho de um velho das ilhas que se chama João Álvares, que ontem à tarde tiraram da sua companhia e por falta de juízo e de sua má cabeça, porque esteve doido como podem dizer seus companheiros, mas que a verdade é que tudo o que ele tem confessado contra si e contra as mais pessoas que tem declarado em suas confissões (…)”

fls. 85 img. 169 – 22-2-1597 -

Disse que ele fora ontem à Mesa do Conselho Geral e ratificara suas confissões e que a verdade era que ele pusera testemunho falso em si e em todas as pessoas que culpou em suas denunciações e que por medo da morte ratificou ontem as suas confissões e que a verdade é essa que agora diz”.

Acrescentou depois “que não revogava o que tinha denunciado da comunicação dos presos do cárcere e o que toca  a isto, somente as coisas que contra a nossa santa Fé católica dissera de si e dos outros todos”.

fls. 86 img. 171 – 22-2-1597 – Assento da Mesa da Inquisição

Foram vistos na Mesa do Santo ofício aos 22 de fevereiro  de 97 anos estes autos e sessões que com o Réu se fizeram depois do próximo Assento atrás desta mesa na primeira das quais assentou nas confissões que tinha feitas nesta Mesa e as tinha revogadas.  E na segunda, pedindo mesa para isso, se revoga de tudo o que tinha confessado e nisso fica. E pareceu a todos os votos que o Réu Mestre Diogo seja entregue à justiça secular conforme ao dito Assento. E o doutor António de Barros seu voto foi do parecer contido no dito Assento pelas razões que ele tem declarado no mesmo Assento. E que este processo seja levado ao Conselho Geral.”

fls. 86 v img. 172 – 22-2-1597 - Assento da Mesa do Conselho Geral

Foram vistos estes autos na mesa do Conselho estando presente o Ilustríssimo Senhor Bispo Inquisidor-Geral e assentou-se que é bem julgado pelos Inquisidores, Ordinário e Deputados em relaxarem o Réu Mestre Diogo à Justiça secular – confirma sua sentença por seus fundamentos – e manda que se dê execução. Em Lisboa, 22 de fevereiro de 1597

fls. 88 img. 175 – 22-2-1597

Por comissão dos Inquisidores, foi falar com o Réu, por ele pedir audiência, o L.do Salvador de Mesquita, Deputado da Inquisição de Évora, agora residente em Lisboa. O Réu pediu perdão e misericórdia. Foram-lhe lidas as suas confissões.  Disse que ele sempre fora bom cristão e cumpridor.

fls. 91 img. 181 – Sentença – Foi publicada no Auto da Fé que se celebrou na Ribeira da cidade de Lisboa, aos 23 de Fevereiro de 1597.

fls. 93 img 189 – Conta de custas: 3$238 réis

fls. 96 img. 191 – Diligência que vai desta vila de Serpa aos Srs. Inquisidores.

No final do processo, está uma comissão enviada a Évora em 3-2-1597 para que em Serpa fossem ouvidas “ quatro ou cinco testemunhas cristãos velhos fidedignos, vizinhos do dito Mestre Diogo que bem o conheçam e possam dar razão do que se pretende saber (…) a cada uma das quais se lhe farão as perguntas seguintes: (…)  - se governava e regia sua casa e família como homem de juízo e entendimento perfeito sem nele mostrar lesão alguma em algum tempo e se ele como tal tratava e ordenava suas coisas e fazenda; - se era tido e havido comummente por homem sisudo e de juízo e entendimento perfeito (…)”

A resposta não chegou a tempo, mas parece que todos abonaram o bom juízo do Réu.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

Regimento da Santa Inquisiçam, de 1552, in Archivo Historico Portuguez, vol. V, Ano de 1907, pags. 272-298